William Bittar: Pelos caminhos do Rio no alvorecer da República

Nós nem cremos que escravos outrora/ Tenha havido em tão nobre País/ Hoje o rubro lampejo da aurora/ Acha irmãos, não tiranos hostis/ Hino da Proclamação da República/ Medeiros e Albuquerque / Miguez

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A Proclamação da República no Rio de Janeiro Georges Scott – Imprensa Internacional

No dia 15 de novembro de 2022 completam-se 133 anos da Proclamação da República, episódio que iria ocorrer com data marcada, 20 de novembro de 1889, mas foi antecipado graças à divulgação de uma informação falsa: a nomeação do novo presidente do Conselho de Ministros do Império, o senador Silveira Martins, antigo desafeto do Marechal Deodoro da Fonseca, em substituição ao Visconde de Ouro Preto,

Além de antigas questões pessoais, Martins insinuava, em pronunciamentos no Senado, que Deodoro era incompetente como militar e administrador de recursos públicos.

Completando a sucessão de boatos, o Major Sampaio Ribeiro avisou ao Marechal que havia uma suposta ordem de prisão expedida contra ele, necessitando uma antecipação do golpe militar, evitando qualquer reação popular.

Mesmo sofrendo de uma crise de dispneia, diante de tais informações, Deodoro preparou-se e saiu de sua residência, no Campo de Santana, a alguns metros do Quartel General.

Segundo relatos da imprensa da época, o Marechal conclamou os soldados ali aquartelados, montou em um cavalo, ergueu o chapéu e proclamou “Viva a República!” Após o esforço, cansado, com falta de ar, recolheu-se novamente à sua residência.

Enquanto isso, alguns militares seguiram em desfile pela Rua Direita (depois Primeiro de Março) até o Paço Imperial, onde se encontrava o presidente do Conselho de Ministros, que havia tentado estabelecer, sem sucesso, alguma resistência ao golpe.

Na ocasião, o Imperador D. Pedro II se encontrava em Petrópolis, de onde regressou, recebeu o comunicado e na madrugada de dia 17 de novembro, a Família Imperial partia para o exílio, de forma discreta, embarcando no Cais Pharoux, evitando revoltas populares e qualquer levante mais violento.

Além dessa resenha histórica, detalhada exaustivamente na literatura, trataremos aqui dos percursos pelas ruas da cidade, cenário do episódio da Proclamação.

Após a realização do Baile da Ilha Fiscal, no dia 09 de novembro de 1889, a Família Real subiu a serra para o Palácio de Verão, como foi registrado em fotografias do próprio Imperador.

Os dois exemplares resistiram ao tempo e ambos podem ser visitados, apresentando duas tendências arquitetônicas distintas. Enquanto o palácio de Petrópolis exibe suas características neoclássicas, a linguagem imperial, o palacete da Ilha Fiscal, projetado pelo engenheiro Adolfo Del Vecchio, trazia o repertório inspirado em estilos históricos. Neste caso, no gótico francês, como ele mesmo detalhou em seu relatório, projetando um castelo europeu na baía da Guanabara, com sua torre e relógio se destacando na paisagem tropical.

Na corte, a conspiração ocorria nos quarteis, no templo positivista, na Glória ou na residência de alguns republicanos, como Benjamim Constant, em Santa Tereza, edificações ainda existentes e passíveis de visitação.

No Paço Imperial, próximo à Capela Imperial (depois Catedral Metropolitana e Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé), os ministros recebiam informações e tentavam contornar, sem sucesso, o movimento iminente.

No dia 15 de novembro, o cenário das ações se deslocou para a imediações do Campo de Santana, parque urbano projetado pelo francês Auguste Glaziou, muito frequentado pela população que desfrutava dos românticos jardins, cenários constantes de José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo ou Machado de Assis.

Na esquina da rua Visconde de Itaúna, demolida quando da abertura da Avenida Presidente Vargas, no final da década de 1930, ficava a residência do Marechal Deodoro. Este imóvel foi muito modificado ao longo das décadas, mas recebeu uma intervenção fiscalizada pelos órgãos de proteção, devolvendo sua aparência inicial.

Fachada alterada (esq) e recuperada (dir) – Arquivo Nacional Trata-se de uma casa assobradada, com tipologia remanescente do período colonial, com fachada colada ao alinhamento, rés-do-chão, com quatro vãos abertos para via no pavimento térreo, um deles com maior largura para permitir a entrada dos coches ou tílburis, e quatro portas sobre balcões no pavimento superior. As imagens resgatadas revelam que o telhado aparente, posteriormente recuperado, fora oculto por platibanda e ornatos comuns ao ecletismo.

A cerca de 300 metros, na direção Norte, estava o antigo Quartel General do Império, onde posteriormente foi construído o Palácio Duque de Caxias. O edifício original era um longo e austero sobrado, de dois pavimentos, dispostos simetricamente em relação a um corpo central, arrematado por um frontão triangular, marcando de forma discreta o acesso principal.

Como revelava a imprensa, foi na praça, diante do quartel, que o Marechal oficializou a Proclamação, antes de se recolher em casa, enquanto alguns militares seguiam pela rua General Câmara (também demolida para abertura da avenida Presidente Vargas), alcançando a Rua Direita em direção ao Paço Imperial.

No Paço, a Família Imperial permaneceu cercada por tropas durante sua curta permanência após o golpe, antes de se encaminhar, durante a madrugada, para o cais Pharoux, depois afastado do mar por sucessivos aterros.

Dali, embarcaram para o exílio na Europa, muito curto para a Imperatriz Tereza Cristina, que faleceu em dezembro do mesmo ano, pouco mais de um mês após estes episódios, e o próprio Imperador D. Pedro II, que jamais retornou em vida à sua terra natal, morrendo em Paris, dois anos depois.

A Corte deixou de existir. Ventos republicanos varreram o país, em muitas ocasiões descaracterizando intencionalmente exemplares arquitetônicos que guardavam referências imperiais.

Mas a memória de pedra e cal resiste, associada à história escrita, oral e afetiva, proporcionando resgates parciais daquele cotidiano quando revivenciamos tais ruas e suas edificações.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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