A agricultura urbana desempenha um papel crucial no desenvolvimento sustentável e na qualidade de vida dos habitantes de grandes cidades, como o município do Rio de Janeiro. A prática da agricultura em áreas urbanas traz uma série de benefícios, que vão desde a soberania alimentar até a melhoria do meio ambiente e do bem-estar da população. Ela também é conhecida como periurbana, justamente por se desenvolver em áreas periféricas da cidade. São nas franjas do tecido urbano do Rio de Janeiro que a prática ganha protagonismo.
Segundo dados da Emater (2019), foi possível constatar que a maioria dos lavradores urbanos (975) do Rio se concentra na Área de Planejamento 5, seguida pela AP4 (380), AP3 (115), e AP2 (35). Vale destacar que o desenvolvimento da agricultura urbana nas periferias, favelas e subúrbios representa a resistência de uma população pobre e, majoritariamente, preta que luta para manter a segurança alimentar de sua comunidade, enquanto atua pela preservação ambiental. Por isso, e por estas famílias, torna-se fundamental pensar políticas públicas que contemplem um modelo de cidade no qual o morar e plantar com dignidade seja uma prioridade.
Ao produzir alimentos localmente, dentro da própria cidade, é possível reduzir a dependência de alimentos trazidos de outros municípios, como da região Serrana, ou até de outros estados, como Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, diminuindo assim os riscos de escassez e garantindo o acesso a alimentos frescos e saudáveis para a população. Além disso, a agricultura urbana promove a diversificação dos alimentos produzidos, permitindo a oferta de produtos orgânicos e cultivados de forma sustentável. Portanto, estabelecer circuitos curtos de distribuição de alimentos formados em torno de famílias de agricultores em grandes cidades, como o Rio de Janeiro, possibilita a manutenção da renda de pequenos produtores e o acesso a comida saudável para famílias em situação de vulnerabilidade.
Outro ponto importante diz respeito à reorganização da logística. Ao longo da história da formação dos centros urbanos, produzimos cidades que separam local de produção e local de consumo, logo, temos mais caminhões circulando e, como consequência, mais gases poluentes sendo liberados na atmosfera. O estímulo à agricultura urbana pode encurtar essas distâncias entre produtor e comprador, além de colaborar com a redução de emissão de gases e fluidez do trânsito, também coopera para que o preço final diminua. Nesse sentido, as feiras livres ganham destaque pois conectam os produtores com o consumidor final. Por isso, o poder público deve incentivar as feiras e criar projetos de expansão por todo o território. Atualmente, a desigualdade no acesso ao alimento de qualidade é verificada através da discrepância do número de feiras orgânicas no nosso território. Enquanto Centro e Zona Sul apresentam cerca de 25 feiras orgânicas, a Zona Oeste conta com apenas 7. Se é na Zona Oeste que temos o maior número de agricultores e agriculturas urbanas, por que o número de feiras não é proporcional? Essa é apenas mais uma camada da complexa desigualdade social que o Rio de Janeiro enfrenta, na qual, o comer bem está associado ao viver bem.
Por reconhecer o papel da agricultura urbana na geração de emprego e renda, aprovamos um Projeto de Lei do ex-vereador Renato Cinco, que regulamenta o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas e consolida o sistema orgânico de produção agropecuária no município (Lei nº 7.149, de 26 de Novembro de 2021). Mas, ainda há muito o que lutar para que a prática da agricultura urbana não seja invisibilizada e as feiras livres orgânicas sejam uma realidade em toda cidade. Um dos desafios que podemos citar é o retrocesso com a decisão do Executivo de atribuir a competência das feiras à Secretaria de Ordem Pública (SEOP). A decisão foi duramente criticada, sobretudo por ser decretada ainda no período de pandemia, quando muitos agricultores foram afetados, isto porque as atividades das feiras foram as primeiras a serem interrompidas e uma das últimas a voltar a funcionar. Esse hiato ocasionado pelo Coronavírus seguido por um decreto que coloca as feiras livres como uma questão puramente de ordenamento do território, sem qualquer diálogo com esses trabalhadores e trabalhadoras, tem como resultado o enfraquecimento da atividade e um ataque direto à economia solidária do município.
No que se refere à preservação do meio ambiente, a agricultura urbana ao ocupar espaços vazios ou ociosos, como terrenos baldios, quintais, ou até lajes de prédios, ajuda a combater a impermeabilização do solo, diminuindo os riscos de enchentes e alagamentos. Além disso, as áreas verdes criadas pela agricultura urbana auxiliam na purificação do ar, na redução da poluição sonora e no controle da temperatura, tornando o ambiente urbano mais saudável e agradável. Deste modo, percebe-se como essas áreas funcionam como zonas de amortecimento de impactos entre a cidade e áreas preservadas. Além disso, a prática agrícola se estabelece como barreira de contenção às pressões mercantilizadoras do urbanismo neoliberal. Em um ambiente, como a cidade do Rio de Janeiro, que enfrenta sérios problemas com a especulação imobiliária, a agricultura urbana contribui para o controle do crescimento horizontal, além de atenuar a poluição e outros impactos do meio urbano sobre nossas florestas, nascentes e fauna.
Outro ponto importante é o aspecto social da agricultura urbana, tendo em vista que essa prática promove a participação comunitária, incentiva a educação ambiental e fortalece os laços entre os moradores da cidade. Ao cultivar alimentos em espaços compartilhados, as pessoas têm a oportunidade de aprender sobre técnicas de cultivo, trocar conhecimentos e experiências, além de fortalecer a coesão social. A produção local de alimentos cria empregos na área da agricultura, comércio e serviços relacionados, contribuindo para a geração de renda e o desenvolvimento econômico da cidade. Para muitos o cultivo na cidade pode parecer um vestígio de um mundo rural antigo que não cabe mais nos espaços modernos e pós-modernos da cidade, um enorme engano. É pelo reconhecimento da agricultura nos centros urbanos, considerando todos os bônus de sua prática, que vamos continuar lutando.
Estamos na fase de revisão do Plano Diretor, este importante instrumento de planejamento urbano, e é inconcebível que, mesmo diante de tantos dados sobre a produção agrícola nas regiões periféricas da cidade do Rio de Janeiro e a importância socioambiental da agricultura urbana, o documento ignore a existência dessas famílias. Isso quer dizer que o principal documento de orientação à ocupação do solo desconsidera áreas e atividades rurais no município e, por esse motivo, por estar em um ambiente, essencialmente, urbano, não são contemplados por políticas públicas aplicadas à agricultura familiar. Um exemplo disso, é o valor do terreno estar atribuído ao IPTU (Imposto Territorial Urbano), muito mais alto que o ITR (Imposto Territorial Rural).
Nas últimas semanas, o Presidente Lula anunciou o maior programa de crédito rural da história. O Plano Safra da Agricultura Familiar irá destinar R$ 71,6 bilhões para o Programa de Fortalecimento (Pronaf), isso representa um aumento de 34% em relação ao valor da safra passada. No entanto, agricultores e agricultoras urbanas não podem emitir o DAP – Declaração de Aptidão ao Pronaf, logo, não serão beneficiados. Apesar desses obstáculos, há uma esperança com a determinação de Áreas de Especial Interesse Agrícola (AEIA) no Plano Diretor, embora muito questionável por não apresentar clareza no zoneamento desta área e quais serão as comunidades mapeadas. Outro ponto de fragilidade, é a AEIA aparecer em “instrumentos de gestão ambiental”. É de comum conhecimento o benefício da agricultura urbana para o meio ambiente, no entanto, se a Administração Pública não fornecer incentivos e financiamento para a atividade agrícola no município ela não terá forças para resistir ao mercado imobiliário. É importante que haja uma política concreta de fomento à agricultura urbana e, consequentemente, nossas matas estarão seguras.
Continuaremos acompanhando as discussões do Plano Diretor, apresentando emendas e pensando políticas públicas que contemplem agricultores urbanos e possibilitem a expansão da prática agrícola no nosso território, promovendo empregos verdes e segurança alimentar. Reconhecemos a importância do trabalho de pequenos agricultores e agricultoras no abastecimento da nossa cidade. Nosso país se destaca como um dos maiores produtores agrícolas do mundo, mas na verdade, o que hoje o agronegócio produz não alimenta a população. As commodities não matam a fome, e o agro é tudo, menos pop. Apesar de vastas áreas de terras férteis e um clima favorável, o Brasil tornou-se uma potência mundial na produção de commodities agrícolas, como soja, milho, café, carne bovina e aves, direcionada ao mercado externo visando exportação e lucro. Portanto, o maior desafio consiste na distribuição e acesso aos alimentos para a população brasileira. É necessário repensar o modelo de produção, priorizando a soberania alimentar, a sustentabilidade ambiental e a justiça socioambiental, isso só a agricultura familiar é capaz de suprir.
Sr. William Siri boa noite
Li o texto todo e valorizo tudo o que foi dito, contudo, vim morar no Recreio a 2 anos e não vi uma feira livre no bairro. Não sei se é nesse canal que devo pedi.
De qualquer forma.
Agradeço antecipadamente.
Nós fizemos esse levantamento e, realmente nos deparamos com o número inferior de feiras distribuídas pela Zona Oeste. Segundo os dados da ABIO (Associação de Agricultores Biológicos do Estado do RJ) e o mapa de feiras orgânicas, disponibilizado pelo Instituo Brasileiro de Defesa do Consumidor, há uma feira no Recreio na Praça Restier Gonçalves, que acontece aos sábados. Vale destacar que o Recreio tem bairros vizinhos com destaque na produção agrícola, como, por exemplo, as Vargens e Guaratiba. Por isso, lutamos pela expansão das feiras, possibilitando condições de trabalho e renda para agricultores e agricultoras da região.