O Dia dos Povos Indígenas, originalmente criado como “Dia do Índio”, foi instituído em 2 de junho de 1943, durante o Estado Novo, pelo Presidente Getúlio Vargas, como consequência direta do Congresso Indigenista Interamericano, ocorrido no México, em 1940. O decreto selecionou o dia 19 de abril, pois, nessa data, representantes indígenas participaram do Congresso em Pátzcuaro. Coincidentemente, era data de aniversário do presidente.
A denominação foi alterada por meio de projeto apresentado ao Congresso pela deputada federal Joenia Wapichana, indígena de Roraima, em 2022, que alegou a conotação negativa da palavra “índio”.
Segundo o censo de 2010, a população indígena do Rio de Janeiro registrava cerca de 7 mil habitantes, diluído no grande contingente populacional e absolutamente diverso da ocupação quando os colonizadores brancos por aqui aportaram e encontraram tamoios e temiminós lutando pela terra, em meados do século XVI.
Despercebido por seus habitantes atuais, a influência dos povos indígenas está presente de forma direta, através da herança de topônimos como Sernambetiba, Ipanema, Tijuca, Guaratiba, Maracanã e até mesmo o gentílico local: carioca.
Outras manifestações fazem parte do nosso cotidiano, na música, alimentação, pintura corporal, apreço pelos adereços coloridos e até mesmo o hábito da pouca roupa praiana, objeto de exportação por décadas.
Em 2023, Quintino Gomes Freire publicou, no Diário do Rio publicou uma matéria sobre a origem dos nomes dos bairros da cidade. Entre eles, em homenagem ao dia dos povos indígenas, destacamos alguns com sua influência direta:
Andaraí, provavelmente é originário da expressão “andirá-y açu”, rio grande dos morcegos, segundo os tamoios locais; Cachambi, que significa feixe de mato trançado, muito presente naquela região da zona norte; Camorim, na Zona Oeste, se referia à mata com muitos mosquitos, praga que pouco mudou na cidade; Catete, em tupi, era o mato fechado, às margens do rio Carioca; Catumbi, denominava um rio de água escura ou sombreada; Cocotá, na Ilha do Governador, abrigava as primeiras “roças” da ilha de Paranapuã; Grumari, bela praia preservada da Zona Oeste, viria de curu e mari, seixos que dão água; Guaratiba, na mesma região, seria o local de abundância das aves guarás; Itanhangá, já apresenta um significado místico, associando Ita (pedra) e Anhangá (protetor misterioso das floresta e animais); Jacarepaguá associa três vocábulos tupis para denominar a lagoa rasa dos jacarés – yacare, upa (lagoa) e guá (baixa); Maracanã, é o nome atribuído a uma espécie de papagaio, muito comum na região; Tijuca, bairro que é orgulho de seus tijucanos, significa água podre ou brejo, em referência ao complexo lagunar na baixada de Jacarepaguá;
A culinária também está repleta das influências dos nossos povos originários, tanto nos ingredientes como milho, mandioca, pescados, produzindo iguarias como a moqueca, para alguns descendente direta da pokeka, uma técnica para embrulhas peixes e carnes em folhas e assar na brasa; a pamonha, o pirão.
Considerando a comunhão com a natureza, a abundância de frutas integrava seu cardápio e recentemente vêm se popularizando na alimentação cotidiana, resgatando sabores originários como araçá, cambuci, guariroba, jabuticaba, jenipapo, pitanga, presentes na Mata Atlântica ou outras, presentes nas regiões Norte ou Nordeste.
A produção cultural também reflete a influência dos povos originários, atualizando os rituais de danças para bailes de ritmos diversos. Está presente nos adereços para orelhas, pulsos, braços e tornozelos, muitas vezes com peças multicoloridas; os corpos bronzeados, pouco cobertos, inundando as praias e ruas litorâneas, enlouqueciam turistas e integravam cartões postais, posteriormente proibidos, pois incentivavam práticas dispensáveis para a imagem da cidade, além do tratamento depreciativo para mulheres do Rio, apresentadas como “mercadoria sexual”.
Na prática, muito similar ao papel atribuído às indígenas brasileiras, muitas delas negociadas no mercado europeu como exóticos seres tropicais, exibidas em feiras, circos ou até mesmo em luxuosos salões.
Portanto, o Dia dos Povos Indígenas, muito mais que celebração, deve ser dedicado à reflexão, à compreensão de uma etnia determinante para a formação do Brasil. Uma necessidade diária relativa ao papel dos povos originários, demarcação de suas terras, preservação de sua cultura, construção de relações menos preconceituosas, sem as limitações de uma estupidez que se mostra muito presente quando tratamos de olhar para ver o outro.