William Bittar: A devoção e o Santuário de São Judas Tadeu no Rio de Janeiro

O colunista do DIÁRIO DO RIO comenta sobre a data em celebração à São Judas Tadeu

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Segundo a tradição católica, o dia 28 de outubro é dedicado a São Judas Tadeu, assinalando a provável data de seu martírio, no ano 70, abatido a golpes de bastões, lanças e machados, por ordem de sacerdotes persas.

Judas Tadeu era um dos doze apóstolos de Jesus, provavelmente seu primo, irmão de Tiago e Simão. Cumprindo sua missão apostólica, evangelizou a Mesopotâmia, Síria, Armênia e Pérsia, onde foi aprisionado e morto.

O santo é citado na Bíblia, em João 14:22, quando questiona Jesus. “Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: Donde procede, Senhor, que estás para manifestar-te a nós e não ao mundo?”

É atribuída ao apóstolo a Epístola de Judas, que consta no Novo Testamento, imediatamente anterior ao Apocalipse de João, onde o autor repreende os falsos mestres: “ A tudo que não entendem, difamam; e quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisas se corrompem” (Jd 1:10) e conclama todos a manterem a pureza e a fé.

No século XIV, Santa Brígida da Suécia foi a principal responsável pela propagação de sua devoção por toda a Europa medieval, como padroeiro das causas perdidas. Jesus aparecera em visões, aconselhando-a a invocar São Judas Tadeu diante de situações desesperadoras, de difícil solução.

Mesmo assim, os cristãos medievais relutavam em orar para o Santo, principalmente pela associação de seu nome, Judas, com aquele do Novo Testamento, acusado pela traição. A devoção se propagou lentamente, chegou a Portugal, onde foi venerado como mártir e dali veio para a colônia lusa na América.

Como ocorreu com outros santos católicos, por causa do sincretismo São Judas Tadeu foi associado a Xangô nos cultos de matrizes africanas, como a Umbanda, considerando seu machado e a força para amparar e defender os mais necessitados diante de momentos de desespero.

Sua imaginária mais usual o representa com uma lança ou machado, instrumentos de seu martírio, um livro, que faz alusão à sua carta no Novo Testamento e um medalhão no peito, com a face de Jesus, que representa sua fé, apartando-o do Iscariotes.

No Brasil existem mais de cem paróquias dedicadas à sua devoção, a maioria consagrada no século XX, principalmente após a Segunda Guerra, com a migração de muitos sacerdotes estrangeiros.

Na cidade do Rio de Janeiro, temos quinze igrejas, seis delas paróquias, com São Judas Tadeu como orago. A principal e mais antiga está localizada na rua Cosme Velho, 470, inaugurada em dezembro de 1968 e sagrada Santuário em 1985.

Esta paróquia foi fundada em primeiro de janeiro de 1945, desmembrada do território da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Largo do Machado, por solicitação de diversos moradores e fiéis da região. Sem edifício próprio para abrigá-la, iniciou suas funções religiosas ne residência do Dr. João Xavier de Brito, um sobrado eclético, com arremate de chalé na fachada principal, à rua Smith de Vasconcelos, nº 34, celebradas pelo Padre Luiz Gonzaga de Campos Góes, que ministrou meu batismo em dezembro de 1955, numa pequena capela dedicada à Nossa Senhora Sede de Sabedoria junto à gruta dos milagres.

A necessidade de maior espaço transferiu as atividades religiosas para uma pequena capela dedicada a São Lucas, na rua Cosme Velho, junto à “Casa do Médico”, onde o templo seria construído após a arrecadação de fundos em campanhas realizadas pelo Padre Góes, entre elas a singular venda de cartelas com “tijolinhos de papel”, cuja renda era destinada ao novo edifício.

No dia da inauguração, 28 de dezembro de 1968, o pároco Monsenhor Bessa declarava ao Correio da Manhã que a igreja não recebera nenhuma verba oficial e que sua construção “foi o maior milagre de São Judas Tadeu.”

Em 1952, com a presença do Cardeal Dom Jaime Câmara, foi lançada e benta a pedra fundamental da nova igreja que, em 1958, recebeu o projeto do arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto, também autor da Basílica de Nossa Senhora da Aparecida, em São Paulo.

Edifício de tijolos

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Santuário de São Judas TadeuBilhete Postal

O templo e o centro paroquial anexo estão localizados em frente à estação do trem para o Corcovado e à Praça São Judas Tadeu, compondo um conjunto arquitetônico de composição moderna. A igreja apresenta fachada composta por um pórtico monumental disposto sobre a escadaria de acesso à nave principal, toda revestida por lajotas retangulares de pedra. Internamente se apresenta com ornamentação discreta, valorizada pelo amplo pé direito, vitrais e esculturas de santos. A planta curvilínea envolve a assembleia de oitocentos fiéis como se os abraçasse, diferente das antigas igrejas retangulares. Outros corpos curvilíneos completam o edifício principal. 

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Nave Principal e altar-morAcervo Particular

Um acesso externo lateral, à esquerda, conduzia à antiga capela, demolida quando foi concluído o novo templo. Aos fundos do terreno, o ambiente dedicado aos ex-votos: uma gruta, onde os devotos acendem suas velas e agradecem as graças alcançadas.

Banco de praça

Descrição gerada automaticamente

Gruta dos ex-votosAcervo Particular

Além das imagens e vitrais, a matriz possui um relicário com dois fragmentos de osso do orago, depositados num ostensório em forma de cruz.

Pela sua importância histórica e cultural, o conjunto recebeu tombamento municipal em 2005 e é objeto de grande visitação, que aumenta no mês de outubro, quando milhares de devotos e, principalmente, torcedores do Flamengo, que o elegeram patrono, visitam o Santuário.

Conta a tradição que o clube já estava há quase dez anos sem um título, no início da década de 1950.  Em 1953, Padre Góes, conhecido torcedor rubro-negro (dizem que usava a camisa do clube sob a batina), foi até a Gávea, no antigo campo do Flamengo, junto à Lagoa Rodrigo de Freitas, ali celebrou uma missa e pediu aos jogadores que acendessem uma vela e fizessem o pedido para o Santo.

Depois desse episódio, o milagre do tricampeonato de 1953-54-55, o santo das causas impossíveis se tornava o protetor do Flamengo.

Que seja também de todos aqueles que tem fé.

Rogai por nós, São Judas Tadeu!  Kaô Kabiecilê, Xangô!

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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