No dia 16 de agosto muitas crenças celebram o culto a São Roque, entre elas o catolicismo, umbanda e candomblé, estes últimos de matrizes africanas, sincretizando o santo com os orixás Obaluaiê ou Omulu. Em todas, protetor contra as pestes, doenças e epidemias, tão oportuno em tempos de covid e varíola dos macacos.
A cidade do Rio de Janeiro conta com três templos católicos importantes dedicados à sua devoção, localizados em Paquetá, São Cristóvão e Vila Valqueire, cada qual com sua história e origem diversa.
Roque nasceu em Montpellier, França, em 1295, descendente de nobres, mas assim como Francisco de Assis, um século antes, despojou-se de bens materiais e saiu em peregrinação, utilizando seus conhecimentos de medicina para cuidar de enfermos, principalmente aqueles contaminados pela peste negra que assolava a Europa.
Em Placência, na vizinhança de Milão, na Itália, contraiu a moléstia e se isolou num bosque para evitar disseminar a doença. Conta a tradição que ali, numa cabana à beira de uma nascente, encontrou a cura enquanto era alimentado por um cão, que lhe trazia pelo menos um pedaço diário de pão, gerando a associação do santo com os animais.
Roque adotou a Itália como pátria, mas quando retornou a Montpellier, sem ser reconhecido, foi preso e morreu no cárcere no dia 16 de agosto de 1327, aos 32 anos.
No final do século XV, seus restos mortais foram transferidos para Veneza e depositados numa igreja construída por sua irmandade, elegendo-o como orago e padroeiro da cidade, em 1576.
No Brasil, seu culto predomina em regiões de maior imigração italiana e o registro de sua mais antiga igreja está em São Roque, SP, fundada em 1733. Existem ainda cerca de 30 paróquias no território nacional dedicadas ao santo.
No Rio de Janeiro encontramos uma paróquia, em Vila Valqueire e duas capelas, em Paquetá, subordinada à Paróquia de Bom Jesus do Monte e em São Cristóvão, pertencente à Irmandade, subordinada à Paróquia de São Cristóvão.
O templo mais antigo está localizado na Rua Padre Juvenal, na Ilha de Paquetá, contando com tombamento municipal desde 1980. Alguns registros indicam sua construção original nos primórdios da fundação da cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do proprietário daquelas terras, o português Inácio de Bulhões, mas oficialmente foi em 1728 que o bispo consagrou a capela e sua pia batismal para administração de sacramentos, considerando a distância de sua matriz, em Magé, no fundo da baía da Guanabara.
Tratava-se de um modesto edifício de nave única, capela-mor com a imagem do padroeiro e um discreto nártex, destinado aos cativos ou aqueles de poucas posses, junto à porta principal. A singela capela caiu nas graças do rei D. João que muitas vezes hospedou-se na ilha para frequentar os festejos de agosto, atraindo outros visitantes ilustres.
Ao longo do século XIX, com a sucessiva mudança de proprietários, a capela recebeu diversas alterações como a ampliação e inclusão de altares laterais para São Sebastião e Nossa Senhora das Dores. No início do século XX, a capela foi cedida à Arquidiocese do Rio de Janeiro, mas se encontrava em péssimas condições, o que implicou na construção de um novo templo, em 1910, com projeto atribuído ao arquiteto Miguel Bruno. No ano seguinte reabria-se a igreja com referências clássicas na sua fachada principal, como um frontão triangular sobre quatro colunas de inspiração greco-romana e uma porta central com arco pleno. Retomavam-se os famosos festejos de agosto em homenagem ao orago e padroeiro da Ilha.
Em São Cristóvão, a devoção particular a São Roque foi iniciada pelos fiéis José Maurício da Fonseca, Lino Rangel e Vicente Luiz de Carvalho Couto que, em 16 de agosto de 1905, fundaram uma irmandade e construíram uma ermida no Morro do Barro Vermelho, à Rua Lopes Ferraz, 55. Esta capela permaneceu muito tempo sem alterações significativas, exceto pela inauguração de uma “gruta de Nossa Senhora de Lourdes”, em 1959, implantada no adro, próxima à escadaria de acesso ao templo.
Nas décadas seguintes o edifício recebeu reformas e ampliações, proporcionando maior conforto aos fiéis frequentadores, um novo altar-mor, com entronização de uma imagem de São Roque, originária do Porto, um novo Sacrário e a inclusão de uma torre sineira central protegida por cobogós (cerâmica vazada) sobre um painel cerâmico com a imagem do orago. Em 1964, em comemoração à proximidade do quarto centenário da cidade, foi inaugurado um pequeno painel em pastilhas, semelhante àquele da fachada, no muro de arrimo da Rua Lopes Ferraz, junto à rua Fonseca Teles, 143, desenhado pelo Irmão Mário Júlio do Carmo, patrocinado pelo Conselho das Associações e Entidades de São Cristóvão.
O conjunto se apresenta com fachada muito simples, uma versão popular moderna de capelas tradicionais e conta com muitos frequentadores que visitam com regularidade o templo, principalmente durante as festividades do santo, no mês de agosto e uma Irmandade muito ativa, responsável por serviços pastorais e ações de assistência a asilos e orfanatos.
O terceiro templo, mais recente, abriga a sede da Paróquia São Roque e está localizado à rua Namur, 373 Vila Valqueire. Sua origem está associada à doação do terreno de um devoto, o senhor Miguel Paschoal, que também providenciou materiais para construção de uma capela e uma imagem do orago, em 1925. Com o desenvolvimento da região e o crescimento da importância do templo, em 1944 foi criada a nova paróquia abrangendo algumas áreas das paróquias de São Luiz Gonzaga, em Madureira e Santa Isabel, em Bento Ribeiro. Ao longo das décadas seguintes, muitas benfeitorias foram realizadas na igreja e no entorno imediato, como a construção da casa paroquial, salas de aula, gabinete dentário. No início da década de 1970 foram realizadas obras na capela do Santíssimo e na sacristia. Ao longo do século XXI, a igreja recebeu muitas reformas internas e na fachada, que foi pintada com cores vivas para celebrar o jubileu de 75 anos da paróquia, em 2019, com consagração da Igreja de São Roque pelo Cardeal do Rio de Janeiro, D. Orani Tempesta. A fachada principal, disposta sobre uma discreta escada, apresenta uma linguagem muito simples, com torre central única arrematada por discreto frontão triangular sobre uma cruz latina. Os vãos de iluminação e acesso sugerem uma simplificação de arcos ogivais presentes na arquitetura medieval
Muitas outras igrejas e capelas da cidade incluem imagens de São Roque acompanhado de seu cão em seus altares, atendendo à popularidade e importância da devoção do santo no Brasil. Afinal, ainda ecoa na memória coletiva a curta oração de nossas avós, a proteger-nos de cachorros desconhecidos soltos nas ruas, â mercê das antigas carrocinhas a recolhê-los, para “fazer sabão”: – Passe por ele sem demonstrar medo, dizendo São Roque, São Roque, São Roque!