Praça virando prédio? Buraco do Lume, no Centro, pode virar arranha-céu

A praça vai virar edifício? O mercado imobiliário dá indícios de que pode ter vencido os preservacionistas e o Centro pode ganhar mega edifício residencial no seu ponto mais privilegiado, em zona de “gabarito livre”

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Foto: Domingos Peixoto - Agência O GLOBO

O Buraco do Lume, espaço no Centro do Rio de Janeiro, junto à Praça Melvin Jones – na confluência da rua da Quitanda com a São José e a Graça Aranha – ficou conhecido por ser palco de inúmeras manifestações, sejam elas greves, atos cívicos ou culturais. O terreno de quase 3.000m2 em frente ao Terminal Garagem Menezes Côrtes hoje arborizado foi vendido em 2019 pelo banco Bradesco a investidores imobiliários e tudo indica que pode virar um imenso arranha-céus.

Na época, foi a empresa Sal Participação e Administração de Bens que comprou o terreno e trabalha há tempos nos bastidores para mudar a utilização do terreno e construir nele um imenso edifício residencial com centenas de apartamentos compactos de 40 a 60 metros quadrados. Segundo fontes dentro da prefeitura, o lobby é grande e atua em diversas frentes para que a paisagem com árvores e gramado perca seu lugar para o concreto e tijolos.

Em janeiro de 2023, a revista Veja Rio publicou que o prefeito Eduardo Paes (PSD) havia deixado claro que não iria autorizar nenhum tipo de projeto urbanístico no local e que a questão já gerava disputas também na Câmara de Vereadores. Mas os indícios são de que há mudanças – a galope – neste cenário.

Mas tudo indica que agora a coisa está andando em direção oposta. Primeiro, a Prefeitura, no esteio das iniciativas da fase 2 do Reviver Centro, acabou decretando uma faixa de Gabarito Livre no Centro justamente onde fica o imóvel, que agora, em tese, poderia ter quantos andares desejarem seus donos. Há pouco mais de um mês, em postagem na rede social Linkedin, o advogado imobiliário Rodrigo dos Santos Gonçalves fez uma postagem com a imagem do terreno comemorando a solução de entraves e dando a entender que o caminho está aberto para que o mega projeto finalmente ande (imagem abaixo). Foi uma espécie de comemoração que deixou transparecer que a vitória parece estar muito próxima.

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Postagem do advogado Rodrigo Gonçalves comemorando o caminho aberto para a construção no Buraco do Lume

A postagem acabou sendo apagada logo após a publicação de uma outra matéria sobre o assunto aqui no DIÁRIO. Fontes do mercado andaram dizendo que a construtora Patrimar, mineira, seria a escolhida para construir a mega estrutura. Mas, ao se manifestar em nota por provocação da reportagem, a empresa foi lacônica e limitou-se a dizer que avalia o negócio: “avaliamos constantemente oportunidades no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, incluindo o terreno mencionado.”

O terreno se origina do desmonte do Morro do Castelo. Destacado da praça pelo extinto Banco estatal do Estado da Guanabara, foi vendido a uma construtora que faliu no meio da construção de uma torre comercial. O imbróglio demorou tanto a ser resolvido que o governo tapou o canteiro de obras e anexou-o – de forma informal – à praça. Por fim acabou nas mãos do Bradesco, que vendeu-o aos atuais donos. Neste ínterim, foi tombado e teve seu potencial construtivo aniquilado com sua integração à Praça Melvin Jones, que virou Mário Lago.

O arquiteto Fernando Costa, da Cité Arquitetura, seria o responsável por desenvolver o novo projeto de um prédio gigante para o terrenaço e afirmou em 2023 que a proposta estaria dentro da legislação do Reviver Centro e que seria mais uma construção a trazer movimento para o Centro do Rio, no que disse considerar sua região mais nobre.

Lucas Faulhaber, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), revelou, ao Extra, que o uso público da área é consagrado e seria difícil uma mudança repentina. “Se o objetivo é requalificar o centro do Rio, o que não faltam são imóveis desocupados que poderiam ser reformados”, diz, demonstrando sua preferência pelo retrofit.

Especialistas em geral ressaltam por conta da existência de vários bens culturais de relevância histórica no entorno, sem contar a paisagem cultural local, qualquer projeto ali poderia ser obrigado a sofrer adaptações para atender órgãos de preservação como IRPH (prefeitura), Inepac (estado) e Iphan (União).

Destombamento e tombamento

No último dia de sessão na Assembleia Legislativa em 2022, os deputados estaduais destombaram a área que agora poderia estar prestes a virar o espigão. O projeto na época foi do deputado Rodrigo Amorim (União Brasil), que afirmou que o objetivo do destombamento do espaço seria ‘‘colaborar para a melhor utilização de espaços urbanos no Centro do Rio de Janeiro, viabilizando o aproveitamento e ocupação de terreno não-edificado, de modo a promover o desenvolvimento urbanístico e econômico da região próxima a esta Casa Legislativa, em atendimento às normativas de planejamento urbano”.

Porém, a decisão não foi do agrado de muita gente e o Buraco do Lume correria risco até mesmo vir a ser tombado novamente. O arquiteto Manoel Vieira e o historiador Paulo Knauss, integrantes do Conselho Estadual de Tombamento, prepararam, na primeira semana de janeiro último, um dossiê de 23 páginas encaminhado ao Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) contendo o pedido de tombamento do Buraco do Lume em caráter emergencial. Knauss foi também diretor do Museu Histórico Nacional.

Na justificativa do pedido, foram apresentados como atributos o desenho urbano associado ao Plano Agache – um plano urbanístico dos anos 30 que orientou o crescimento da região- e o seu caráter paisagístico, assim como janela para o passado formada pelo conjunto de edificações do tempo do desmonte do Morro do Castelo.

Opiniões

O futuro do terreno envolve discussões legais que atravessam décadas, a começar pelo debate sobre a vigência de um decreto do ex-prefeito Saturnino Braga que, em 1986, alterou parâmetros urbanísticos no Buraco do Lume para permitir que no local fossem construídos apenas equipamentos culturais. Neste caminho estava – ao menos originalmente – a opinião do prefeito atual.

O ex-secretário de Planejamento Urbano e entusiasta de primeira hora do Reviver Centro, arquiteto Washington Fajardo, se pronunciou na época a favor da preservação do espaço verde e contra a construção. “A área é consagrada como pública desde que surgiu após o desmonte do Morro do Castelo”.

Na época o processo foi enviado para análise do IRPH.
A bem votada vereadora Tainá de Paula (PT), que deve assumir novamente o cargo de Secretária Municipal de Meio Ambiente, deixou claro que era contra a construção e foi muito direta: “Vou defender tombamento da área, seja pelo legislativo ou por iniciativa do IRPH”. Dizem no meio da política que Amorim e Tainá não se bicam e parece difícil que, tão pouco tempo depois, a petista queira vestir a camisa dos irmãos Amorim na defesa do gigante do Lume.

Puxadinho

Em 2019, o ex-prefeito Marcelo Crivella – que ganhou o título de pior prefeito da história da cidade – aprovou uma lei sobre puxadinhos na cidade e incluiu um ‘‘jabuti’’ no texto: a revogação do decreto de 1986. A lei, de agosto de 2020, foi suspensa em novembro e depois declarada inconstitucional, mas decisão do STF deixou em aberto a possibilidade de a prefeitura prosseguir no licenciamento de projetos protocolados. A Sal deu entrada no seu pedido de construção em setembro de 2020, com a lei da gestão Crivella ainda em vigor.

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4 COMENTÁRIOS

  1. Aqui onde moro, Pernambuco, Jaboatão dos Guararapes, o meu bairro tinha em seu projeto de loteamento uma praça de 10mil m2. Seria basicamente a única praça do bairro. Em 2019, a prefeitura doou de GRAÇA e de forma irregular, sem ninguém saber nada e quem soube, nada vez. A pessoa que recebeu o terreno vendeu no mesmo ano por 6 milhões pra Construtora Direcional e tão construindo prédios. O pior? Muros altos de concreto sem arborização, calçadas estreitas e em um terreno daquele tamanho, entre as ruas, a saída de veículos foi autorizado pra avenida principal. Daí já sabe né? O trânsito. Chega a ser piada.

  2. Eu só sei que tem muitos predios vazios e ninguem utiliza. Além disso, ninguem protestou contra o fechamento de sedes do BB e da Caixa no Centro do Rio, que levou ao esvaziamento do mesmo

  3. Primeiro erguem um pombal, unidades minúsculas, habitadas por multidão de desconhecidos ignaros de leis e condomínios, caminho para transformação em mega cortiço, ‘decorando’ uma área até então nobre (e ventilada) em pleno centro do Rio de Janeiro.

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