Sonia Rabello: Audiências públicas virtuais para licenciamentos?

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Imagem meramente ilustrativa da Floresta do Camboatá, na Zona Oeste do Rio - Foto: Reprodução

Nesta quarta-feira, dia 20 de maio, uma nova liminar barrou mais uma tentativa de dar continuidade – “na marra”- ao licenciamento da polêmica obra de destruição da Mata Atlântica da Floresta de Camboatá, em Deodoro, na Zona oeste do Rio, a pretexto de ali construir um hipotético Autódromo dito “internacional”.

Agora foi a vez da Juíza Neusa Regina R. A. Leite (14ª Vara da Fazenda Pública do TJ/RJ) deferir liminar, pedida pelo Ministério Público Estadual em Ação Civil Pública. Diz ela para fundamentar a decisão que:

 É fato notório a situação de emergência na saúde pública do estado do Rio de Janeiro e que somente apresenta-se razoável a prática de atos efetivamente necessários. (…)

[que] tal ato [a audiência pública] gerará despesa que, no momento, apresenta-se desnecessária, principalmente para o fim a que se destina, que é a construção de espaço esportivo que não beneficiará a população em suas necessidades prioritárias. O Estado não tem conseguido, sequer, comprar os medicamentos objeto de sentença transitada em julgado e, no caso de sequestro de verba, na conta indicada pelo próprio ente estadual para esta finalidade, as ordens judiciais têm retornado negativas. 

Assim, estando precária a situação financeira do ente estadual, pelo menos é o que consta em processos em curso neste juízo, alegando, inclusive, que todas as verbas estão sendo destinadas para a saúde, não se justifica, neste momento de pandemia, agilizar qualquer procedimento referente à projeto desprovido de essencialidade. Por outro lado, qualquer alegação de que a obra será financiada por terceiros, não afasta o despropósito da realização da audiência pública por meio eletrônico, pois todos os contratos dessa natureza não são completamente gratuitos para a Administração Pública.

Ademais, se o objetivo da referida audiência é gerar a participação da população, impõe-se a sua realização presencial e após o término da situação de calamidade pública, em que se atenderá realmente a finalidade da participação popular.”

Tem razão a magistrada ao alegar que uma audiência pública tem custos, pois requer que não só o público tenha garantido o acesso ao equipamento e à rede de internet que lhe permita participar daquele momento, como o Estado que promove a audiência tem que ter capacidade e meios tecnológicos para viabilizar a estabilidade da audiência.

Ressalte-se inverdades repetidas ultimamente em relação aos custos de construção do hipotético Autódromo, e que vale a pena desmentir, mais uma vez.

Fake comumente divulgada – “Será construído com recursos privados”

Terá, sim, recursos públicos – Como já demonstrei em mais de uma postagem, haverá recursos públicos em contrapartida cedidos à empresa RioMotor Park. Serão dados a ela 809.235 m² em terras públicas, nas quais  o índice construtivo é de duas vezes o terreno (809.235 m² x 2 = 1.618.470 m²). Mas só poderá ocupar 65% deste total (1.618.470 * 65% = 1.052.006 m² !) Numa avaliação pública superficial, o valor seria de R$ 100 milhões.

Além disto, foi noticiada a aprovação de previsão renúncias fiscais (= dinheiro público) pelo falido Estado do Rio de Janeiro, no valor de até R$ 302 milhões.  E mais, o Município do Rio ainda teria que viabilizar obras de acesso e infraestrutura urbanística do entorno, ainda não previstas, nem mesmo planejadas ou avaliadas. Mais dinheiro público!

Correta, portanto, a decisão da magistrada, decorrente da petição primorosamente fundamentada do Ministério Público Estadual que a solicitou.

Destaco alguns pontos da referida petição:

1. De que o projeto é muito complexo, em área de Mata Atlântica a ser destruída, e que a audiência pública exclusivamente virtual é incompatível num tempo de calamidade pública em que o órgão ambiental suspendeu “os prazos de cumprimento de obrigações administrativas ambientais, incluindo as previstas em Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e outros ajustes celebrados no âmbito da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS) e do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), em decorrência da situação de emergência causada pelo Novo Coronavírus (Covid-19), …”

2. Que “é inegável que a realização de Audiência Pública no âmbito do licenciamento ambiental, exclusivamente por meio eletrônico, ensejará restrições e/ou discriminações para o público, notadamente para aqueles indivíduos que não possuam meio de acesso eletrônico sem necessidade de deslocamento, o que representa, segundo a pesquisa acima mencionada, mais de um quarto da população da região Sudeste.”

3. “Que as ferramentas de comunicação virtuais em processos administrativos ainda estão em fase de testes, sendo relativamente novas e pouco usuais para grande parte da população em geral, mostrando-se frequentes as dificuldades operacionais de acesso à plataforma de reunião virtual e/ou acesso a áudio, microfone e vídeo. Nesse sentido, vale citar o exemplo do que vem ocorrendo na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que vem realizando votações virtuais por conta das medidas de prevenção para evitar a proliferação do novo coronavírus. Diversos deputados vêm acumulando faltas, conforme noticiado na mídia4 , sob alegação de encontrarem dificuldades em trabalhar com tecnologias digitais de comunicação. Se Deputados, que dispõe de assessores e de equipes de apoio e que, ainda, são pessoas esclarecidas e com acesso usual a estas tecnologias, relatam tal dificuldade, o que dizer da população em geral?”

4. (…)”ainda, que a audiência pública virtual em questão ficará a cargo exclusivo do empreendedor, não havendo qualquer segurança e controle quanto à plataforma tecnológica a ser utilizada, tampouco comprovação de que esta é transparente, estável, inclusiva e descomplicada, de modo a não se permitir a exclusão digital dos hipossuficientes econômicos e cognitivos. Tampouco há segurança quanto aos critérios que serão adotados para que seja permitido o acesso e manifestação de qualquer interessado.”

5. (…) “a complexidade de que se reveste o processo de licenciamento ambiental desse empreendimento em particular, com possíveis repercussões socioambientais irreversíveis, inclusive no que se refere ao incremento do processo de mudanças climáticas e de enchentes na área de influência do projeto, desaconselha que seja atribuído andamento açodado ao trâmite procedimental, alijando-se a mais ampla participação popular no processo de tomada de decisões ambiental.”

As leis, resoluções do CONAMA, e demais fundamentos legais podem ser conferidos no texto de 27 páginas da petição inicial do MP, no que justifica o motivo de não estarmos preparados para realização de audiências públicas exclusivamente virtuais, para adimplir o requisito de participação da sociedade nos processos de licenciamento e planejamento.Que sirva de lição e prenúncio de invalidade de processos decisórios que a Câmara do Rio está prestes a votar, pretendendo validar, sob a triste e patética alegação do COVID-19, de projetos de lei, enviados pelo Prefeito, e que visam alterações dramáticas na legislação urbanística da Cidade do Rio.

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