William Bittar: Sobre lanchonetes e fast-foods no Rio de Janeiro

Provavelmente, devido à influência de seus idealizadores americanos, em breve incorporaria a novidade de uma lanchonete, um local para lanches, uma versão aportuguesada do lunch inglês, que significava refeição rápida, ancestral direto dos futuros fast-foods

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp

O velho na porta da Colombo

É um assombro

Sassaricando

Antonio, Magalhães e Zé Mario

Até o final da Segunda Guerra provavelmente o brasileiro não conhecia o conceito de lanche ou mesmo lanchonete. Já existia o sanduíche, porém servido nos balcões de bares, botequins e padarias, pois conta a tradição que este artefato alimentar teria surgido no século XVIII, na Inglaterra, através do 4º Conde de Sandwich, Jonh Montagu. Para não interromper sua rotina de jogos com almoço (lunch) ou jantar (dinner), Sandwich pedira uma fatia de carne servida no meio de um pão cortado… Ali estava ele! No início do século XIX, o sanduíche já aparecia em livros e receitas, sugerindo novos recheios como queijos, frutas, cogumelos, defumados, além da carne fria.

No Rio de Janeiro, a partir das últimas décadas do século XIX, quando a vida urbana tornou-se mais intensa e pródiga em sua frequência, surgiram as confeitarias, leiterias e sorveterias, ambientes elegantes, com cardápio requintado, para “pessoas de fino trato”, não raro em francês. Na área central estavam a Casa Cavé, fundada em 1860, com sua fachada eclética, inspirada em lojas francesas; a Confeitaria Colombo, de 1894, com interior revestido de espelhos monumentais e a fina marcenaria de Borsoi iluminada por uma claraboia colorida, a própria síntese da Belle Époque; a Leiteria Mineira, inaugurada em 1907, na célebre Galeria Cruzeiro, no térreo do Hotel Avenida, com seus laticínios, pudim de duas cores e saborosos cafés servidos na louça branca; o Café Nice, de 1928, com elementos art-déco, espaço mais boêmio, se aproximando dos botequins. Alguns desses estabelecimentos permaneceram ao longo das décadas seguintes, mudando do endereço original devido a obras na cidade, porém sem o ritmo original de permanência da clientela, que usufruía o encanto daqueles ambientes e o sabor de suas iguarias, sem o come-e-corre dos tempos seguintes.

Em 1930, após um início bem-sucedido na cidade de Niterói, chegou ao então Distrito Federal uma filial das Lojas Americanas, uma novidade no mercado que oferecia ao público uma grande variedade de produtos a preços acessíveis.

Provavelmente, devido à influência de seus idealizadores americanos, em breve incorporaria a novidade de uma lanchonete, um local para lanches, uma versão aportuguesada do lunch inglês, que significava refeição rápida, ancestral direto dos futuros fast-foods.

Aquele ambiente, suas cores e odores, permanece na memória afetiva daqueles com mais de cinquenta anos: um longo balcão com bancos altos e apoios cromados para os pés, refeição servida por funcionários uniformizados, avental e pequeno chapéu brancos. Expostos na parede de fundo, coloridos cartazes apresentavam as apetitosas sugestões: os gelados sundaes, milk shakes, banana split e sanduíches até então desconhecidos no pão de forma, como o Bauru, Americano, ou simplesmente um queijo ou misto quente além do inesquecível, incomparável e folclórico Hot Dog, ainda tradicional, servido num pão careca de sal, salsichas girando numa bandeja ondulada, despertando o desejo do público, um molho discreto ou apenas mostarda e ketchup.

O outrora menu, pleno de nomes franceses, recebia a contribuição americana pós-guerra, apresentando pratos que o brasileiro ainda não dominava a pronúncia ou geravam dúvidas na tradução. Afinal, ao pé-da-letra, o que seria um “cachorro-quente”?

A lanchonete das Lojas Americanas despertava o desejo das crianças e a curiosidade de jovens e adultos, muitas vezes em programas após a matinê. Era uma novidade alimentar, capaz até de contribuir para uma corte discreta àquela namorada ou a educação da criançada travessa: bom comportamento na rua em troca de um cachorro-quente ou sorvete.

No entanto, o conceito de lanchonete como estabelecimento comercial no Brasil deve ser atribuído à criação da primeira loja Bob’s, aberta na Rua Domingos Ferreira em Copacabana, em 1952. Tratava-se da iniciativa do ex-jogador de tênis, o americano Robert Falkenburg, que abrira uma sorveteria em 1951, produzindo sorvete sabor baunilha em máquinas importadas. Incentivado por amigos e clientes, abriu a lanchonete oferecendo hot-dogs, hamburgueres, milk-shakes e sundaes, para o delírio dos jovens e crianças.

Em curto tempo, a rede ampliou-se, assim como o cardápio, que incluía sanduíches no pão-de-forma como salada de frango, de atum, de ovo, queijo com banana, além das famosas pequenas frigideiras com salsicha ou linguiça, fritas, ovo e uma fatia de pão. Certamente os copos de papelão encerado, garfos e colheres de plástico colorido, com a marca do estabelecimento no cabo, permanecem tatuados na memória olfativa, visual e gustativa de muitos.

Em 1971, o empresário Ricardo Amaral inaugurava a rede de lanchonetes Rick, com filiais na Zona Sul e Centro. Procurava competir com o Bob’s, oferecendo alguns sanduíches diferentes, mais longos, utilizando baguetes, além das fatias de pão-de-forma ou pães de hamburguer. Não durou muito tempo, principalmente com a inauguração do McDonald’s.

Ao longo da década de 1970, uma pequena rede ganhava a simpatia dos cariocas, mas teve curta duração. Tratava-se do Gordon, inaugurada na Zona Sul, com seu canguru como logomarca, lojas com projetos cuidadosos de arquitetos, sanduíches muito saborosos, alguns diferentes dos usuais, com nomes inusitados como Diabólico, Goleiro, Submarino ou Toreador, além daqueles tradicionais e algumas filiais abertas até as quatro da manhã.

Dentro do espírito das lanchonetes, também merece registro a Chaplin, em Ipanema, na Visconde de Pirajá, que funcionou desde a década de 1970 até o início dos anos 1990. Apresentava a novidade de manter-se aberta entre dez da manhã até às duas da madrugada, ou quatro, nos finais de semana, além de sanduíches diferentes como filé com bacon, lombo com ameixa ou mustafá, talvez disputando a clientela do já famoso Cervantes, em Copacabana, pelo horário ampliado.

A rede de fast food que passou a dominar o mercado no Rio de Janeiro e em outras tantas cidades pelo mundo, McDonald’s, apesar de existir desde a década de 1950, inaugurou sua primeira loja na capital fluminense em 1979. Chegava o reinado dos hamburgueres, apresentado em suculentos quadros no salão de refeições.

Segundo as revistas especializadas, a rede é líder mundial no segmento de serviço rápido de alimentação e foi responsável pela introdução de um novo conceito para estabelecimentos afins, com sua linha de montagem dos pratos, tornando-se influência direta no setor. Também adotou mecanismo para definir o comportamento da clientela, incluindo estudo de cores para estimular o apetite (amarelo e vermelho) ou o desenho de mesas e cadeiras, sutilmente desconfortáveis, para evitar maior permanência.

Em suas primeiras lojas, o projeto de interiores era padronizado, com mobiliário fixo para impedir deslocamentos e ajuntamentos no salão de refeições e iluminação fria. Com o tempo, adaptações foram introduzidas considerando os hábitos locais e até mesmo elementos do patrimônio cultural da região, não raramente incorporado à ornamentação através de painéis fotográficos. O cardápio também modificou-se para agradar a um público diverso e chegamos ao autosserviço, quando o cliente sequer precisa se dirigir ao atendente, uma relação asséptica e impessoal.

Presentes no Rio de Janeiro há menos de um século, as lanchonetes se consolidaram como personagens do seu tempo, refletindo as grandes mudanças da vida urbana, seus atores e seu próprio ritmo.

As imagens passam céleres. O tempo é exíguo para o deslocamento, trabalho, alimentação e pouco lazer nos intervalos. Aqueles ambientes, outrora espaços de convívio e aproximação, tornaram-se salões de consumo imediato, pois os relógios não mais esperam por aqueles sorvetes e sanduíches da Chaika, do Bob’s, do Gordon… Ao contrário, os olhos estão cravados no tempo de espera estabelecido pela cadeia de lojas, que poderá até gerar gratuidade no caso de ultrapassar o que o cronômetro estabeleceu, atendendo aos ideais contemporâneos de gestão e produtividade, as palavras ritualísticas do século XXI.

Ah! Que saudade me dá
Do bate papo
Do disse-me-disse
Lá do Café Nice
Ah! Que saudade me dá

Reis e Monalisa

Advertisement
Receba notícias no WhatsApp
entrar grupo whatsapp William Bittar: Sobre lanchonetes e fast-foods no Rio de Janeiro
Avatar photo
Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

1 COMENTÁRIO

  1. Saudades desse Rio antigo !!! Como diz a reportagem só quem tem mais de 50 anos pôde desfrutar dessas maravilhas, trabalhei desde 1967 até 1980 no centro da cidade. Nostalgia total …. saía as 18hrs do trabalho e ia curtir as diversas opções do centro, finalizando na Cinelândia , nem preciso dizer onde né?descia a rio branco para pegar o 606 na presidente Vargas (morava no Méier, segurança total) Isso entre meia noite e uma da manhã . Mais do que isso é só saudades, nostalgia e choro!!!! E a pergunta é, que Rio é este que estamos vivendo? Há sim, final de semana como todo bom suburbano , tijuca, zona sul . Hoje muito mal consigo olhar minha calçada e janela!!!! O Deus onde vamos chegar? Qual o futuro para nossos filhos e netos?? ( Tenho 66 anos).

Comente

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui