Aqui se planta, aqui se colhe: a agricultura urbana e sua importância na saúde da população e no enfretamento à crise climática

A cidade do Rio de Janeiro tem aproximadamente 7% do seu território dedicados à agricultura e muitas atividades nesse setor estão funcionando atualmente

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Projeto Arte Horta e Cia. Foto: Felipe Lucena

Comida na mesa, plantas em casa, árvores nas ruas. Muita gente não sabe, mas parte considerável do que nos alimenta, purifica nosso ar e embeleza ambientes é resultado de trabalho feito em terras localizadas na cidade do Rio de Janeiro, na capital do estado. Literalmente, aqui se planta e aqui se colhe.

De acordo com dados mais recentes divulgados pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-Rio), existem cerca 1.500 agricultores – cadastrados junto ao Ministério da Agricultura –, que se dedicam ao comércio de produtos rurais, trabalhando no município do Rio.

Vale ressaltar que além destes trabalhadores da terra registrados, há uma infinidade de famílias nas regiões urbanas e periurbanas se dedicando cada vez mais à produção de alimentos para a própria sobrevivência, em hortas comunitárias, coletivas, e até nos próprios quintais.

“O que colho aqui é para minha família e para ser vendido em feiras pela cidade. Planto alface, beringela, cebolinha. Tudo aqui na minha terrinha”, contou Guilherme de Souza, que mora no bairro de Vargem Grande, Zona Oeste da cidade do Rio.

O mesmo relatório da Emater mostra que a maioria desses lavradores urbanos (975) do Rio se concentra na chamada Área de Planejamento (AP) 5 , que compreende localidades das regiões de Bangu, Realengo, Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba; na AP4 (380), entre os territórios de Jacarepaguá, Cidade de Deus e Barra da Tijuca; na AP3 (115), entre Inhaúma, Madureira, Penha, Vigário Geral, Anchieta, Pavuna, Irajá, Méier, Ramos e Ilha do Governador; e AP2 (35), entre Tijuca, Vila Isabel e Rocinha, em São Conrado.

A Emater também destaca que a agricultura orgânica e agroecológica tem registrado aumento em torno de 15% a 25 % ao ano no Rio de Janeiro. Segundo especialistas de diversas áreas, os alimentos orgânicos são extremamente importantes para uma alimentação balanceada. Por não serem cultivados com componentes químicos, como agrotóxicos, antibióticos e fertilizantes, eles não oferecem nenhum resíduo desses compostos para o nosso organismo, sendo mais seguros para a saúde.

Um exemplo que colabora para esse crescimento da agricultura orgânica na cidade do Rio se encontra em Jacarepaguá, na antiga Colônia Juliano Moreira. No local, onde por muitos anos funcionou um pavilhão do antigo hospital psiquiátrico, hoje há um trabalho voltado à agricultura urbana. O projeto Arte Horta e Cia, que existe desde 2007, atende pessoas em tratamento de saúde mental e demais membros da comunidade da região. A ideia é produzir alimentos em uma área de cerca de 2 hectares de terra.

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Foto: Felipe Lucena

Esses alimentos são utilizados no preparo da comida do bistrô localizado no complexo do Museu Bispo do Rosário, que também comporta instalações da Prefeitura da Cidade do Rio, além de ser próximo à Fiocruz Mata Atlântica, que está situada em uma área de aproximadamente 500 hectares, localizada no Maciço da Pedra Branca. Parte do que é produzido pelo Arte Horta e Cia também é comercializado entre os moradores da área, gerando circulação de renda local.  

Em meio à essa iniciativa, desde de 2022 acontece um curso de agroecologia na região, cujo o foco é o manejo dos agroecossistemas com base em técnicas e princípios sustentáveis e o fortalecimento da comunicação entre agricultoras e agricultores urbanos.

São duas turmas por ano, uma por semestre. O perfil dos alunos é bem variado. Estudantes de muitas áreas, pessoas que já foram tratadas no hospital psiquiátrico que funcionou aqui, gente que trabalha com agricultura. É muito comum as pessoas aqui da região, que fazem o curso, falarem que estão muito felizes, porque quando eram mais novos tinham contato com a terra, plantavam, e agora estão voltando a ter esse convívio“, destaca Marcelle Souza, coordenadora do projeto Arte Horta e Cia.

O projeto e o curso estão em total conexão com outras iniciativas, como o Hortas Cariocas e a Rede Carioca de Agricultura Urbana. A ideia é ampliar as ações e tornar toda a iniciativa sustentável, uma vez que o lugar em questão – desde os indígenas –, passando pelo ciclo da cana-de-açúcar, sempre teve vocação e solo fértil para agricultura. Nos anos 1990, quando o complexo do antigo hospital psiquiátrico foi municipalizado, já eram realizadas atividades voltadas à agroecologia por lá.

Hortas Cariocas

Espalhadas por quase 25 hectares de terras pela cidade do Rio de Janeiro, as Hortas Cariocas são responsáveis pela produção de cerca de 70 toneladas de alimentos orgânicos por ano. São quase de 3 mil e oitocentos canteiros onde são plantados espinafre , chicória, salsa, berinjela, rúcula, alface, cebolinha, couve, entre outros alimentos e plantas.

O programa estimula a educação ambiental entre os estudantes, promove a capacitação em agroecologia e segurança alimentar e difunde tecnologias para a agricultura urbana. O objetivo é ampliar o acesso da população mais vulnerável a alimentos saudáveis e orgânicos, promover a geração de renda para pessoas mais pobres e ocupar áreas vazias sujeitas a usos indevidos.

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Foto: Marco Antonio Rezende / Prefeitura do Rio

Atualmente, em torno de 300 pessoas trabalham diretamente nas hortas, que são distribuídas pelas zonas Oeste (26), Norte (22), Sul (5) e Centro (3). Ao todo, são 56 unidades. Dessas, 29 hortas em comunidades e 27 na Rede de Ensino Municipal. Os profissionais recebem R$ 1 mil, R$ 630 ou R$ 500, de acordo com a função realizada, através de bolsas-auxílio fornecidas pela Prefeitura da cidade do Rio. A iniciativa é de responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade (SMAC).

“O Hortas Cariocas é um programa que alia a segurança alimentar com a geração de renda para pessoas em situação de vulnerabilidade. O mais importante desse projeto é poder levar alimento de qualidade para a mesa dessas pessoas e o Programa também se torna uma fonte de renda para as famílias”, afirmou Tainá de Paula, secretaria municipal de Meio Ambiente e Clima.

Metade da produção do Hortas Cariocas é doada para asilos, abrigos, orfanatos, creches e famílias em situação de maior vulnerabilidade, identificados pelas associações de moradores. A outra metade é comercializada pelos que participam da produção.

Mais árvores para conter os danos da crise climática

Tanto para reduzir o calor extremo quanto para ajudar a segurar os estragos que surgem durante fortes chuvas, o plantio de árvores é consenso entre os estudiosos do tema para a minimizar as consequências da crise climática. Embora não seja a única solução, é preciso frisar.

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Foto Edvaldo Rio. Campo de Santana, localizado no Centro da cidade

Diretor Regional Sudeste da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, Flávio Telles aponta que é preciso promover plantios nas áreas de estacionamento de supermercados, shoppings e empresas; preservar nas áreas verdes já existentes; aumentar o número de árvores em praças e parques; conservar as árvores grandes, pois são elas que trazem mais benefícios ambientais; aumentar o número de plantios nas ruas onde isso é possível; engajar a população no plantio e na manutenção das árvores da Cidade; aumentar o número de áreas verdes na cidade através de corredores verdes, renaturalização de rios e manutenção e construção de novos parques; implementar e proporcionar que os proprietários mantenham áreas verdes nos lotes através de redução de IPTU e implementar RPPN municipais e evitar o manejo que descaracteriza as árvores por redes aéreas.

“O ideal seria que num futuro próximo tivéssemos algo como professor honorário de silvicultura urbana da University of British Columbia Cecil, Van der Konijnendijk. Ele propõe em seus artigos que precisamos ter 3 – 30 – 300. A ideia é que você, ao olhar de casa, veja 3 árvores, que os bairros tenham 30% de área verde e exista uma área verde a 300m de sua casa. E eu diria que se não houver uma união entre o Poder Público, a sociedade e as entidades, nós não iremos mudar a situação atual de nosso município”, disse Telles.

Ainda há muito o que se plantar

Para além da agricultura de alimentos mais saudáveis e o plantio de árvores no enfrentamento às consequências da crise climática que já vem causando mortes e danos patrimoniais no Rio de Janeiro, outra modalidade de cultivo urbano também está ganhando relevância, mesmo que sem tanto destaque.

Vice-presidente da ANNAMA (Associação Nacional dos Órgãos Municipais de Meio Ambiente), entidade que tem como principal objetivo fortalecer os municípios para a implementação de políticas ambientais que preservem os recursos naturais e melhorem a qualidade de vida dos cidadãos, Antonio Marcos Barreto acredita que faltam incentivos públicos a certas iniciativas, como uma que acontece em Guaratiba, na Zona Oeste da cidade.

“Lá, existe um verdadeiro polo de plantio e comercialização de orquídeas que está crescendo muito. Tudo acontece sem grandes apoios do poder público. Se casos como esse tivessem mais ajuda, com certeza seria melhor para todos. Geraria renda, emprego. Isso sem contar o evidente ganho ambiental que esse tipo de trabalho gera”, pontua Antonio Marcos.

O jornalista especializado em meio ambiente, Emanuel Alencar também acredita que o município do Rio de Janeiro pode fazer mais em prol da agricultura urbana: “O Rio tem aproximadamente 7% do seu território dedicados à agricultura, e isso tem raízes históricas. Não podemos simplesmente considerar todas as áreas como urbanas, penalizando esses produtores. A baixada de Santa Cruz, com produção de quiabo e aipim, é uma potência. Mas o modelo de expansão da cidade vem destruindo essas dinâmicas. É um contrassenso em tempos de inflação de alimentos e necessidade de se colocar comida barata e de qualidade na mesa das pessoas. Curioso é que o novo Plano Diretor cita ‘agroecologia’, mas na prática essa luta pelo reconhecimento das áreas rurais continua. É preciso que esse seja um tema da sociedade, pressionando os gestores públicos”.

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