William Bittar: Rio de tantas crenças e todos os templos

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre os templos do Rio de Janeiro

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Igreja de São Sebastião no Morro do Castelo, A. Malta / Biblioteca Nacional

Fundada oficialmente em 1º de março de 1565, São Sebastião do Rio de Janeiro é a segunda cidade do Brasil com este foro, sucedendo a Salvador, de 1549, pois as demais eram vilas ou arraiais.

Mesmo considerando que a denominação foi uma homenagem ao rei D. Sebastião, a devoção ao Santo padroeiro era evidente, merecendo a construção do primeiro templo católico da nova cidade, erigido no Morro do Castelo, onde permaneceu até a década de 1920, quando foi demolido junto com o morro.

O primeiro século de ocupação assistiu à chegada das principais ordens religiosas regulares, como Jesuítas, Beneditinos, Franciscanos e Carmelitas que se estabeleceram em seus colégios, mosteiros e conventos ocupando os quatro morros que balizavam o segundo núcleo da cidade, após a transferência da Vila Velha, na entrada da Barra para as imediações da Rua Direita, via implantada na várzea, entre as elevações.

Enfim, era uma cidade católica em uma colônia católica apostólica romana, que por mais de três séculos proibiu a adoção de outras crenças de forma oficial, com exceção para os períodos de invasões estrangeiras.

O Rio de Janeiro tornou-se a segunda capital da colônia, em 1763, principalmente devido ao ciclo do ouro no sertão das Gerais. A coroa percebeu a necessidade de um núcleo mais perto das minas, com um porto equipado para a exportação do minério e pedras preciosas para Europa.

Aumentava a importância das ordens terceiras e irmandades e templos católicos distribuíam-se pelo litoral e entravam pelo sertão representando a igreja secular, pois não era permitida a presença das ordens primeiras no interior.

A Família Real chegou ao Rio de Janeiro, implantou-se a sede do Reino Unido, sucedido pelo Império, em 1822, que proibia a construção de locais de culto conforme a Constituição de 1824, mas autorizava liberdade religiosa:

“Art. 5º. A Religião Catholica Apostólica Romana continuará
a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem
forma alguma exterior do Templo”.

Esta liberdade religiosa se ampliaria após a Proclamação da República, porém com muitas restrições e perseguições, principalmente para aquelas de matrizes africanas.

Capital do Império e da República, porto importante no cenário internacional, o Rio de Janeiro passou a receber templos para várias crenças, distribuídos por toda a cidade, com repertórios arquitetônicos variados. 

Iniciava-se a construção da imagem do carioca, acolhendo povos diversos, de origens variadas, com seus credos que necessitavam de ambientes específicos para suas manifestações. Indispensável destacar o tema central: crenças e templos, distinto de questões referentes a religiões.

A cidade de São Sebastião contou com sua primeira Sé católica apostólica romana no alto do Morro do Castelo, que em poucos anos foi relegada a um plano secundário, principalmente pela dificuldade de acesso. Daí em diante, a Sé mudou de endereço, passando pela Igreja de São José, junto ao Paço, Nossa Senhora do Rosário, na antiga rua da Vala (depois Uruguaiana), instalou-se na igreja que pertencia à Ordem Primeira do Carmo, na rua Primeiro de Março, onde permaneceu até 1976, quando recebeu um edifício próprio, a Catedral Metropolitana de São Sebastião, um curioso edifício de concreto aparente, em formato de tronco de cone, com quatro faixas de vitrais coloridos e planta circular, projetada por Edgar Fonseca.

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Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro

A igreja católica apostólica ortodoxa, resultante de um desmembramento da apostólica romana no século XI, também tem sua representação no Rio de Janeiro com a Catedral Católica Ortodoxa Antioquina de São Nicolau, à avenida Gomes Freire, Centro. Trata-se de um discreto edifício de fachada estreita e torre central, com alguns elementos de filiação formal bizantina.

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Catedral Católica Ortodoxa Antioquina de São Nicolau

Os protestantes históricos, de diversas orientações, pouco a pouco construíam seus edifícios, muitos deles adotando o repertório formal historicista de inspiração medieval, como era usual para a arquitetura religiosa no século XIX: a catedral presbiteriana, com culto iniciado em 1862,  foi implantada próxima à Praça Tiradentes no início do século XX, com fachada aludindo à catedral de Saint-Pierre, de Genebra; os metodistas construíram sua sede no Flamengo, em 1886, inspirado no gótico inglês, segundo seu próprio Boletim; a congregação luterana, fundada em Nova Friburgo em 1824, três anos depois implantou-se no Centro do Rio, edificando sua Paróquia Evangélica de Confissão Luterana, à Rua Carlos Sampaio, 21, cuja fachada também adota a influência goticizante; anglicanos contam com seu templo em Santa Tereza, com elementos góticos em sua fachada principal, como arcos ogivais, pináculos e uma rosácea central.

Igreja na rua

Descrição gerada automaticamente
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Catedral Presbiteriana (esq,) e Igreja Anglicana (dir.)

A comunidade judaica também iniciou a construção de seus edifícios de culto, as sinagogas, nas primeiras décadas dos oitocentos, implantadas nas imediações da Praça Onze, demolidas quando da abertura da Avenida Presidente Vargas, na década de 1930. No entanto, já haviam iniciado a construção do Grande Templo Israelita do Rio de Janeiro, em 1928, `Rua Tenente Possolo, Centro, projeto dos arquitetos Mario Vodret e Guido Levy, possivelmente inspirado na Grande Sinagoga de Trieste ou de Florença. Existem templos menores, construídos posteriormente como o Centro Israelita do Subúrbio da Leopoldina, de 1929, em Olaria ou na cidade vizinha de Nilópolis.

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Grande Templo Israelita do Rio de Janeiro

Uma hipótese para a entrada do islamismo no Brasil foi a vinda de africanos, no século XVIII, que professavam a religião e assim continuaram, mesmo com o processo de escravização. Sua capacidade de organização e conhecimento foram suporte para Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835, causando uma grande reação contrária aos partidários do Islã. No entanto, D. Pedro II, após uma viagem diplomática ao Oriente Médio, encantou-se pela arte, cultura e hábitos dos muçulmanos, autorizando as primeiras levas de imigrantes árabes para o Brasil. Mas foi apenas no início do século XX, devido às guerras e perseguições, que sírios, libaneses, palestinos, católicos ortodoxos e muçulmanos desembarcaram atraídos pela liberdade religiosa e a separação da Igreja-Estado, promulgada pela República. Ainda assim, poucos templos com arquitetura relevante foram implantados na cidade ao longo do século XX e início do XXI: uma mesquita, na Estrada de Jacarepaguá, já desativada, construída em 1984 e a Mesquita da Luz, à rua Gonzaga Bastos, Vila Isabel, inaugurada em 2011, edificação contemporânea, de fachada estreita, balizada por duas torres cilíndricas dispostas simetricamente, à feição dos minaretes do Islã, em versão simplificada e reduzida em escala.

Em relação aos cultos de matrizes africanas, mesmo com a liberação religiosa desde a constituição imperial, houve contínua perseguição impregnada de preconceito, associando-os à magia negra ou bruxaria. O Museu da Polícia no Rio de Janeiro inclui em seu acervo muitos elementos dos rituais apreendidos em batidas, com prisões de seus participantes e sacerdotes. A região da Pequena África, no Centro do Rio, abrigou a primeira casa de Candomblé do Rio, fundada em 1886, segundo a história oficial. A vizinhança aglutinava alguns destes discretos lugares onde os adeptos se reuniam para suas cerimônias, contando com Tia Ciata, baiana iniciada em Salvador, figura aglutinadora e central de resistência cultural. O noticiário recente, no século XXI, ainda registra ataques a casas e barracões, como são denominados, com destruição de seus objetos de culto e até mesmo ameaça a integrantes, numa demonstração de intolerância.

Apenas em 2016 o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro promoveu o tombamento provisório do Terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, que foi fundado em 1886, na Pedra do Sal, transferido na década de 1940 para o bairro de Coelho da Rocha, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, para uma modesta construção térrea. É o reconhecimento oficial do espaço que abriga a crença de uma população essencial para a formação cultural nacional.

Diversas crenças e seus templos. A cidade do Rio de Janeiro é acolhedora para todas essas manifestações, tantas que se aproximam do inumerável, difícil incluir em espaço tão restrito, passível de muitas omissões. Outras podemos citar, mas muitas estarão ausentes, nem por isso com menor importância: Espiritismo, com o sobrado eclético que abriga sua Federação, na Av. Passos, desde 1911,  ou o Templo Espírita Tupyara, no Lins, com seu edifício modernista de cobertura elíptica,  ou ainda os modestos templos de Umbanda, distribuídos pela cidade; a igreja Messiânica Mundial, na Estrada dos Três Rios, em Jacarepaguá, instalada num edifício contemporâneo; os templos da Sociedade Budista do Brasil, em Laranjeiras, Hare Krishna, no Itanhangá,  da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (ou Igreja Mórmon), inaugurado em 2017, na Barra da Tijuca; o betel sede do Brasil, que abriga as dependências do Reino das Testemunhas de Jeová, localiza-se em Cesário Lange, a 150 Km de São Paulo, mas o Rio de Janeiro conta com alguns salões distribuídos pela cidade.

As igrejas pentecostais e neopentecostais reúnem suas assembleias em muitos edifícios adaptados, alguns antigos cinemas, onde realizam seus cultos. Destaca-se, entre eles, a construção do Templo da Glória do Novo Israel, também conhecido como Catedral Mundial da Fé, da Igreja Universal, localizado na Avenida Dom Helder Câmara, em Del Castilho, inaugurado em 1999. Trata-se de um complexo arquitetônico, com planta em semicírculo e auditório para abrigar cerca de doze mil pessoas. Além do espaço do culto, inclui espaços administrativos, salas de aula, café, espaço de exposição estúdios de rádio e TV, além de alojamento para pastores. Um símbolo contemporâneo das novas formas de comunicação das pregações, que incluem as mídias disponíveis para divulgação.

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Templo da Glória do Novo Israel

O Templo da Humanidade, sede da Igreja Positivista do Brasil, localizado na Rua Benjamim Constant, na Gloria, construído entre 1891 e 1896, merece referência especial pela sua arquitetura neoclássica e pela importância de alguns integrantes, participantes diretos no processo de Proclamação da República, além de se constituir em registro único da disseminação da Religião da Humanidade pelo mundo, conforme indica o site do próprio templo. Sua fachada ostenta o lema “O Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por fim”. Parcialmente incluso na bandeira nacional, aboliu o item indispensável quando da sua inserção.

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Templo da Humanidade / bilhete postal

Rio de tantas crenças, de todos os templos. Clichê necessário, representado pela figura do Redentor, braços abertos, coração pulsando, face voltada para o Nascente, observando a entrada da baía por onde entravam as naus e seus tripulantes, origens diversas, crenças variadas, na esperança da aceitação do outro, valor fundamental que não podemos abdicar.

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Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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