Em 15 de novembro de 1902, tomou posse como Presidente da República Francisco de Paula Rodrigues Alves, com mandato até 1906. Ainda que um político do antigo Império, o novo presidente manifestou sua intenção de transformar o Rio de Janeiro efetivamente numa Capital Federal quando afirmou que “sem as suspeitas de insalubridade que, exageradas por uns e exploradas por outros vão, sem sentirmos, entorpecendo o nosso desenvolvimento.”
Para realizar este desafio, foi nomeado como prefeito o engenheiro Francisco Pereira Passos, auxiliado por profissionais como Oswaldo Cruz, Lauro Müller e Paulo de Frontin, que promoveu uma grande intervenção na cidade denominada “Plano Passos”, inspirado nas reformas de Paris promovidas por Haussmann na segunda metade dos oitocentos.
Surgia o “Bota-Abaixo”, a Revolta da Vacina, o extermínio dos ratos e mosquitos, sob a tutela de Cruz, gerando protestos e mais protestos de uma população desavisada ou mal informada, como aconteceu recentemente durante a pandemia de Covid-19 contra medidas sanitárias essenciais.
Grande parte da Capital Federal foi objeto de muitas obras, além de programas de saneamento, vacinação, iluminação pública, ainda que como remoção da população mais pobre para longe do novo centro econômico e cultural.
O ambicioso plano não poderia ser concluído nos quatro anos do mandato de Passos, mas o sucessor, Marcelino de Souza Aguiar, foi eficiente na continuidade dos trabalhos, concluindo suas principais metas.
As ruas estreitas e sinuosas, herança do passado colonial, repleta de habitações insalubres, sem esgoto, cortiços diversos e o início das favelas, moradia da grande força de trabalho que se estabeleceu próxima ao mercado daquela mão de obra, todo esse cenário foi substituído por bulevares, largas avenidas pavimentadas e iluminadas, com edifícios de predominante influência francesa, como indicava o Ecletismo em voga.
O Plano Passos foi mais abrangente do que a abertura da Avenida Central (depois Avenida Rio Branco), como é comum se atribuir. Surgiram túneis, ligando regiões mais distantes, a avenida Beira-Mar tornou-se um verdadeiro símbolo da nova urbe republicana, incluindo seus planejados jardins na orla da baía da Guanabara. O porto do Rio de Janeiro foi inteiramente reformado, permitindo uma grande melhoria no acesso marítimo para cargas e passageiros, que desembarcavam numa Praça Mauá totalmente renovada.
Dali iniciava a Avenida Central, com seus quase dois quilômetros, contando com edifícios que abrigavam atividades ligadas ao Porto: bancos, empresas ferroviárias, lojas de câmbio, alguns edifícios para hospedagem, margeando a via com trinta e três metros de largura, iluminada, com equipamentos urbanos nunca antes utilizados, dispostos em suas calçadas com pisos ornamentados em pedra portuguesa.
Num segundo setor, caminhando em direção à Avenida Beira-Mar, esta com cerca de cinco quilômetros, ligando a Praça Floriano à Avenida Oswaldo Cruz, muitos estabelecimentos comerciais, alguns cinemas, sorveterias, restaurantes, artigos de vestuário masculino e feminino, hotéis, escritórios variados, dispostos em edificações com partidos arquitetônicos diferenciados, como era comum nas novas metrópoles influenciadas pelo Ecletismo Internacional, construídos com materiais da efervescente Revolução Industrial.
Os principais engenheiros e arquitetos deixavam sua marca no coração da Capital Federal: Gastão Bahiana, Morales do los Rios, Heitor de Mello, Ramos de Azevedo e até mesmo o prefeito Souza Aguiar, com o projeto da Biblioteca Nacional e do Palácio Monroe, além de Caminhoá, autor do Hotel Avenida, edificação marcante no universo cultural da cidade até sua demolição, na década de 1950, substituído pela torre de vidro do Edifício Avenida Central, projeto de Henrique Mindlin.
A ocupação da Praça Floriano, popularmente conhecida como Cinelândia a partir da década de 1930, concluía de forma apoteótica a “mais elegante avenida sul-americana”, com alardeava a grande imprensa.
Apesar das dificuldades em remover o Convento da Ajuda, foi possível inaugurar obras referenciais da grande reforma urbana: a Biblioteca Nacional, a Escola de Belas Artes, o Supremo Tribunal Federal e um edifício que se tornou a verdadeira síntese da República que se instalava, o Theatro Municipal, pois como noticiava a revista “Leitura para todos”, de julho de 1909, “O Rio soffria da falta de um bom theatro, à altura da sua civilisação. O Pará, Manaus, Pernambuco eram, sob esse aspecto, mais felizes. Essa pobreza envergonhava-nos…”
O dia 14 de julho marca o aniversário de 114 anos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, inaugurado em 1909 com a presença do Presidente da República Nilo Peçanha, o Prefeito do Distrito Federal, Marcelino de Souza Aguiar, que assistiram, em companhia de um seleto público, a leitura da ata de abertura promovida pelo Engenheiro Francisco Oliveira Passos, um dos autores do projeto do edifício.
Após a solene inauguração, sob a regência do maestro Francisco Braga, a Orquestra executou o poema sinfônico Insônia, de sua autoria, seguida de um trecho de Condor, de Carlos Gomes. Foi tão significativo o evento que a Light inaugurou uma linha especial de bondes elétricos para atender aos espectadores do teatro.
Revista Fon-Fon, 10 julho de 1909
O projeto para o teatro foi objeto de um concurso público vencido por Oliveira Passos, filho do Prefeito, em colaboração com o arquiteto francês Albert Guilbert, que concorreu sob o pseudônimo “Aquila”.
O edifício apresentava clara filiação ao Ópera de Paris, de Garnier, gerando acusações de cópia ou plágio por muito tempo. No entanto, a referência é uma atitude plenamente coerente com o espírito de seu tempo e do próprio Ecletismo. Afinal, a casa de espetáculos francesa, construída na segunda metade dos oitocentos, tornou-se um símbolo para programas de teatros de ópera.
Ao contrário de uma simples cópia, o partido adotado refletia conhecimento de seus autores sobre o que se estava produzindo de melhor no mundo para arquitetura teatral, citando um de seus maiores ícones, além de buscar uma implantação privilegiada e um partido dinâmico de planta, que se refletia nas fachadas.
O Theatro Municipal do Rio de Janeiro pode ser considerado a síntese da Belle-Époque e marco arquitetônico principal da República recém implantada, conforme a mesma revista “Leitura para Todos” elogiava”:
“Os que andaram pela Europa e conhecem os seus theatros mais famosos, compreendem e avaliam melhor a maravilha com que o talento de Oliveira Passos enriqueceu nossa capital. Em nenhuma sala se sente a gente tão delicadamente bem como na do nosso Municipal, tão alegra, tão festiva, tão suave, banhada numa luz tão acariciadora, com seus dourados discretos, os seus mármores resplandecentes, os seus tons de neve, as suas pinturas desmaiadas, os seus reposteiros côr de morango”.
Inauguração do Theatro Municipal
Revista Fon-Fon, 17 julho 1909
Internamente, o luxo era o cenário para o templo da burguesia, pleno de espelhos, dourados, referências estilísticas variadas presentes em tetos, pisos, paredes, mobiliário, além de um salão, com acesso lateral pela avenida Central, onde o seleto público aproveitava os intervalos para ver e ser visto, entre referências persas na decoração do Salão Assírio.
Uma simples visita guiada às dependências do teatro ou espectador em algum espetáculo leva o público a uma viagem no tempo, extasiado diante da ornamentação de cada ambiente ou do monumental pano de boca de Eliseu Visconti.
Talvez as dimensões não sejam tão suntuosas como o imaginário popular supõe, mas o espetáculo da sala inunda o olhar com tanto luxo e elegância.
Palco de óperas, balés, concertos de orquestras internacionais, mas também cenário de filmes como Terra em Transe, shows, premiações e outrora realização de concursos de canto coral de escolas estaduais, no final da década de 1960, entronizando estudantes na arte de frequentar uma grande casa de espetáculos.
Impossível esquecer a realização do Baile de Gala do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, promovido desde a década de 1930. Era uma referência obrigatória do carnaval carioca, frequentado por atrações internacionais e pela alta sociedade, trajada a rigor ou fantasias exuberantes, algumas sensuais.
A partir de 1932, tornou-se cenário para o grande concurso de fantasias, um verdadeiro campeonato à parte, com torcedores apaixonados que, a partir da década de 1960, lotavam a praça Floriano aguardando os participantes que cruzavam a multidão sobre passarelas erguidas em direção à escadaria.
Primeiro baile do Municipal, 1932
Impresso fotográfico, acervo particular.
Revistas como O Cruzeiro, Manchete ou Fatos & Fotos dedicavam números especiais a este evento, com farta documentação fotográfica sobre os desfiles, suas fantasias luxuosas ou originais, apresentadas com zelo e elegância por personagens como Clóvis Bornay, Evandro de Castro Lima, Mauro Rosas, Marlene Paiva, Wilza Carla e tantos outros que abrilhantaram aqueles salões e deslumbravam os olhos do público aglomerado junto aos passadiços.
Em 1975, por diversos motivos, principalmente a preservação de um bem cultural de tal magnitude, foi realizado o último baile de gala do teatro, encerrando, talvez, um ciclo do carnaval do Rio com suas imagens divulgadas por todo o mundo.
Conforme noticiou recentemente o Diário do Rio (https://diariodorio.com/theatro-municipal-celebra-114-anos-com-serie-de-espetaculos-gratuitos/), por ocasião da comemoração de seus 114 anos, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro irá oferecer uma série de atividades gratuitas no dia de seu aniversário, 14 de julho, data que também assinala o aniversário de inauguração do Ópera da Bastilha, sede oficial da Ópera de Paris, aberto por ocasião do bicentenário da Queda da Bastilha.
Justa homenagem à população carioca que pode compartilhar uma obra notável, que por muitas décadas, desde sua inauguração, era quase exclusividade de um seleto grupo de frequentadores, que ocupavam plateia, balcão nobre, camarotes, enquanto alguns poucos menos privilegiados lotavam as galerias superiores, popularmente conhecidas como “poleiros”, para desfrutar, em desconfortáveis condições, os grandes espetáculos ali apresentados.
Vamos ao Teatro!