Todos os meios de comunicação noticiaram a reabertura solene da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, uma pequena pérola da arquitetura rococó brasileira, localizada num ponto nevrálgico do Centro do Rio que tem renascido das cinzas, depois da pandemia. O templo fica no Arco do Teles, remanescente intocado do Rio de Janeiro dos Vice Reis e do Império Brasileiro; trata-se de um pequeno beco, com acesso por dentro de um arco de pedra caiado na Praça XV (ou Largo do Paço) que é uma das construções mais antigas do país. E bem na esquina da rua que já foi a mais famosa e chique de todo o Brasil; a Rua do Ouvidor. Suas bandeiras coloridas e estandartes chamam atenção de quem passa pelo Teles.
Desde a cerimônia de reabertura, que contou com a presença do prefeito Eduardo Paes e do Cardeal Arcebispo Dom Orani Tempesta, uma gama de celebridades, influenciadores, amantes de história, cariocas em geral já foram lá prestar uma homenagem à santa católica que é conhecida como Padroeira dos Comerciantes do Rio. A igrejinha virou uma espécie de fenômeno no Instagram, com centenas de stories e postagens nos últimos 20 dias retratando seus ornamentos e sua nave aconchegante.
“Reza uma lenda famosa no Centro que um comércio novo que abre na cidade só dá certo mesmo se tiver a bênção da Senhora dos Mercadores, que até 1750 ficava num oratório na rua do Ouvidor, e agora fica no altar da Igreja“, diz Wagner Victer, ex-presidente da CEDAE, confessando que muitos dos sucessos da sua gestão à frente da companhia, à época, foram frutos de pedidos à antiga devoção católica portuguesa. “Na verdade, as bênçãos aos comércios são extremamente requisitadas, pois a devoção à Nossa Senhora da Lapa nasceu entre mascates e comerciantes mesmo. Por isso muitos comerciantes têm nos visitado desde a reabertura e pedido as bênçãos“, diz o Padre Victor Hugo, que tem rezado Missas quase todos os dias na Irmandade. O que se sabe com certeza mesmo é que a imensa imagem de mármore que foi atingida por uma bala de canhão na revolução de 1893 caiu de uma altura de 25m e sofreu danos mínimos. Porém, a história de proteção aos comerciantes parece estar funcionando novamente; e reverberando.
É que as missas de sábado e domingo têm lotado a Igreja, todos os finais de semana. Apinhada de gente interessada em conhecer a beleza da sua nave, o belíssimo átrio onde estão expostas a bala de canhão e a imagem que caiu, assim como suas históricas imagens em madeira do século XVIII, o templo tem recebido centenas de pessoas todos os finais de semana também para assistir a celebração eucarística. As missas, conduzidas pelos padres Victor Hugo e Vítor Pereira, são rezadas em latim, e sempre acompanhadas de coral e grande orquestra, com direito a metais, órgão – o instrumento da igreja é de 1873 e foi totalmente restaurado – e cantores líricos liderados pela soprano Juliana Sucupira, que entoam clássicos sacros como Zadok the Priest e Aleluia de Handel, com adições como Panis Angelicus e muitos outros exemplos de música erudita. Segundo o padre Vitor, “as nossas missas de sábado, por serem ao meio-dia, já cumprem o preceito católico de ir à missa todos os domingos“; bom pra os católicos mais afoitos se credenciarem logo a viajar ou passar o domingo todinho na praia ou nos centros culturais da região. A igreja tem sido toda decorada pela Irmandade com flores naturais, como num casamento.
Quando a missa acaba, a pequena multidão sai da Igreja pronta pra…almoçar nos restaurantes do entorno. O Bar Sampaio, antigo casual, bem em frente à Igreja, tem ficado cheio. Famoso pelo seu churrasco misto com lingüiça toscana cortada fininha, feijoada e pela cerveja gelada, o estabelecimento do casal Dora Fontenelle e Sidney Bezerra tem recebido grande parte dos novos fiéis da Igreja dos Mercadores, que, tendo cumprido o preceito católico de ir à missa, depois estão prontos para festejar o final de semana. “A reabertura da igreja trouxe uma luz pra este lugar, que andava meio esquecido. Não tenho como duvidar da lenda. Pra nós tem sido uma bênção e temos lotado nos finais de semana, sem contar o aumento do movimento diário“, dispara a proprietária. Dora não está sozinha. Renan Ferreira, dono do conhecido restaurante Capitu, um dos maiores da região, se junta ao coro. “Tem atraído um público muito grande, não só de fiéis como também de turistas, e estamos sentindo o aumento na procura“, diz. Verdade seja dita, há mais de 10 anos, não era possível ver o Arco do Teles lotado de mesinhas de madeira com pessoas fazendo refeições, num fim de semana.
Renan, que é presidente do Polo Gastronômico e Cultural da Praça XV, diz que a volta da velha igrejinha à ativa trouxe já um outro milagre, além de clientes. O policiamento voltou. “Desde a reabertura do templo, o número de turistas aumentou e acho que por isso já começamos a ver muitos guardas municipais e policiais militares por aqui. Volta e meia passa uma motocicleta, uma viatura, ou duplas de guardas, que antigamente ficavam só no Largo do Paço. Agora eles andam a todo momento pelo Arco do Teles e circulam pela Rosário, Ouvidor e Mercado“, festeja. Mas ainda se diz preocupado com os buracos que a Light têm feito na rua: “não param de quebrar o chão por aqui, destruindo calçadas bicentenárias e ninguém sabe a troco de que; quebram, quebram, e ninguém faz nada“, diz, preocupado com as ações da concessionária afastarem turistas. Tá na hora de pedir à santinha mais esta proteção.
As missas com coral e orquestra que ocorrem todo o final de semana têm o apoio cultural do restaurante Sobrado da Cidade, localizado na rua do Rosário 34, logo ali. O restaurante oferece um café da manhã especial, todo sábado e todo o domingo, que usa receitas do século XIX e é seguido por uma caminhada de 1 hora pela região do Paço Imperial, e que termina com a chegada à Lapa dos Mercadores para assistir as missas, às 12:00 em ponto, enquanto dobram os sinos da igrejinha, que anuncia as horas, de hora em hora. O chamado café imperial tem ficado lotado, e os frequentadores têm se apaixonado pela união de história, cultura e fé. “Tem muita gente que sai emocionada da celebração“, diz Sylvia Assumpção, secretária da irmandade, com mais de 30 anos de casa.
O templo foi totalmente reformado com capital privado sem nenhum tipo de recurso público ou da Igreja, após a Arquidiocese do Rio de Janeiro nomear o empresário Claudio André de Castro seu comissário e provedor. A Igreja Católica no Rio criou uma comissão de patrimônio para lidar com Igrejas que, como a da padroeira dos comerciantes, estavam em mau estado e abandonadas. Assim, com capital próprio de suas empresas e de amigos, o diretor da Sergio Castro Imóveis e do Shopping Paço do Ouvidor realizou toda a obra, e deixou a igreja tinindo; fachada totalmente pintada, telhado, elétrica e hidráulica feitos, e até mesmo restauro de obras de arte e móveis, recomposição de acervo e a instalação de um moderníssimo sistema de som, entre outras intervenções que incluiram colocar os sinos pra tocar de forma automática, e diversas outras iniciativas. Algumas, promete, “ainda vêm por aí”.
A igrejinha já aceita reservas para casamentos, batizados, missas particulares e, claro, para as famosas e lendárias bênçãos ao comércio e a novos negócios, uma antiga tradição católica que vinha esquecida na cidade. Como o Centro do Rio, que volta à vida, com a recuperação de antigos imóveis, comércios e restaurantes. Só ali na região, são vários prédios antigos começando reformas. Valha-nos, Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores. O Rio merece.