Por José Luís Lira*
Um dos clássicos da Literatura Brasileira se chama “Memórias da Rua do Ouvidor”, de Joaquim Manoel de Macedo, cuja primeira edição veio a lume em 1878. Nele o romancista diz: “Se tão elegante, vaidosa, tafulona e rica no século atual, porventura lhe apraz esquecer o passado, para não confessar a humildade de seu berço, pois que é do Ouvidor, cerre bem os ouvidos; porque tomei a peito escrever-lhe a história, mas com tanta verdade e retidão que se, lembrando-lhe seus tempos primitivos, ela tiver de amuar-se pelo ressentimento de sua soberba de fidalga nova, há de sorrir depois a algumas saudosas e gratas recordações que avivarei em seu espírito perdidamente absorvido pela garridice e pelo governo da moda”.
Mais à frente diz que “se acham os dois edifícios mais notáveis da rua do Ouvidor: a igreja da Lapa dos Mascates, e por sua parte lateral a igreja da Santa Cruz dos Militares. Não quero prolongar este capítulo, ou demorar a viagem, copiando a descrição arquitetônica das duas igrejas, que me foi oferecida por autoridade competente; mas é certo que a da Santa Cruz dos Militares não tem ainda superior no Rio do Janeiro sob ponto de vista da arquitetura; e a da Lapa dos Mascates, embora pequena e encantoada em estreitas ruas, merece a atenção dos homens da arte. Esta última igreja depois dos consideráveis melhoramentos, que ultimamente recebeu de piedosos e dignos benfeitores, teve novos sinos vindos de Portugal (creio eu) que repicam a preceito, executando alegros de óperas de Offenbach”.
Nos primeiros anos da conturbada República do Brasil, no rito inaugural, digamos assim, do segundo governo republicano, com a renúncia do primeiro Presidente, Marechal Deodoro da Fonseca, cujo posto foi ocupado pelo vice-presidente, o também Marechal Floriano Peixoto, conhecido como “Marechal de Ferro”, um fato relevante à nossa fé se retratou na Rua do Ouvidor.
Conforme a Constituição de 1891, nova eleição deveria ter sido realizada, mas, Floriano Peixoto decidiu continuar no cargo. Esta situação gerou a revolta de diversos oficiais generais da Marinha Mercante do Brasil, que queriam um reconhecimento semelhante ao do Exército. O Marechal não capitulou diante da revolta, dando voz de prisão aos líderes do levante. A resposta não tardou e a população do Rio de Janeiro recém-republicano viveu uma guerra.
No 25 de setembro de 1893, há exatos 130 anos, por volta das 17h, do encouraçado Aquidabã – que antes tivera papel importante na queda da Monarquia brasileira – partiu o tiro de canhão que atingiu a torre dos sinos da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, que ruiu em parte com o impacto.
Uma estátua de Nossa Senhora da Fé, que estava entre as melhorias citadas por Manuel de Macedo e ocupava o topo da igreja despencou de uma altura de 25 metros. Conforme informa uma placa abaixo da imagem, assinada pelo Comissário Cláudio André de Castro, a imagem veio de Portugal, em 1871. Milagrosamente, a imagem da santa, que tem quase dois metros de altura, só quebrou 2 dedinhos. O fato foi visto pelos fiéis da época como um milagre, o “Milagre da Rua do Ouvidor”.
A bala de canhão, juntamente com a imagem de Nossa Senhora da Fé, encontram-se em exposição no interior da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, que foi totalmente revitalizada e reaberta ao público, em junho de 2023, depois de quase quatro anos fechada.
Nossa Senhora da Fé é venerada em Portugal, onde existe uma antiga e milagrosa imagem da Senhora da Fé, no templo da Madre de Deus, em Lisboa. Reza a crônica histórica, que na época de D. João IV (1640-1656), aquela efígie foi transferida para a Capela Real e era muito venerada pelos soberanos e pela corte lusitana. No Rio de Janeiro, temos a oportunidade de venerá-la e testemunhar o milagre que neste ano de 2023 completa 130 anos.
A Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores é uma joia, no centro da Cidade Maravilhosa. Em meio a bares e restaurantes, uma livraria e outros bens histórico-patrimoniais, ela desponta. Está sob o comissariato de nosso irmão de Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém, o Cláudio André de Castro, comissário da Irmandade dos Mercadores que, aos poucos, devolveu o brilho ao templo edificado em 1750.
Ao Cavaleiro Cláudio de Castro nossos parabéns e para todos nós e por todos, uma prece a Deus, rogando a intervenção milagrosa Nossa Senhora da Fé, repetindo a oração do apóstolo Tomé, “Eu creio, Senhor, mas aumentai minha fé”, pela intercessão de Vossa Mãe, a Senhora da Fé!
*Comendador José Luís Lira, da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém e fundador da Academia Brasileira de Hagiologia, da qual é Presidente de Honra.