Wagner Victer: De onde vêm os alagamentos do Rio de Janeiro?

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre os motivos dos impactos causados pelas chuvas no Rio

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Na Lagoa Rodrigo de Freitas, as águas invadiram a calçada / Repodução

Estamos observando imagens chocantes no Rio de Janeiro que foram ocasionadas pelas fortes chuvas dos últimos dias. Essa ocorrência não é nova, é previsível e a engenharia consegue explicar muito bem as razões, as formas da redução dos riscos e como mitigar os impactos que tem sido catastróficos.

Primeiro, temos que entender que a Cidade do Rio de Janeiro, que é margeada pelo chamado mar aberto e pela Baía de Guanabara, tem bacias geográficas tradicionais de escoamento e de drenagem para receber e armazenar as chuvas e que vão desde o mar até sistemas Lagunares como os da Barra da Tijuca e Jacarepaguá e até Lagoas da Zona Sul como a Rodrigo de Freitas e a própria Baía de Guanabara.

O fato é que além de ter essa chamada zona de amortecimento, com excelente capacidade para receber os sistemas de águas pluviais, tivemos nas últimas décadas um crescimento desordenado da cidade, o que gerou uma grande impermeabilização do solo, que ficou com baixa capacidade de absorver as chuvas. Temos um topografia bastante elevada, que são morros e declives próximos do mar, e com isso a chuva desce com grande velocidade e carregando muito lixo, que obstrui os sistemas de admissão de drenagem como os conhecidos bueiros ou as “bocas de lobo”.

Os volumes de chuva que acontecem geralmente ao final do dia, muitas vezes ocorrem antes da coleta do lixo e, além disso, muitas pessoas e comércios colocam lixo num nível na calçada que na primeira chuva ele é arrastado e se acumula nas bocas de lobo, o que gera mais obstrução as galerias insuficientes ou mal cuidadas.

Além disso, há uma falta de sequência de implantação de novas galerias de amortecimento e drenagem na cidade. A última, talvez, de grande impacto tenha sido o Piscinão da Praça da Bandeira, porém em muitos locais, especialmente dos subúrbios, existem pontos que, com uma pequena chuva, começam alagamentos e que, mesmo sendo conhecidos, não tem um enfrentamento sistemático de obras pelas autoridades públicas. Uma boa maneira de identificar isso, que até adotamos no passado com a Subprefeitura da Ilha do Governador, é atuar em pequenas chuvas simplesmente rodando de carro, ver onde há pequenas formações de poças, porque ali efetivamente irá requerer uma intervenção de engenharia, ampliando a galeria ou realizando uma obra de limpeza da galeria. Existem processos de limpeza tradicionais mecânicos que se fazem em galerias e até com máquinas conhecidas como” bulk machines”. Os sistemas de mera limpeza dos bueiros, infelizmente, foram renegados a um segundo plano e, atualmente, há um total jogo de empurra entra a Comlurb e algumas Secretarias, como Conservação. Há também uma falta de consciência da população que não entende que lixo não é para ser jogado na rua e nem deixado em locais baixos em meses de grande precipitações pluviométricas como o verão .

O fato é que o Rio de Janeiro colapsou, paralisou e temos ainda grandes riscos. Quando presidi a CEDAE, sempre recomendava à Prefeitura a dragagem do Canal do Mangue em períodos anteriores ao verão, pois é um receptor de águas do Centro e que quando está assoreado junto com maré alta gera graves problemas, o que pode inundar todo o sistema do Sambódromo associado aos desfiles do Carnaval do Rio de Janeiro… e me espanto, pois passo lá diariamente e não tenho visto recentemente grandes intervenções, o que me preocupa tremendamente, como já falei em alguns programas de rádio.

A Cidade do Rio inteira requer intervenções de limpeza das suas galerias de águas pluviais, conhecidas também como GAP’s. Isso é o que pode ser feito nesse momento, já que obras de maior intervenção demandam muito mais tempo, mas vejo que somente com o exemplo de onde moro, na Ilha do Governador, onde temos um conjunto de comunidades em ponto elevado, conhecidos no passado como morros, apesar de estarem muito próximas a Baía de Guanabara, temos tido uma série de pontos de inundação já bastante conhecidos e que infelizmente não tem tido um enfrentamento de fato com obras significativas nos últimos anos e requer intervenções de limpeza , o que não seriam obras de grande valor, mas basicamente obras que requerem um trabalho de topografia, de Engenharia com novas galerias e principalmente a permanente e rotineira manutenção.

Portanto, é até muito natural que as chuvas que ocorreram nos últimos dias alaguem a cidade. O que não é natural é a demora do tempo de escoamento para que o alagamento baixe de nível e o impacto seja reduzido. As chuvas foram muito acima da média, porém o sistema de drenagem se mostrou totalmente inadequado, sem manutenção e requer intervenções muito rápidas.

As chamadas chuvas de verão são bastante previsíveis e acontecem em maior ou menor escala todo ano, portanto, não há como falar que é uma surpresa. Foi de grande monta, porém de fato faltou planejamento, investimentos em limpeza e conservação.
Tenho certeza que, diante do colapso que a cidade vivenciou, essa será a meta para os próximos dias, reforçando o orçamento nessa área.

Por último, é de se destacar também que praticamente todas as praias do Rio de Janeiro se tornam bastante impróprias após chuvas como essas, não pelo lançamento de esgotos somente, mas porque o próprio sistema de drenagem leva uma série de produtos, lixo e matéria orgânica, o que torna os sistemas costeiros não balneáveis. É normal em sistemas historicamente balneáveis que eles estejam disponíveis, pelo menos, 72 horas depois da ocorrências grandes chuvas.

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2 COMENTÁRIOS

  1. As causas desses alagamentos são históricas. Em países mais organizados, cabe a cada cidadão sair de sua residência (mesmo debaixo de frio) e conduzir seu lixo doméstico para um ponto de coleta, na superfície ou subterrâneos, localizados em pontos diversos espalhados pelos bairros, onde o lixo não corre o risco de ser carregado por uma chuva forte. Não há entre eles a cultura do “alguém tem que vir recolher meu lixo na porta da minha casa ou do meu prédio”. Para estabelecimentos comerciais, pequenos ou grandes, o serviço de coleta é oferecido em horários determinados. O estabelecimento se cadastra no órgão responsável, sabe o horário da coleta e cria uma rotina para esta tarefa. Sacos plásticos de lixo amontoados nas calçadas, nem pensar, sob risco de multas pesadas.
    Já em relação ao sistema de escoamento, este exige investimentos públicos, tanto para construção como para manutenção. Em tempos de contenção de gastos públicos, teto de gastos, e aumento dos gastos governamentais com bancos privados (a famigerada financeirização do mundo), há perspectivas de aumento do orçamento de gastos para esta área? E para todas as outras? É possível uma melhoria radical das cidades e do país sem investimento público massivo? Há dinheiro para estes investimentos? Claro que há, desde que se altere radicalmente o DESTINO do dinheiro público: bem menos para os bancos privados e para mega empresários milionários, e bem mais para as áreas que beneficiam a população.

    • Teus comentarios estão corretos em alguns pontos apenas.

      o “Teto de gastos” não completou nem 10 anos ainda e esse problema ocorre no Rio há seculos, onde não tinha o tal problema de “investimento publico” que você comentou que vai para “bancos e empresarios milionarios”, ao invés de enxergar o verdadeiro culpado, você está buscando desculpas.

      A realidade é que não existe interesse publico para tais intervenções, porque não é isso que ganha eleição, justamente por esse motivo que as obras necessárias tem que vir de uma troca publica-privada, o que a prefeitura, governo pode fazer é aplicar leis que já existem e no Rio sabemos bem que “lei” não serve pra nada, já que vemos até os próprios agentes públicos furando sinais, andando na contramão, parando em lugares que não podem, entre tantas outras infrações que temos no nosso cotidiano.

      O teu texto tem pontos importantes como conscientização, multas, aplicação de lei mas a sua solução é rasa e não aponta o verdadeiro culpado e o porque desse descaso.

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