No final dos anos 70, quando fui trabalhar no jornal “Tribuna do Povo”, encontrei na redação, no meio de uma pilha de jornais velhos, o livro “Como Fazer Caricaturas”, do cartunista Mendez.
Eu começava a rabiscar minhas primeiras caricaturas, e fiquei encantado com aquele livro em que o artista capturava e passava para o leitor, com poucos traços e olhar clínico, toda sua experiência na difícil e encantadora arte da caricatura.
Perguntei ao saudoso Adolpho Xavier, fundador e editor da “Tribuna do Povo”, de quem era aquele livro: “alguém deve ter esquecido aí”, respondeu ele. Quando saí do jornal, levei o livro comigo.
Em 1980, fui com ele ao lançamento do livro “Natureza Morta e Outros Desenhos”, do Chico Caruso, editado pelo “Jornal do Brasil”.
Mendez, que também passou pelo JB, estava lá e autografou o livro para mim.
Mário de Oliveira Mendes – que mais tarde adotaria o “z” no final do sobrenome – nasceu em 1907, em Baturité, no Ceará.
Aos 17 anos, mudou para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira na “Revista Musical”, publicando ali, sua primeira caricatura, em julho de 1927.
A partir daí, colaborou com os jornais “A Noite”, “Folha Carioca”, “Jornal do Brasil” e com as revistas “O Cruzeiro”, “Radiolândia”, “Revista da Semana” e “Revista do Rádio”.
Foi autor de três livros: “Tipos e Costumes dos Negros no Brasil”, “Como Desenhar Caricaturas” e “Mendez, Desenhos e Caricaturas”.
O cartunista cearense tinha um estilo limpo, econômico, inconfundível e certeiro que acabou influenciando uma geração de artistas. Conhecido por agregar aos seus traços um humor irreverente, despertava satisfação e incômodo em muitos dos caricaturados.
Outra marca do Mendez era, muitas vezes, retratar o caricaturado com traços animalescos. Sua própria autocaricatura, lembra um cachorro.
Isso, muitas vezes, despertava incômodo em muitos dos caricaturados.
Houve até quem tentasse impedir a publicação de sua caricatura, caso do cantor Orlando Silva que, ao ser caricaturado como um carneiro, chegou a oferecer dinheiro para que a caricatura não fosse publicada.
Mendez não aceitou e publicou-a provocando a ira e o ressentimento do cantor.
A cantora Dalva de Oliveira, outra “vítima” de suas caricaturas, chegou a se negar a estender-lhe a mão, quando foram apresentados.
Outras personalidades, no entanto, gostavam de se ver retratados com o traço de Mendez. Entre elas, Getúlio Vargas, Ângela Maria e Portinari.
O ex-presidente tinha o hábito de guardar as caricaturas que faziam dele. Mas a preferida da coleção era uma de Mendez, publicada na revista “Vamos Ler”, de 1946.
Por sinal, a caricatura – junto com a frase “Ele voltará” – foi usada pelo Partido Trabalhista Brasileiro para ilustrar um panfleto da campanha eleitoral que levou Getúlio Vargas (1882-1954) a assumir a Presidência da República pela segunda vez, em 1950, sem o consentimento do artista.
Até Harry Truman rendeu-se ao talento de Mendez. Durante a Segunda Guerra Mundial, ao participar de uma conferência em Petrópolis, o então presidente americano não escapou do traço do artista cearense.
Na mesma ocasião, a primeira-dama argentina Eva Perón também foi caricaturada. Além de elogiar o trabalho de Mendez, Evita deixou seu autógrafo na obra.
“O desenho de humor é muito mais livre que uma foto ou um filme. O humor pode usar a linguagem da fantasia, do surrealismo, pode fazer sínteses impossíveis por outros meios, desvelar mecanismos escondidos, abrir as cabeças por meio do riso”, dizia o artista.
Além da caricatura, Mendez dedicou-se à pintura, principalmente no fim de sua carreira. “A gente nasce caricaturista, vira desenhista e morre pintor”, dizia.
Mesmo com a idade avançada, Mendez continuou produzindo. Ficava no ateliê de 8 às 17 horas. Desenhava, pintava e fazia caricaturas.
Sua produção só foi interrompida pela morte, em 1996, no Rio de Janeiro, aos 88 anos.