William Bittar – A Popular Festa da Penha na cidade do Rio de Janeiro: o Santuário

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a história da Igreja da Penha

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A Revista da Semana, em 1942, noticiava com destaque as festividades em homenagem a Nossa Senhora da Penha, evento de grande apelo popular que desde seus primórdios atrai multidão de devotos e visitantes em cada outubro.

“A ermida do arrabalde carioca é qualquer coisa de adorável. Quem sobre o penhasco pela escadaria imensa vai pedir ou agradecer. Quase sempre vai pedir.

Festa estritamente popular, onde pouco se gasta. Regozijo campestre onde o vinho é guardado em chifres de boi; as barraquinhas cheias de comestíveis.

A liberdade do homem e o contato com a natureza refazem as energias perdidas. Os momentos que temos nos domingos de outubro, em honra a Nossa Senhora da Penha, deviam ser repetidos todos os meses, para a delícia das sombras das árvores do arrabalde distante.”

A devoção mariana à Nossa Senhora da Penha de França iniciou em Salamanca, na Espanha, em 1534, quando Simão Vela, um peregrino francês, descobriu uma imagem que a representava, provavelmente abandonada por soldados franceses durante as cruzadas.

Após o relato de alguns milagres naquele local, a devoção atravessou 300 quilômetros e chegou a Guimarães, em Portugal. Em terras lusitanas, conta a tradição que o rei D. Sebastião foi curado de uma moléstia grave, graça atribuída à Nossa Senhora da Penha. Em retribuição, o monarca construiu uma capela em Lisboa, posteriormente uma das principais paróquias da capital portuguesa.

No Brasil, a primeira ermida dedicada à essa devoção foi erguida em Vila Velha, Espírito Santo, na segunda metade do século XVI, um marco da arquitetura religiosa daquele estado e um símbolo da capital, Vitória.

Na região do Rio de Janeiro, a segunda igreja da Penha na colônia foi construída na antiga freguesia de Irajá, por volta de 1630, pelo Capitão Baltazar de Abreu Cardoso como agradecimento por uma graça.

Grande proprietário de terras na região, o capitão subia o penhasco para ver as plantações em suas propriedades, além do que a vista podia alcançar. Na trilha íngreme surgiu uma enorme serpente, preparada para o bote. Desarmado e acuado, ajoelhou-se clamando: – Valei-me, Nossa Senhora! de quem era fervoroso devoto.

Das pedras surgiu um lagarto, travando uma réptil luta mortal com a cobra, enquanto Cardoso fugia, agradecendo o milagre. Reconhecido pela graça recebida, o capitão construiu uma pequena capela, entronizando a imagem de Nossa Senhora, no alto daquele penhasco ou penha.

A história se espalhou atraindo parentes, amigos, vizinhos, curiosos por conhecer aquela pequena igreja sobre a grande pedra: Nossa Senhora da Penha!

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Santuário de Nossa Senhora da Penha / foto William Bittar

Quase um século depois, em 1728, para administrar os bens que o capitão Baltazar doara àquela igreja, foi criada a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha que demoliu a primeira ermida, substituindo-a por outra maior, provida de torre única.

O conjunto apresenta outros elementos de grande destaque, presentes nas crenças dos devotos. O grande cruzeiro, implantado fronteiriço à fachada principal, num patamar inferior, muitos acreditam assinalar o túmulo de Cardoso, seu idealizador ou do Sr. Barbosa, devoto responsável por encomendar a famosa escadaria esculpida na rocha.

As escadas da Penha, segundo a tradição popular, contariam com 365 degraus, um para cada dia do ano, criadas para facilitar a subida naquele penhasco. Em 1817, o casal Barbosa em visita à ermida, rogaram por uma graça à Nossa Senhora da Penha pois casados há alguns anos, não vieram os filhos tão desejados. Passados meses, D. Maria engravidou e deu a luz a um menino. Agradecidos, o casal encomendou a obra para facilitar o acesso à igreja. Foram esculpidos 382 degraus na rocha viva, concluídos em 1819, que se tornaram uma referência na paisagem da Leopoldina, objetos de peregrinações e retribuições por graças alcançadas.

Com o aumento de fiéis em romaria e a atração que o templo exercia, tornou-se necessário construir um novo templo em 1870, que recebeu sucessivas alterações até o início do século XX, quando o arquiteto Luiz Moraes Jr., também responsável pelo projeto do castelo-sede da Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos, executou o templo que marca a memória da população, com suas duas torres pontiagudas de inspiração gótica na fachada principal voltada para o nascer do sol. A fachada oeste, aquela que o penitente avista no cimo da escadaria, é a posterior, numa curiosa implantação ilustrada por uma modinha popular, cantada durante os festejos:

Nossa Senhora da Penha
Em que altura foi morar
A frente pra Leopoldina
Os fundos, linha Auxiliar

Estava completo o cenário que abriga uma das principais manifestações culturais da Zona Norte e Leopoldina da cidade: a Festa da Penha.

Ao longo do século XX, o templo recebeu sucessivas honrarias e titulações religiosas, tornando-se sucessivamente Santuário Perpétuo, em 1966, Santuário Arquidiocesano Mariano, em 1981 e elevado, em 2016, à categoria de Basílica Menor, através do Papa Francisco.

Segundo o Padre Thiago Sardinha, reitor do Santuário quando da sua elevação, “o título de Basílica Menor é concedido pelo Santo Padre quando reconhece a dignidade de uma igreja dentro de três características: arquitetônica, histórica e de devoção popular”.

Aquele templo, implantado no alto do penhasco, apresenta uma arquitetura com relevante repertório neogótico em sua fachada principal, assinalado pelo frontão triangular e duas torres simétricas, pontiagudas, apontadas para o céu.

A planta do templo conta com nave única, de modestas dimensões, ladeada por duas galerias externas, em arcos. No altar-mor, com discreta ornamentação, destaca-se a imagem de Nossa Senhora com seu manto azul, e resplendor dourado.

A história da igreja está intimamente associada ao desenvolvimento da região da Leopoldina, abrigando variadas manifestações culturais. Sua devoção é inquestionável, tal a atração que exerce sobre uma legião de devotos, muitos dos quais sobem de joelhos a colossal escadaria em agradecimento às graças alcançadas, para depositar seus ex-votos no altar da padroeira.

Outros fiés ou visitantes que não desejam ou conseguem galgar os 382 degraus a partir do pátio intermediário foram agraciados inicialmente por um pequeno funicular. Em 2012, o plano inclinado recebeu duas seções interligadas por duas estações de parada e um novo bonde com cabine panorâmica com capacidade para 25 pessoas, favorecendo necessariamente a acessibilidade.

Aproxima-se o mês de outubro. Nas faldas da penha começa o movimento de montagem de barracas variadas na vizinhança marcante do Parque Shangai. Inicia-se o amálgama entre o sagrado e profano efervescente nos domingos, celebrando Nossa Senhora no alto da fé.

image 6 William Bittar - A Popular Festa da Penha na cidade do Rio de Janeiro: o Santuário
Escadaria da Penha, bilhete postal.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

1 COMENTÁRIO

  1. Sobre a Festa de N.S. da Penha, durante muitos anos frequentei. Fazíamos até pic-nic…
    Hoje nao sei como ocorre pois, a bandidagem nao mais nos dá segurança em comparecer, infelizmente…!

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