“Posso morrer pelo meu time. Se ele perder, que dor, imenso crime. Posso chorar se ele não ganhar. Mas se ele ganha não adianta, não há garganta que não pare de berrar“. O trecho é da música “É uma partida de futebol”, da banda Skank, mas o sentimento é compartilhado por muitos torcedores. No Rio de Janeiro, assim como em todo o Brasil, a paixão pelo futebol é uma característica marcante. Em dias de jogos importantes, as ruas cariocas ganham as cores da bandeira do clube e os gritos de torcida se tornam frequentes.
Mais que um simples esporte, o futebol mexe com as pessoas e proporciona momentos inesquecíveis. No Rio de Janeiro, entre os muitos clubes existentes, quatro se destacam e são para seus torcedores a causa da alegria nas vitórias e da tristeza nas derrotas: Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco da Gama. Entre altos e baixos, as torcidas podem até sofrer, mas não abrem mão dessa paixão. E em muitas das vezes, a escolha vem de casa mesmo, passada dos pais para os filhos, como foi o caso de Aline Bordalo:
“Eu já nasci botafoguense. A lembrancinha da maternidade quando eu nasci era uma fraldinha com o escudo do Botafogo. Minha família é toda botafoguense e eu fui crescendo e a minha paixão pelo clube foi crescendo também. Eu era sempre zoada na escola, porque eram pouquíssimos torcedores do Botafogo, mas eu tive a sorte de viver também a era vitoriosa na década de 90”, relatou.
Carina Quitete, tricolor apaixonada, explicou que a paixão veio do pai de consideração, que faleceu em 2001, mas era torcedor fanático: “Quando eu era pequena, acho que uns 5 anos de idade, dizia que era Vascaína junto com minha mãe, mas um dia resolvi pedir pra ela me deixar ser Fluminense, igual meu pai e minha irmã gêmea. Ela disse que não tinha problema e até hoje sou tricolor com muito orgulho”.
Sua irmã gêmea, Camila Quitete, compartilha da mesma paixão, também incentivada pelo pai: “Quem me fez tricolor de fato foi o meu pai, que se foi em 2001. Lembro de poucas coisas, mas ele tinha tudo do Fluminense: bandeira, roupas, sandália, canecas, chaveiros. Desde essa época eu aprendi a torcer pelo meu time, secar os rivais, ter orgulho de afirmar que sou tricolor”, disse.
Mas nem sempre é assim que se começa a acompanhar o esporte… Apesar de ser torcedor de um clube carioca, o Botafogo, a paixão por futebol de Nícholas Franco surgiu em uma Copa do Mundo. Ele se recorda da família acordando muito cedo ou durante a madrugada para assistir aos jogos em 2002.
Anos depois, o amor pelo futebol permaneceu a ponto de influenciá-lo nas escolhas profissionais: Nícholas se tornou jornalista esportivo, criou o “Pautas & Táticas”, um canal no YouTube para falar sobre o esporte, e conta que um dos seus momentos mais emocionantes enquanto torcedor foi vivido durante o trabalho:
“Eu tenho alguns momentos marcantes em relação ao futebol carioca, mas vou falar de um recente: o primeiro jogo do meu clube de coração que eu cobri em um estádio. Foi o jogo do acesso à série A, agora em 2021. Foi a primeira vez que eu trabalhei em um jogo do Botafogo e foi muito, muito emocionante”, contou. Segundo ele, no momento da vitória, sem poder comemorar durante a cobertura, a voz embargou e o choro foi de emoção: “Eu estava na área de imprensa, de frente para o setor mais lotado. O Botafogo começou perdendo o jogo e precisou virar. No momento do segundo gol, o gol da vitória, segurar o grito foi uma das coisas mais difíceis da minha vida. Eu vi a torcida explodindo na minha frente e eu não podia fazer nada, tive que manter a compostura por causa do trabalho, estava no meio da transmissão… e a emoção que não saiu como grito acabou saindo pelos olhos, com as lágrimas… acabei não conseguindo segurar a emoção”.
E lembrança emocionante não falta no futebol. Alexandre Araújo sempre foi muito apaixonado pelo Fluminense, mas sua fama de pé-frio criou um momento memorável: “Fui morar em São Paulo com 8 anos de idade e sempre acompanhei o clube, ia nos jogos em SP e esporadicamente vinha para o Rio ver os jogos. Em 91 vim ver a semifinal do Brasileiro, o Fluminense perdeu para o Bragantino; 92 e 93 eu também vim e o Fluminense sempre perdendo. Meus amigos aqui do Rio começaram uma campanha para eu não vir mais, porque eu tinha fama de pé-frio”.
Mas, torcedor apaixonado, não tinha campanha que impedisse Alexandre de ir ao estádio. Dessa forma, em 1995 ele veio ao Rio assistir a final do campeonato estadual. O Fluminense venceu, mas ele não esteve presente no momento do gol: ele tinha descido a rampa do Maracanã e estava rezando.
“No dia do jogo, um grande amigo, Bernardo, me encontrou, me levou para a igreja e falou: ‘vai no jogo, mas tem que passar na igreja antes’. Eu não sou muito religioso, mas mesmo assim fomos lá e rezamos antes de ir para o Maracanã. O Fluminense começou ganhando por 2 a 0. O Flamengo empata e todos os meus amigos começam a me olhar, falando que estava na hora de eu sair do estádio porque o Fluminense ia perder o título por minha causa. Aí eu decidi sair do Maracanã junto com o Bernardo, o amigo que me levou para a igreja”, contou. Ao sair, eles decidiram dar as mãos e rezar um “Pai Nosso”, que acabou atraindo mais pessoas.
“Saímos, descemos a rampa do Maracanã, chovia a beça, estava mais ou menos em 40 minutos do segundo tempo… a gente deu as mãos e começou a rezar um ‘Pai Nosso’. Mas muita gente já estava saindo do estádio, né, a gente ia perder o título… quando eu abri o olho, o ‘Pai Nosso’ tinha aumentado o volume, tinha umas 100 pessoas na roda. Conforme as pessoas foram descendo, elas foram dando as mãos e a roda foi aumentando… e tinha um vendedor de cachorro-quente ali perto com um radinho sintonizado na transmissão do jogo. De repente a gente ouviu o grito de gol junto com os gritos da torcida no estádio. Mas a gente não sabia de quem tinha sido o gol, do Flamengo ou do Fluminense. Ficou um silêncio na roda, até que o narrador completou: ‘do Fluminense’. Quando ele falou isso, metade da galera se jogou no chão e mergulhou na poça de lama que tinha lá, metade começou a correr sem destino, de um lado para o outro, e uma outra parte tentou subir a rampa e terminar de ver o jogo (obviamente não conseguiram). A gente ficou comemorando do lado de fora. Acabou que manteve minha fama de pé frio e esse ‘Pai Nosso’ ficou imortalizado na memória de quem estava lá”, disse Alexandre, recordando o momento inesquecível.
Para o vascaíno Lucas Angelo, uma visita ao estádio também foi marcante: ele quase não conseguiu assistir o que seria seu primeiro jogo em São Januário.
“Minha primeira vez em um estádio foi um tanto inusitada porque meu pai se atrasou para me levar a um jogo do Vasco em São Januário e não conseguimos comprar o ingresso na hora. Lembro que eu chorava decepcionado de ter que adiar minha primeira ida ao estádio, tinham centenas de pessoas passando pela mesma situação, foi aí que o então Presidente Eurico Miranda ordenou que abrissem os portões para o acesso gratuito ao estádio, dei muita sorte”, contou.
Lucas também jogou na base do Vasco, uma experiência que, para ele, foi inesquecível: “Acho que um momento marcante da minha vida foi ter conseguido realizar um sonho de jogar na base do Vasco, meu time de coração, ter tido a oportunidade de andar pelos corredores de São Januário todos os dias, treinar com os profissionais e ver de perto um pouco do cotidiano dos meus ídolos Juninho Pernambucano e Felipe Maestro” relata.
O futebol impacta tanto na vida de quem ama o esporte que alguns casais fizeram questão de levar sua paixão para o momento do “sim”. Foi o caso dos jornalistas Karina Pinheiro e Rogério Almeida, que, sem querer, marcaram o casamento no mesmo dia de uma decisão importante para o Flamengo, clube de coração do casal.
“Quando saiu a data oficial da final da Libertadores, a gente já estava com a nossa cerimônia marcada. O Rogério ficou louco, falando que a gente ia casar no dia do tricampeonato, foi uma empolgação só. Eu gostei muito, até porque uma das coisas que nos aproximou foi o futebol, mas eu também fiquei preocupada, porque sabe como é o Rio de Janeiro em dia de jogo do Flamengo, né?! Fica tudo uma loucura. Então eu fiquei preocupada com a logística dos convidados, mas não tinha o que fazer. A gente avisou aos convidados que teria uma TV para assistir o jogo e deixamos todo mundo despreocupado quanto a isso”, explicou Karina.
“A gente ficou doido, até porque a gente começou nossa relação indo para o Maracanã. Nosso primeiro beijo foi depois de um jogo, então tinha tudo a ver”, disse Rogério, antes de completar:
“A cerimônia estava marcada exatamente para o horário do jogo, então tivemos que antecipar para assistir, e foi uma farra. Uma gritaria na hora do gol, parecia um estádio de tanto grito. No final o Flamengo acabou perdendo, aí a galera bebeu para esquecer”, brincou.
O resultado do jogo não atrapalhou a festa: “infelizmente o Flamengo perdeu. Quando teve o empate foi aquela gritaria, a gente estava no meio da festa, saímos correndo para ver o lance. O jogo foi para a prorrogação, mas não teve jeito. Mas a gente ficou com bastante história, as pessoas vão lembrar disso, que viram o jogo no casamento do Rogério e da Karina”, finalizou a noiva.
E Rogério completou: “Só faltou o ‘tri’ para completar o dia. Mas é o ditado: ‘azar no jogo e sorte no amor’”.
Já a botafoguense Jéssica Barreto abriu mão da tradicional festa de 15 anos para ver seu time do coração jogando no dia: “Nos meus 15 anos, meu pai perguntou se eu queria uma festa e eu disse que não, porque eu teria jogo do Botafogo no dia e eu queria ir para o jogo. E foi o que eu fiz, larguei a festa de mão, fui para o estádio e foi incrível.
Aline Bordalo (a que contou que nasceu botafoguense) e Alexandre Araújo (o que rezou o Pai Nosso no título do Fluminense), ambos jornalistas esportivos, levaram o altar para dentro do estádio, sendo deles o único casamento realizado no Maracanã. O casal foi convidado pela revista “Inesquecível Casamento”, que faria uma cerimônia fake no Maracanã para uma edição especial, e, claro, aceitou. O estádio foi iluminado em azul e o altar foi montado de frente para o gramado. Um cenário marcante para todos presentes e inesquecível para os noivos.
“Até quem não gosta de futebol ficou impactado, porque foi uma imagem muito linda e nunca vista antes”, disse Aline.
O casal compara a sensação de ter se casado no estádio com a de um jogador fazendo o gol do título nos 45 minutos do segundo tempo.
“A sensação de casar no Maracanã foi extremamente feliz, porque a gente estava em um palco que a gente sempre frequentou e eu estava casando com a mulher da minha vida. Então foi uma cerimônia muito bonita, que causou inveja em muita gente, porque muita gente queria casar no Maracanã e a gente teve essa oportunidade e não pagamos nada por isso”, contou Alexandre.
Aline falou ainda sobre a sensação de entrar no Maracanã após o casamento: “Entrar no Maracanã depois do meu casamento foi muito especial, porque não tem como eu entrar lá sem lembrar daquele dia. Um dos dias mais importantes da minha vida, sem dúvidas, um dos mais lindos, mais emocionantes… quando eu entro lá eu me sinto parte do estádio, eu sinto que eu faço parte da história dele, porque eu fui a única noiva a casar ali. Então quando eu entro no Maracanã, eu sinto que eu estou em casa, que é meu segundo lar mesmo”.
Outro momento de grande emoção para um torcedor é conhecer um ídolo. Erick Soares, flamenguista apaixonado, viveu esse momento ao conhecer o jogador Zico:
“Quando eu conheci o Zico, eu não conseguia falar. Eu planejei tanta coisa para quando isso acontecesse, falei que ia pedir para gravar vídeo, tirar foto… mas quando eu vi aquele cara que eu via os vídeos, que eu cresci ouvindo minha família falando, eu simplesmente travei”, relembrou.
E a paixão dele pelo esporte não se limitou à modalidade masculina: “Desde que eu me entendo por gente, a minha família é apaixonada por futebol. Minha tia chegou a ter um time de futebol feminino, então já cresci com isso, aprendendo a amar o esporte e sabendo que é para todos. Tem muito isso de ‘futebol não é para mulher’, mas eu cresci sabendo que não é nada disso. Tive a experiência desde novinho de ir aos jogos de futebol feminino e cheguei a conhecer até a Marta. Isso acrescentou muito nessa minha paixão e nesse carinho pelo esporte”.
A mesma emoção que Erick viveu ao conhecer Zico foi sentida pela jornalista e vascaína Lorena Moreira, que até tentou adiar o encontro com o ídolo Edmundo, devido ao nervosismo, mas também viveu esse momento inesquecível.
“Eu era estagiária do Fox Sports e toda sexta-feira o Edmundo ia no meu horário fazer um programa no qual eu ajudava. Eu sempre ficava na sala de controle do programa e ele no estúdio, eram andares diferentes, mas ele sempre ficava resenhando na redação quando terminava. Por meses, eu esperava muito tempo para subir porque não imaginava esbarrar com ele. Uma vez, uma amiga minha, ‘armou’ com ele que tinha uma vascaína que sempre fugia e tal, aí ela me chamou pra beber água e lá estava o Ed. Eu simplesmente não me movi, fiquei igual uma criança, aí ele apertou meu rosto e tiramos uma foto. A única coisa que consegui falar foi: ‘Obrigada por 97, meu pai agradece sempre’”, lembrou Lorena.
A emoção às vezes é tanta que explode em forma de choro, como disse Marroni Alves, torcedor do Fluminense: “Acho que o momento mais marcante do futebol na minha vida, foi a derrota do Fluminense para a LDU na final da Libertadores de 2008. Se eu fechar meus olhos, me vem a cena do Washington batendo o pênalti, o goleiro da LDU defendendo e o narrador anunciando a LDU campeã. O silêncio no Maracanã e muito choro de frente à televisão. Foi a primeira vez que chorei por futebol. No dia seguinte, haja espírito esportivo para aturar os colegas do colégio”.
Seja no choro ou na alegria, a torcida apoia o clube, independentemente da circunstância. E é exatamente por isso que o futebol é tão apaixonante. Ao passar um dia andando no Rio, é difícil não passar por ao menos uma pessoa vestindo a camisa do time de coração. O motivo é simples: o futebol é uma paixão carioca.
*Colaborou nesta reportagem: Raphael Fernandes