Imagem: São Bento em madeira policromada/ século XVIII. Localizado pelos técnicos do IPHAN/RJ na fiscalização do aviso de leilão da coleção Emanoel Araújo. Foto: Arquivo Noronha Santos/IPHAN.
Nem sempre a estética e a ética estão na mesma página da história. Para exemplificar esse ponto, lembro sempre de um conto que ouvi de uma professora querida sobre as três cores da bandeira francesa: em meio a uma nevasca, uma testemunha avistou dois pontos coloridos muito destacados na imensidão branca: o azul e o vermelho.
Naquele momento, ela pensou o quanto a cena era bonita e como essa combinação tricolor entre branco, vermelho e azul harmonizava bem, sem entender, de fato, o que estava acontecendo.
À medida que se aproximava, a testemunha percebeu que o azul era, na verdade, a roupa usada por um ciclista que acabara de se acidentar. O vermelho era seu sangue…
Foi então que a ética entrou em cena, interferindo inclusive no juízo estético final, agora com o conhecimento de tudo o que havia ocorrido.
O mesmo exemplo pode ser aplicado à preservação cultural. Nem tudo o que aparentemente é uma benfeitoria ou que pode harmonizar bem é, necessariamente, o correto a ser feito.
É por isso, por exemplo, que os bens protegidos não devem ser restaurados ou reformados com base apenas na necessidade de melhorias estéticas, sob o risco de, mesmo com boas intenções, partes fundamentais do edifício ou objeto se perderem para sempre.
A mesma preocupação ética deve orientar, por exemplo, as diligências das procuradorias e das instâncias policiais em relação à circulação de bens com restrição, lembrando que a retirada de objetos de coleções tombadas configura a infração de mutilação, conforme o Decreto-Lei 25/1937.
Não obstante, não se deve retirar de circulação bens sem um respaldo comprobatório suficiente de que determinada peça pertence à coleção tombada, nem se pode, sob o pretexto de fazer justiça com celeridade, transportar esses itens sem o devido cuidado e a autorização do órgão tombador, evitando, assim, que, em nome da lei e do êxito, se deprecie aquilo que devemos preservar com o máximo de cuidado: o nosso patrimônio cultural.
Nesse sentido, é importante que todas as partes envolvidas se atentem à tarefa básica de discernir claramente os limites entre ética e estética, de modo que atuem respeitando seus papéis (e, principalmente, respeitando o patrimônio cultural), para alcançar novos feitos bem-sucedidos sem colocar nenhum bem em risco.