No dia 4 de dezembro, tivemos, finalmente, o julgamento pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ da Representação por Inconstitucionalidade nº 0018769-85.2022.8.19.0000 contra a Lei Complementar – LC nº 212/2019, que manteve, em nosso Município, para alguns servidores, ocupantes de cargo em comissão, emprego de confiança ou função gratificada, a contagem de tempo para a incorporação das respectivas gratificações, mesmo após a Emenda Constitucional nº 103/2019 ter determinado o fim do instituto de incorporação no serviço público de todas as esferas de governo em nosso país.
Como eu já havia sinalizado no artigo “Uma ação contra a manutenção da incorporação na PCRJ” (1), publicado neste Diário do Rio, em 26 de agosto, o TJRJ iria sem dúvida alguma declarar a inconstitucionalidade daquela LC.
Os Desembargadores componentes do Órgão Especial do TJRJ acompanharam o voto do Desembargador Relator e julgaram, por unanimidade, pela procedência da Representação por Inconstitucionalidade da LC sob análise, nos seguintes termos:
“Em sendo assim, julga-se procedente a Representação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 212, de 08 de outubro de 2019, do Município do Rio de Janeiro, nos termos do parecer ministerial, com efeitos prospectivos.” (2)
Na realidade, o Desembargador Relator seguiu o parecer do Ministério Público tendo até reproduzido muitos trechos dele.
Em síntese, os fundamentos para a declaração de inconstitucionalidade em tela foram os seguintes:
1) Afronta ao regime de incorporação de verbas de cargo em comissão ou assemelhado. Violação aos princípios da Administração Pública. Art. 39, §9º, incluído ao texto da Constituição Federal por força da Emenda Constitucional nº 103/2019, que não revoga a legislação impugnada, haja vista a disposição do art. 4º, §9º, da mesma Emenda, e que tampouco é utilizado como parâmetro desta ação, mas que, por outro lado, reforça o propósito do legislador e o posicionamento jurisprudencial já adotado no sentido de vedar a possibilidade de incorporação de verbas de caráter transitório ou vinculadas ao exercício da função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo;
2) Afronta ao art. 40, parágrafo 2°, da Constituição Federal, de redação conferida pela Emenda Constitucional nº 20/1998, cuja vigência também é mantida em razão do previsto no art. 4º, §9º, Emenda Constitucional nº 103/2019. Gratificações que constituem vantagens pecuniárias de caráter precário, concedidas como recompensas a servidores que desempenham serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou como retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam). Incorporação que configura privilégio injustificado e desarrazoado em ofensa aos princípios da isonomia, moralidade e impessoalidade;
3) Emenda Constitucional nº 95/2016, que instituiu o novo regime fiscal, elevando a exigência da estimativa do impacto financeiro e orçamentário ao status de norma constitucional. Precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal -STF no sentido de que o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT tem caráter nacional e traz comando dirigido a todos os entes federativos. Norma de reprodução obrigatória. Dispositivo da Constituição Republicana que pode ser invocado como parâmetro no controle abstrato de constitucionalidade exercido em âmbito estadual. Dispositivo do ADCT que também se encontra incorporado ao texto da Constituição Estadual por meio de seus artigos 6º, 77 e 122. Não se demonstrou a existência, no respectivo processo legislativo, de elaboração de estudo de impacto orçamentário, apesar do diploma impugnado acarretar aumento de despesa obrigatória com pessoal, eis que seu comando repercute diretamente sobre o nível remuneratório de ocupantes de cargos em comissão ou função gratificada.
É interessante observar que o fundamento jurídico citado no item 3 acima contra a LC sob análise foi exatamente o artigo 113 do ADCT.
O art. 113 do ADCT determina:
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”
Quem acompanha minhas críticas a vários Projetos de Lei – PLs dos Poderes Executivo e Legislativo de nosso município sobre benefícios fiscais sancionados pelo Prefeito (veja, por exemplo, o caso da isenção de IPTU somente para clubes sociais portugueses) sabe muito bem que eu venho alertando que esses PLs não foram acompanhados PREVIAMENTE da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. E, assim sendo, seriam inconstitucionais.
Entretanto, apesar de violarem aquele artigo 113 de forma grave, aqueles PLs receberam pareceres de constitucionalidade da Comissão de Justiça e Redação; foram aprovados pelo Plenário da CMRJ; e receberam a sanção do Prefeito. Além disso, infelizmente, o Ministério Público não questiona judicialmente essas leis inconstitucionais.
Mas voltemos à análise da decisão que declarou a inconstitucionalidade da LC nº 212/2019, objeto deste artigo, pois, salvo melhor juízo esta é uma “novela” que poderá ter mais capítulos.
Muitos colegas, que já incorporaram ou abriram processos pedindo incorporação, com base nessa LC, antes da decisão judicial em apreço, estão comemorando tendo em vista a expressão “com efeitos prospectivos.”
Ou seja, salvo melhor juízo, a inconstitucionalidade não atingiria as situações já consolidadas com base na Lei declarada inconstitucional.
Só que, infelizmente, o Desembargador Relator, escreveu em seu voto aquela expressão “com efeitos prospectivos”, mas não fundamentou esta expressão no que se refere à modulação dos efeitos da decisão.
Ele talvez não tenha fundamentado essa modulação porque essa fundamentação não constou do parecer do Ministério Público, que ele acatou na íntegra.
No entanto, ele deve ter colocado em seu voto aquela expressão em resposta às petições do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro – SEPE/RJ e da ASSOCIAÇÃO SOLIDÁRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DA PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – ASSOLIDÁRIA, que solicitaram, subsidiariamente, que sendo considerada inconstitucional a referida Lei que fossem modulados os efeitos da decisão com atribuição do efeito ex nunc.
Mas aquela falta de fundamentação, abriu espaço para que o Partido Novo, a Câmara Municipal ou a Prefeitura possam entrar, inicialmente, com Embargos de Declaração, pois estes se destinam a:
1) esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
2) suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
3)corrigir erro material.
Nesses Embargos, seria solicitado ao TJRJ que:
1) apresente a fundamentação legal para a decisão quanto aos efeitos prospectivos;
2) esclareça qual o marco temporal para o início dos efeitos prospectivos. As datas do julgamento, da publicação da ata do julgamento, da publicação do acórdão ou do trânsito em julgado da ação ?
Quanto à imprescindibilidade de fundamentação nas decisões judiciais, veja abaixo o que diz a legislação:
1) Constituição Federal:
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(…)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,(…);”
2) Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB
“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”
3) Código de Processo Civil – CPC
“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
(…)
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
(…)
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
(…)
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
(…)
§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;”
4) Lei nº 9.868, de 1999 – Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Depois da decisão desses Embargos de Declaração, o Partido Novo ainda poderá entrar com um Recurso Extraordinário no STF questionando a modulação dos efeitos.
Ou seja, a decisão final sobre essa questão ainda pode demorar muito tempo.
Mas uma coisa é certa, a declaração da inconstitucionalidade da LC sob apreço não será revista no TJRJ e nem no STF, pois a decisão sobre isso foi muito bem fundamentada.
Vale destacar um problema que alguns colegas ainda poderão ter, pois me informaram que algumas Secretarias, por causa da Representação de Inconstitucionalidade, sobrestaram a tramitação de processos de colegas que pediram incorporação antes da decisão judicial que declarou a inconstitucionalidade.
Assim sendo, se a decisão final for a de que as situações consolidas antes da declaração de inconstitucionalidade são válidas, a Procuradoria-Geral do Município – PGM poderá ter duas posições para decidir sobre a questão:
1) dar o direito à incorporação para os colegas que protocolaram o pedido antes da declaração de inconstitucionalidade, pois o deferimento do direito só não foi efetivado por culpa da administração que sobrestou sua tramitação; ou
2) indeferir o pleito porque ele não foi finalizado antes da declaração de inconstitucionalidade.
Como todas as duas opções podem ser justificadas juridicamente, torço para que a PGM opte pela primeira.
Vamos aguardar os próximos capítulos desta questão.
1) https://diariodorio.com/antonio-sa-uma-acao-contra-a-manutencao-da-incorporacao-na-pcrj/
2) https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004B0A8CF970A53EC743E83547BBB552D93C51555231857&USER=
Antônio Sá: Fiscal de Rendas aposentado do Município do Rio de Janeiro, Ex- Subsecretário de Assuntos Legislativos e Parlamentares do Município do Rio de Janeiro Bacharel em Direito e Economia.
Boa tarde! Esse julgamento repercute no caso dos 140 pontos da Fazenda e CGM?
Prezado Paulo, não repercute. São gratificações e leis diferentes. Um abraço. Antônio Sá
Prezado Antônio Sá.
Só hoje li seu precioso artigo. Fui exonerado do cargo na prefeitura no dia 1 de dezembro de 2023, 3 dias antes da decisão desfavorável do TJ. Estava há pouco mais de 4 anos no cargo e logo que saí, dei entrada no processo que se encontra sobrestado, aguardando posição da Procuradoria (é a informação que está último despacho do processo). Vc tem ideia de quanto tempo demora para sair essa decisão da procuradoria?
Prezado Carlos, que bom saber que o artigo foi de seu agrado.
Quanto a seu questionamento, temos que esperar a decisão judicial quanto aos embargos de declaração do Novo e da PGM. Leia sobre esses embargos no meu artigo no sítio https://diariodorio.com/antonio-sa-novo-capitulo-lei-da-incorporacao-e-inconstitucional/
Veja abaixo a informação sobre o assunto que encaminhei no sábado para os destinatários de minhas listas de mensagens:
“ *NÃO TEMOS NENHUMA NOVIDADE NA TRAMITAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CONTRA A LEI DA INCORPORAÇÃO DOS CARGOS EM COMISSÃO E ASSEMELHADOS*
Como alguns colegas têm me perguntado, informo que não temos novas notícias sobre a ação em epígrafe.
Desde o protocolo dos dois embargos citados no meu artigo abaixo publicado no DORIO, só tivemos, no dia 11/1/2024 uma petição do Ministério Público comunicando a ciência do acórdão da decisão judicial sobre o assunto.
Assim sendo, ainda temos que esperar a decisão judicial sobre aqueles dois embargos.
Um abraço, Antônio Sá”
Um abraço. Antônio Sá
Quando saiu a EC 103/2019 estava recebendo chefia e face a LC 212/2019 optei por não pedir a incorporacao proporcional uma vez que em Maio de 2024 completarei 15 anos interpolados recebendo chefia. Continuo recebendo a chefia até hj . O que faço ? O que vai acontecer agora ? Pode ajudar ?
Prezada Sônia, já te respondi na resposta que te enviei antes. Um abraço. Antônio Sá
Não solicitei a incorporação proporcional e agora em maio 2024 completo 15 anos interpolados de chefia. Tô com muito medo de não incorporar nada agora .
Prezada Sônia, que chato isso. Temos que aguardar a decisão do TJRJ quanto aos embargos de declaração da Prefeitura. Nela, ficará clara qual a modulação dos efeitos da decisão do Tribunal sobre o assunto. Se você solicitar a incorporação proporcional agora, que seria uma saída, a Prefeitura vai sobrestar seu processo esperando a decisão judicial. Mas uma coisa é quase certa, a modulação não deverá permitir mais incorporações depois daquela decisão. Destaco que a CMRJ, corretamente, na minha opinião não cumpriu essa lei, mas concedeu de ofício (sem que os interessados solicitassem) a incorporação proporcional para todos seus funcionários na data da publicação da Emenda Constitucional. Sucesso e Paz no Ano Novo. Um abraço. Antônio Sá
Prezado Antonio Sá, seus excelentes artigos estão sendo acompanhados por muitas pessoas, eu sabia desde o início que essa lei era insconstitucional, mas faltava saber a partir de quando seus efeitos seriam suspensos ou anulados na pcrj, me parece que a câmara foi o órgão que agiu com mais correição, não lhe parece a mesma coisa? Saudações.
Prezado Guilherme, que bom saber que meus artigos estão sendo úteis para os colegas. Sim, concordo plenamente contigo. Já na época do PLC, eu falava que isso era inconstitucional. A minha recomendação era para que as pessoas incorporassem proporcionalmente, garantindo então algo, e estivessem renomeados no dia da publicação da LC para arriscar ganhar mais com a nova lei. E, antes da decisão judicial, eu também recomendava a incorporação proporcional, pois a decisão com certeza seria pela inconstitucionalidade.
Sim, eu falo também isso para todos. A CMRJ agiu da melhor maneira possível, fazendo para todos os colegas de lá, de ofício, a incorporação proporcional considerando a data da EC nº 103/2019 e não cumprindo a lei depôs dessa data.
Eles estão de parabéns.
Um abraço. Antônio Sá
Ah, Guilherme, faltou falar que, sim, a preocupação agora é ver como ficará a modulação dos efeitos da decisão judicial. Inclusive, publiquei há pouco neste Diário do Rio tratando disso. Um abraço. Antônio Sá
O Partido Novo (que de Novo, não tem nada, pois pratica a política do tempo da ARENA), e seu representante, sr Pedro Duarte, deveria se ater a fiscalizar as verdadeiras mazelas, como problemas com a guarda municipal, hospitais, clínicas da família e UPAs, além dos famosos cabides de emprego da CMRJ, que não tem coragem de propor legislação que corte na carne de seus pares. Ou então propor legislação regulatória dos PCCS da saúde e educação, até hoje apenas com o decretos de implantação, mas a regularização de como os níveis seriam implementados até hoje.
Mas como possuem (o partido em si) uma sanha em atacar o servidor público no geral, para previlégio da iniciativa privada, esperar o que destes????
Prezado Lauro, Grato pela informação complementar. Um abraço. Antônio Sá