Wagner Victer: crônica de uma morte de bebê anunciada

Infelizmente esse texto não é um artigo, sequer uma crônica, talvez seja mais um lamento ou um protesto, que aliás o faço muito entristecido e revolta

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imagem ilustrativa - Grátis para uso comercial. Foto: Pixabay

Para preservar a dor e os eventuais erros ou omissões, não vou mencionar o nome dos agentes públicos e as pessoas envolvidas e em especial daqueles que sofreram e continuam sofrendo com essa situação e que pude acompanhar pessoalmente na última semana.

Uma das demandas que surgem em nosso dia a dia, quando atuamos na vida pública, são os chamados “pedidos” não só de atendimento em áreas que atuamos e que viramos referências, e que no meu caso específico foram energia, água, educação, mas também demandas por outras áreas, e isso é bastante legítimo. A verdade é que não podemos nos ausentar de agir em tais questões pois muitas vezes somos o último fio de esperança e o único canal que uma pessoa em desespero tem a recorrer.

As demandas da área da saúde estão muito presentes no rol das solicitações que recebemos e não há como um gestor público que seja sensível responder que esse assunto não lhe cabe porque não atuamos nessa área e que nada poderemos fazer sem que possa dormir a noite sem o sentimento de amargura.

Normalmente, as demandas da área de saúde, como atendimentos de emergência, internações, exames complexos e cirurgias, são as mais sensíveis, pois tem um critério de prioridade do próprio sistema de saúde e por não sermos da área, muitas vezes não conhecemos a metodologia de como atuar e até se a gravidade da questão nos requer mais empenho. Por isso, a primeira recomendação que sempre faço é procurar uma unidade de saúde pública para buscar a inscrição no SisReg, caso seja um exame ou uma cirurgia e, especialmente, se for algo de emergência ir ao hospital com esse atendimento.

O caso que relato, e que me indigna, é de uma tragédia anunciada. Uma grávida, parente indireta de um grande amigo meu, que vivenciou uma gravidez de risco por ter mais de 40 anos e ser o seu primeiro filho, e que sentia preocupação não só com a sua saúde, mas principalmente com a saúde de sua filha que foi a óbito.

Qual a razão básica desse fato? Essa mulher vive na Ilha do Governador, uma região com mais de 250 mil habitantes, sem o suporte sequer de uma Maternidade como, aliás, havia no passado.

É claro que o modelo tradicional de se buscar fazer um pré-natal em uma unidade municipal, como uma Clínica de Família, e se submeter a procedimentos, que também normalmente deveriam ser feitos dentro dos chamados protocolos ou rotinas, porém me parece que nem sempre todas as mães e pais tem o real conhecimento dessa metodologia e que, como pude vivenciar, é extremamente complexa. Fazer um pré-natal em um local adequado, se preparar para o processo de mobilizar a “cegonha carioca”, solicitar ambulâncias e ao mesmo tempo ter aquele atendimento no prazo em que as complicações de um parto pode acontecer é uma rotina que realmente pode até funcionar quando todas as condicionantes estão sob controle. Porém, não há como isso combinar efetivamente com o bebê, e no caso da Ilha é agravado com as próprias condições de tempo e de trânsito que se tem numa emergência sem uma maternidade próxima.

O fato é que uma senhora nessa situação que busquei ajudar deu entrada no Hospital Evandro Freire e somente após algumas horas foi transferida para uma maternidade municipal em São Cristóvão e a criança, segundo informações, veio à óbito ao chegar lá, ou já chegou morta – isso nunca saberemos. Com todo advento da informática, como podemos entender que não exista uma busca ativa por essas grávidas, em especial as de risco, para as encaminhar até preventivamente a uma maternidade? Essa responsabilidade seria só da mãe? E também não daquele que fez o pré-natal?

Particularmente, não posso ser leviano de apontar falha de alguém ou erro médico ou leniência da estrutura criada para partos mesmo eu tendo ao telefone buscado acionar todos os caminhos na esfera municipal, tanto na emergência do Hospital Evandro Freire quanto em ações posteriores com a Coordenação de Maternidades da Prefeitura, e o que eu, infelizmente, não consigo realmente entender é como uma questão como essa possa estar acontecendo e as autoridades de saúde não tenham ainda dado uma solução, que, já, haviam me relatado que havia ocorrido casos similares na Ilha do Governador.

A pergunta que se faz é: como que, em uma gravidez de risco, não é feita a prévia internação da gestante em um hospital municipal de referência muito antes dela entrar no trabalho de parto para que possa ser monitorada? Como disse, não sou médico, sou engenheiro e gestor público, mas, realmente não consigo entender que isso aconteça em uma região que absurdamente não tem uma maternidade o que envergonharia até Odorico Paraguassu na caricata e fictícia Sucupira de Dias Gomes que pelo menos possuía sua maternidade e clamava ensandecido por seu cemitério.

Como que milhares de gestantes ficam sujeitas a tensão e realidade de ter que sair correndo da Ilha no parto, sendo que a logística de acesso tem restrições por ter só uma entrada, sem levar em conta os riscos da mobilização e disponibilidade do acesso de ambulâncias, que aliás não são sequer previamente baseadas dentro do bairro! Será que é certo manter um sistema que só é eficaz desde que todas as condições estejam presentes e que podem acontecer problemas, imprevistos, erros dos familiares e um conjunto de hipóteses que podem colocar em risco mães e seus bebes?!!

Não dá para escutar, como escutei, e como disse que não indicarei os atores dessa passagem que me indigna: “acontecem dezenas de milhares de partos por ano no Rio de Janeiro, e essas ocorrências são muito raras”, esse argumento é uma estaca no peito da lógica até porque dentro da estatística podem até ser raras, porém dentro de cada família afetada aquilo será 100% um indicador de uma tragédia.

A Ilha do Governador é a região que moro desde os 5 anos, que exerço minha cidadania comunitária e estimo que devam acontecer uns 200 partos por mês, o que possivelmente pode levar a ordem de 2 mil partos por ano. As grávidas da Ilha do Governador, em sua grande maioria são mulheres humildes sem plano de saúde e sem recursos, que se submetem a essa roleta russa da inexistência de uma maternidade tendo que considerar que todas as variáveis vão dar certo e que seu bebê nascerá dentro do perfeito funcionamento de toda essa rotina com ligações, atendimentos, cegonhas volantes, o que me parece que num caso como esse algo não aconteceu de forma precisa.

Arrumar culpados nesse momento em nada adianta, até porque devem ter muitos e isso não leva à solução, especialmente do drama familiar. O fato é que a Ilha do Governador, com mais de 250 mil moradores, não pode continuar sem ter uma maternidade e ficar refém dessa situação! Isso não é um caso meramente de política pública de saúde, mas uma emergência. Não implementar imediatamente é sim, a meu ver, uma omissão até criminosa, e diante de fatos como esses e obras paralisadas, até configurar prevaricação.

A maternidade da Ilha prevista se localizaria no antigo hospital Paulino Werneck, onde muitos insulanos nasciam no passado, que está com seu prédio totalmente desmobilizado após a construção do hospital Evandro Freire, e que também não tem um sistema eficaz para realizar partos de emergência, pois caso tivesse o teria realizado no caso específico dessa senhora.

O tema maternidade da Ilha do Governador tem sido usado para fins eleitoreiros e politiqueiros, quando poderia até ser positivamente usado para fins de consolidar uma boa ação política. O atraso na sua finalização, na verdade, é algo que se procrastina em diversas gestões.

Profissionais da saúde que, historicamente são ligados a processos eleitorais, assumiram cargos vinculados a tal missão de viabilizar essa maternidade para sem sucesso virarem candidatos à vereadores, na promessa que essa maternidade seria finalizada ou seja minha a meta é me eleger para fazer algo que fui pago para viabilizar e não fiz. Lançamentos de obras foram feitos, visitas realizadas e fotos de pequenos espaços eram divulgadas por releases em jornais locais como um assunto dado como certo. Na dinâmica política aqueles que eram favoráveis ao poder municipal na época batiam palmas e fechavam os olhos com antolhos pra situação que, obviamente, não se concretizaria. Já os que eram contra denunciavam, mas efetivamente suas denúncias não prosperaram em uma resposta efetiva.

No recente processo eleitoral, todos os candidatos a cargos parlamentares que buscavam votos na Ilha, desde os sérios e comprometidos até os nítidos picaretas que nunca se envolveram em tal clamor e mobilização para o tema, defendiam a construção dessa maternidade.

Os custos para implantar essa maternidade, especulados pela mídia, de uma obra iniciada, porém não terminada são muito baixos. Logicamente ela foi iniciada em período pré-eleitoral e não está tendo continuidade para uma retomada possivelmente próxima a um novo pleito.

Este imbróglio que ceifa vidas de bebês e esperanças é inferior a 10 milhões. Mas, que fossem 20 ou 30 milhões! Esses valores são irrisórios diante do que isso pode representar para salvar pelo menos uma vida e principalmente para dar tranquilidade a mães que sonham em ter seus filhos de maneira tranquila, serena e com uma técnica humanizada.

Como cidadão e morador da Ilha já participei de diversos movimentos. Ajudei a promover abraços e encontros com órgãos e imprensa junto com a Associação de Mulheres local (AMUIG) e alguns veículos da mídia insulana. O fato é que a maternidade da Ilha do Governador ou o Hospital da Mulher voltado a esse atendimento que seria desde um pré natal até o parto, não acontece e é empurrado com a barriga e a morte desse bebê me levou ao maior aumento de indignação e sentimento de impotência que me envergonha como gestor público.

Vejo movimentos positivos do Estado dizendo da intenção de até buscar estadualizar aquele hospital para implementar a Unidade, mas espero que no mínimo tal promessa seja utilizada somente como um elemento catalisador para que esse aspecto avance concretamente pelo poder municipal que teria tal obrigação e que, como disse, muitas vezes executa trabalhos de pré natal, porém em sistemas como Clínicas de Família que não funcionam 24 horas e sequer abrem ou tem sistemas de plantão nos finais de semana e que, logicamente, são dificilmente mobilizáveis durante uma emergência , como a que relatei nessa tragédia.

Não dá mais pra esperar para marcar uma data para resolver definitivamente esse problema que virou uma vergonha. Isso é um apelo que faço como cidadão, pois histórias que poderiam ser de felicidade acabam virando algo para chorar como uma morte anunciada dessa bebé que os pais nunca a terão sorrindo em seus braços!

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