Quase dois anos após o início das obras, sem nenhuma transparência, o Parque Jornalista Susana Naspolini está praticamente finalizado. Eu estive mais uma vez no local para fiscalizar os desdobramentos da construção e averiguar se os anseios da população foram contemplados. A primeira constatação que me despertou preocupação foram as remoções da vegetação, dando espaço para mais concreto em uma região marcada por alagamentos e problemas crônicos com o escoamento da água da chuva.
Além de contribuir para a sobrecarga dos sistemas de drenagem, a retirada das árvores colabora para a formação de ilhas de calor em um bairro que sempre atinge altas temperaturas no verão. As altas estruturas metálicas, inspiradas em referências internacionais como o Gardens By The Bay, de Cingapura, destoam completamente da paisagem do entorno.
Estas torres, que atingem até 40 metros de altura, serão recobertas por vegetação artificial e, por isso, geraram muitas discussões entre os movimentos ambientais: Por que a escolha de forjar uma natureza, com tantos gastos de manutenção e instalação, em uma área que era tão vasta a presença do verde? A gestão atual, que tanto se vangloria de seguir acordos internacionais para a preservação do meio ambiente, caminha na contramão, pois em vez de fomentar a construção de mais áreas verdes pela cidade, corrobora para sua destruição.
Ao chegar nas dependências do futuro parque, também nos deparamos com a triste notícia de que as ruínas que faziam parte da memória do bairro foram demolidas. Elas integravam o conjunto arquitetônico da antiga Fábrica de Cartuchos e estavam previstas no Termo de Referência do projeto com o objetivo de compor um circuito cultural que valorizasse a história e identidade da Zona Oeste.
A incorporação desses elementos ao projeto, como sugerido pelos moradores e alinhado às orientações da Agenda Realengo 2030, poderia ter proporcionado um espaço de exposições, enriquecendo a experiência do parque. Ao questionar, fui informado que seria extremamente custoso manter de pé as ruínas. Mas, na verdade, o projeto político que promove o apagamento dos bens históricos na periferia da cidade revela o descaso da prefeitura com a identidade e a cultura local.
Desde o anúncio das obras, o Parque Realengo polarizou muitas discussões diante do investimento para o bairro. Como morador da Zona Oeste do Rio de Janeiro, recebi com entusiasmo a notícia de uma área verde na região, visto que a minha luta sempre foi pela expansão de parques públicos, promovendo áreas de lazer para a periferia, que tanto carece de equipamentos que garantam a qualidade de vida de seus moradores.
No entanto, o projeto apresentado levantava alguns questionamentos da sociedade civil, que por muito tempo lutou por um parque em Realengo, mas gostaria de incidir sobre as propostas e preservar os bens histórico-culturais e ambientais presentes na área.
Para compreender a linha temporal desta construção, precisamos voltar no tempo. O ano era 2022, e a prefeitura do Rio iniciava a construção do Parque de Realengo com o compromisso de utilizar 50% do terreno da antiga Fábrica de Cartuchos. A notícia foi recebida com preocupação pelos movimentos que historicamente estiveram mobilizados na luta pela criação de um parque público utilizando a área total e, assim, frear o interesse da especulação imobiliária que já ameaçava avançar sobre o bairro.
O movimento Parque 100% Verde Realengo protagonizou inúmeras discussões, inclusive durante as audiências de revisão do Plano Diretor, na tentativa de reconfigurar o projeto e atender às demandas da população. Porém, mais uma vez, a falta de diálogo com a prefeitura marcou a unilateralidade das decisões por parte de Eduardo Paes.
Um exemplo claro da arbitrariedade do poder público foram as remoções, sem aviso prévio, que ocorreram no final de 2022, às vésperas do Natal. Diversos trabalhadores do entorno foram afetados com a demolição de suas lojas, com a promessa de serem incorporados ao parque. Foram retirados mais de 40 estabelecimentos que há décadas eram fonte de renda para dezenas de comerciantes locais.
Vale lembrar que a ocupação promovida pelos moradores, em uma área que era depósito de lixo irregular, deu origem ao Parquinho Verde, que também foi removido sem qualquer diálogo com a comunidade.
Antes da inauguração do parque, a prefeitura entregou apenas 11 lojas para realocação daqueles que foram afetados pelas remoções. Como presidente da Comissão de Trabalho e Emprego, faço as seguintes perguntas: qual o plano estratégico para os demais trabalhadores? Qual é a proposta de reparação social para com aqueles afetados por estas transformações? São questionamentos legítimos que ainda não temos respostas.
Essa é uma antiga preocupação minha. Por isso, tive a iniciativa de instaurar a Frente Parlamentar de Proteção e Ativação do Patrimônio Histórico-Cultural da Zona Oeste, a qual presido, com o objetivo de reconhecer e preservar os patrimônios que foram desprezados pelos órgãos de tutela e pela prefeitura. Sempre questionei como as referências para as políticas de proteção e valorização patrimonial estão concentradas no Centro e Zona Sul do município.
Na Zona Oeste, sofremos com a grave desigualdade na implementação de políticas voltadas à cultura e ao nosso patrimônio. Mais um exemplo claro do desprezo à cultura na periferia que identificamos na visita ao Parque Realengo foi quando percebi que o anfiteatro, parcialmente construído, não contará com uma cobertura. Isso traduz a falta de incentivo às manifestações culturais, limitando as possíveis apresentações e eventos, deixando à mercê das condições meteorológicas, o que impossibilita sua realização em dias de chuva ou sol intenso.
Diante desta fiscalização, identificamos algumas fragilidades na execução do projeto que poderiam ser sanadas com vontade política de promover um espaço verdadeiramente democrático, construído em conjunto com a população. Ainda em tempo de intervir nas obras e mitigar os impactos já causados, iremos realizar um Debate Público na próxima segunda-feira (29/04), às 16h, na Câmara dos Vereadores, com o intuito de mediar a discussão entre a sociedade civil e o poder público e cobrar medidas e ações que atendam às demandas dos moradores.
O Parque Realengo Susana Naspolini não é apenas um espaço de lazer, mas um reflexo dos anseios, das preocupações e da identidade de uma comunidade. Seguiremos na luta pelos outros 50% do terreno – que não devem ser destinados à especulação imobiliária – e vamos cobrar por uma gestão pautada pelo diálogo, pela transparência e pelo compromisso com o bem-estar e a preservação cultural e ambiental na Zona Oeste.