Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras céus e mares
Influenciando a Abolição
Souza / Baptista / Rodrigues
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, no governo da presidente Dilma Rousseff. A data remete à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, líder do Quilombo localizado na região nordeste, atacado por uma força especializada em extermínio, articulada pela Coroa portuguesa, para liquidar a resistência do povo preto ali reunido.
Este dia, considerado feriado em diversos municípios do Brasil, também registra questões fundamentais da cultura nacional, como o racismo e as desigualdades sociais. Além disso, contribui para a consolidação de uma determinação legal (Lei nº 10.639/2003) que estabelece “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.”
A iniciativa da organização em quilombos remonta ao final do século XVI, na região nordeste, principalmente onde posteriormente se definiu o estado de Alagoas. Desde seus primórdios, era uma povoação composta por africanos fugidos do trabalho escravo, que se organizavam de forma comunitária.
Também em Alagoas surgiu o maior quilombo da colônia lusa, abrigando cerca de 20 mil habitantes em seu período áureo, liderados por Zumbi.
Do Nordeste, esta forma de resistência e abrigo difundiu-se por todo território, principalmente Alagoas, Bahia e Pernambuco, no Nordeste; Goiás e Mato Grosso, na região Centro-Oeste; Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, em menor número.
Ao final do século XIX, já com o movimento abolicionista a pleno vapor, a imprensa registrava diversos quilombos organizados nas cercanias da Corte, no Rio de Janeiro. Sem informações precisas, devido ao sigilo necessário à permanência destes núcleos, possivelmente se localizavam nas imediações de alguns bairros já consolidados, ainda que de ocupação rarefeita: Penha, Engenho Novo, Engenho de Dentro, bem como nas matas do Corcovado, Santa Teresa, Laranjeiras e Leblon.
Na Zona Norte, na região que abrange o Grande Méier, existe uma serra que integra o maciço da Tijuca, localizada entre o Engenho de Dentro e Jacarepaguá, transposta pela Linha Amarela.
Em sua formação original, era coberta pela Mata Atlântica, apresentando alguns mananciais. Tais características singulares tornaram a encosta habitável, protegida pela vegetação e abastecida de água potável. Existem alguns registros da formação de pequenos quilombos interligados, abrigando alforriados e fugitivos, gerando o topônimo “Serra dos Pretos Forros”, com vegetação muito devastada e o mato ocupando o espaço da cobertura florestal primeva.
Na Zona Sul, além de pequenas povoações quilombolas distribuídos pelas encostas de Santa Tereza ou Laranjeiras, destacou-se o Quilombo do Leblon.
Inicialmente tratado de forma velada, após a abolição era possível encontrar referências à sua existência, como no jornal O Paiz,de 18 de setembro de 1889, registrando o trabalho do pintor Francisco Ribeiro que havia retratado aquele Quilombo.
O Diário de Notícias, de 14 de março de 1889, noticiava o aniversário do comerciante José de Seixas Magalhães, morador da Gávea, cuja residência era conhecida pelo “cognome Quilombo do Leblon”. Diversos amigos levaram as felicitações pela vitória abolicionista no ano anterior, causa que ele tanto apoiou.
Em 05 de junho de 1890, este periódico relatava as festividades do 13 de maio, incluindo descrições do desfile comemorativo. No primeiro carro alegórico, além da alusão à Abolição e à República, estavam nomes de abolicionistas mortos e também de alguns importantes quilombos da cidade: Cupim, Carlos Lacerda, Patrocínio, Clap e Leblon.
A chácara de Seixas de Magalhães, endereço comum do Quilombo do Leblon, ficava nas imediações do Morro Dois Irmãos, onde posteriormente abriram-se as ruas Sambaíba e Timóteo da Costa. O proprietário era fabricante e comerciante de malas, com loja estabelecida à Rua Gonçalves Dias, no Centro do Rio, mas também se dedicava ao cultivo de flores, com auxílio de alforriados ou cativos fugidos, que ali eram escondidos com auxílio de participantes da Confederação Abolicionista.
Conta a tradição que a própria Princesa Isabel participava da proteção desta iniciativa, recebendo como gratidão braçadas de camélias cultivadas na chácara, que ornamentavam sua residência em Laranjeiras. É possível que até a famigerada pena de ouro, utilizada na assinatura da Lei Áurea, fosse presente de Seixas.
Naquelas terras, muitos cativos se abrigaram, inicialmente em uma caverna aos fundos da propriedade, que a tradição cobre o acesso com coroas de Cristo, praticamente impedindo sua localização. Posteriormente, como empregados de Seixas, trabalharam ativamente no cultivo das camélias, flor que se tornou o símbolo da Abolição.
Além do simbolismo das camélias, a tradição registra um episódio ocorrido por ocasião do aniversário do proprietário, em março de 1887, quando foi realizada uma festa frequentada pelos principais abolicionistas, como José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, João Clapp e tantos outros. Ao final, os convidados receberam cerca de 50 quilombolas, agradecendo o empenho do grupo no processo de libertação e que os acompanharam para tomar o bonde no Largo das Três Vendas (depois praça Santos Dumont) .
Um alegre cortejo seguiu pela noite da região, acompanhado de flautas, gaitas, violões e cavaquinhos, entoando ritmos africanos e nacionais, quase um bloco carnavalesco que futuramente ocuparia as ruas da cidade.
Somos assim, capoeiras das ruas do rio
Será sem fim o sofrer do povo do Brasil
Nele, em mim, vive o refrão
As camélias da segunda abolição virão
As camélias do quilombo do Leblon
Caetano/Gil – 2015
Na Corte do Rio de Janeiro e em diversas regiões do Império fortalecia-se o movimento contrário à escravidão, a mão de obra de sustentação da economia imperial, desagradando aos grandes proprietários de terra. Aqueles quilombos originais de resistência, organizados em esconderijos sigilosos, com líderes guerreiros, pouco a pouco eram substituídos pelos quilombos abolicionistas, como aquele do Leblon, com lideranças veladamente conhecidas, engajadas politicamente, algumas delas com alto poder aquisitivo.
Protegido diretamente pela Princesa Isabel e indiretamente pelo próprio Imperador, o Quilombo do Leblon nunca foi efetivamente investigado ou reprimido, sequer certificado pela Fundação Palmares. No entanto, as camélias ali produzidas cada vez mais se consolidavam como símbolo da Abolição ou um código reconhecido pela Confederação Abolicionista, ostentando sua confissão de fé em todos os homens livres do jugo da escravidão.
Um sorriso negro
Um abraço negro
Traz felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz de liberdade
Fundo de Quintal
Barbado / Carvalho / Portela / Lago.
Para saber mais: https://quilombodascamelias.wordpress.com/2014/12/04/a-historia-do-quilombo-das-camelias/