Em uma viagem recente ao Reino Unido, observei alguns aspectos que chamaram minha atenção e revelam detalhes do funcionamento das cidades que visitei. Sempre que viajo, busco conhecer a fundo o cotidiano e as particularidades do lugar, notando como os locais vivem, suas preferências e as práticas que adotam. Desta vez, deparei-me com iniciativas e curiosidades que vão desde o incentivo ao uso de veículos elétricos até peculiaridades nas políticas de publicidade e no comportamento de consumo.
1. Preferência por Pagamentos com Cartão
Em muitas lojas, restaurantes e hotéis, há uma forte preferência por pagamentos com cartão, com alguns estabelecimentos aceitando exclusivamente essa forma de pagamento. Logo na entrada desses locais, costuma haver um aviso indicando que somente cartões são aceitos, sem possibilidade de pagamento em dinheiro. Esse movimento “cashless” (sem dinheiro em espécie) reflete a crescente transição para transações digitais no país, que muitos estabelecimentos veem como mais práticas e seguras. Sem falar que isso ajuda no combate à sonegação fiscal e à lavagem de dinheiro. A expressão “lavagem de dinheiro” se refere ao processo de legalização de ativos provenientes de atividades ilícita, que procura dar aparência legal a fundos obtidos ilegalmente, integrando capitais de origem criminosa na economia formal.
Em algumas ocasiões, presenciei clientes tendo que deixar restaurantes por não possuírem um cartão habilitado, o que mostra como essa prática pode impactar turistas e clientes que ainda dependem de dinheiro em espécie.
2. Publicidade nas Estradas: Baús de Caminhão como Artifício
Nas estradas britânicas, é raríssimo encontrar outdoors tradicionais, devido a regulamentações que visam a evitar a poluição visual e a permitir que os motoristas apreciem a paisagem sem interferências publicitárias. Essa política contribui para um ambiente mais limpo e menos distrativo para quem dirige. No entanto, observei uma prática curiosa: algumas poucas empresas tentam contornar essa regra usando baús de caminhões estrategicamente estacionados ou “abandonados” em terrenos próximos às rodovias para exibir anúncios. Embora limitada e discreta, essa estratégia representa uma tentativa de expor as marcas desrespeitando a legislação de forma sub-reptícia.
3. Serviços de Transporte: Táxis Uber
Em cidades como Londres, observei a presença de um serviço inusitado: “táxis Uber”. Impressionado com essa integração, decidi pesquisar mais sobre o assunto e descobri que a Uber e os tradicionais táxis pretos de Londres, os icônicos Black Cabs, firmaram uma parceria estratégica. Anunciada em novembro de 2023, essa colaboração permite que os motoristas de táxi preto se inscrevam para receber pedidos de corrida através do aplicativo Uber, e os passageiros agora podem solicitar diretamente esses táxis pelo app, com estimativas de preço antecipadas.
Essa parceria não apenas expande a rede de transportes em Londres, mas oferece benefícios adicionais para os taxistas, incluindo taxa de comissão zero nos primeiros seis meses. Muitos taxistas veem essa integração como uma vantagem. Segundo ele, as reservas pelo aplicativo garantem maior previsibilidade, permitindo que o motorista saiba o próximo destino sem a necessidade de circular procurando passageiros. A colaboração também atende à crescente demanda dos passageiros, que cada vez mais utilizam aplicativos para transporte.
Os icônicos táxis pretos de Londres, conhecidos como “hackneys”, são uma parte importante da cultura da cidade e seguem tradições como o famoso exame “The Knowledge”, um teste exigente que os motoristas realizam para memorizar a extensa malha de ruas e pontos turísticos de Londres. Com a parceria, a Uber expandiu sua base de serviços e ajudou a reduzir a concorrência acirrada que enfrentava desde sua chegada em Londres em 2012. Agora, táxis tradicionais de outras cidades como Nova York, Paris e Roma também estão se integrando ao aplicativo, criando um cenário de cooperação entre antigos rivais e oferecendo aos passageiros opções mais amplas e convenientes. Essa colaboração traz vantagens para os motoristas, que podem otimizar o tempo e aumentar a renda ao evitar períodos ociosos nas ruas, e para os passageiros, que ganham a possibilidade de reservar o tradicional táxi preto com maior praticidade e previsibilidade de preço.
No Brasil, também já observei essa prática de maneira informal. Em um passado recente, ao solicitar uma corrida pelo Uber em cidades como Recife e Rio de Janeiro, fui surpreendido ao ser atendido por um dos tradicionais táxis amarelos.
4. Comunidade Brasileira no Reino Unido
É comum encontrar brasileiros trabalhando em diversos setores, especialmente em restaurantes, lojas e hotéis. Essa presença contribui para a diversidade cultural do país e facilita o atendimento a turistas brasileiros que preferem ser atendidos em português. Esse fluxo de brasileiros no Reino Unido também reflete a busca destes por melhores condições de vida e oportunidades de trabalho em outros países, motivada muitas vezes pelas dificuldades de se conseguir empregos bem remunerados no Brasil.
5. Incentivo ao Uso de Veículos Elétricos: “Electric Avenue, W9” e Outras Zonas Exclusivas
O Reino Unido tem investido em iniciativas para promover o uso de veículos elétricos. Um exemplo notável é a “Electric Avenue, W9” (Avenida Elétrica, W9), localizada na Sutherland Avenue, em Londres. Essa rua foi completamente equipada com pontos de carregamento em postes de luz, permitindo que os residentes recarreguem seus veículos elétricos de forma prática. A Electric Avenue, W9, é uma das primeiras do tipo no Reino Unido e simboliza o compromisso de Londres com a sustentabilidade e a modernização do transporte urbano. Com os pontos de recarga embutidos nos postes, a infraestrutura urbana utiliza a eletricidade existente sem a necessidade de construções adicionais de estações de carregamento, promovendo uma mobilidade mais limpa e eficiente. Vi esses pontos de carregamento em diversas ruas no Reino Unido.
Além disso, intrigado com o funcionamento de áreas que privilegiam veículos elétricos, fui pesquisar mais sobre o assunto e descobri a Bishopsgate Low Emission Zone (Zona de Baixa Emissão de Bishopsgate), localizada na região central de Londres. Essa zona abrange a Bishopsgate, uma das principais vias que atravessa o distrito financeiro, e impõe restrições rigorosas para desencorajar a entrada de veículos poluentes, aplicando taxas adicionais aos que não atendem aos padrões de emissão. Essa iniciativa visa a reduzir a poluição, promover a saúde pública e incentivar o uso de veículos menos poluentes.
A Bishopsgate Low Emission Zone faz parte de um conjunto mais amplo de políticas ambientais adotadas por Londres e em outras cidades do Reino Unido, incluindo as Ultra Low Emission Zones (ULEZ) (Zonas de Emissão Ultrabaixa), que cobrem áreas maiores e impõem padrões de emissão ainda mais rigorosos. A ULEZ foi criada em abril de 2019 e expandida em outubro de 2021 e agosto de 2023, abrangendo todos os bairros de Londres e se tornando a maior zona de emissões ultrabaixas do mundo. Além de Londres, outras cidades do Reino Unido, como Glasgow, Birmingham e Bath, também implementaram zonas de baixa emissão para melhorar a qualidade do ar, enquanto cidades como Manchester, Newcastle e Sheffield planejam estabelecer suas próprias zonas de emissões reduzidas nos próximos anos.
6. Tampas de Garrafas PET Presas às Embalagens: Redução do Lixo e Impacto Ambiental
Durante minha viagem, observei que muitas garrafas de bebidas no Reino Unido, especialmente as feitas de Polietileno Tereftalato (PET), possuem tampas presas ao corpo da embalagem. Sendo um curioso contumaz, decidi pesquisar mais sobre o assunto e descobri que essa prática visa reduzir o impacto ambiental associado ao descarte das tampas. No Brasil, uma iniciativa semelhante está em discussão por meio do Projeto de Lei nº 3.615/2024, de autoria do Senador Ciro Nogueira. Esse projeto propõe a obrigatoriedade de tampas fixas em garrafas PET.
Segundo o texto do projeto de lei, “as garrafas PET que possuam tampas de plástico apenas poderão ser comercializadas se suas tampas permanecerem fixadas aos recipientes durante e após a fase de utilização prevista do produto.” A proposta também estabelece que, caso não cumpram essa regra, as empresas estarão sujeitas a penalidades ambientais, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais.
A justificativa do projeto de lei aponta para a gravidade do problema ambiental causado pelo descarte inadequado das tampas, que muitas vezes acabam em oceanos, rios e lagos. Devido à durabilidade do material, essas tampas podem permanecer no ambiente por centenas de anos e representam riscos severos à vida selvagem. Aves e peixes frequentemente confundem as tampas com alimentos, o que causa obstruções digestivas, desnutrição e até morte. Além disso, com o tempo, essas tampas se fragmentam em microplásticos, que contaminam o ecossistema e podem impactar a saúde humana.
O projeto também destaca que a fixação obrigatória das tampas nas garrafas PET facilitaria o processo de reciclagem, uma vez que a garrafa e a tampa seriam recicladas juntas. Isso aumenta a eficiência do processo e melhora a qualidade dos materiais reciclados. Essa prática já é adotada em diversos países europeus, onde demonstrou resultados positivos na redução de resíduos e na promoção da economia circular.
Atualmente, o projeto de lei brasileiro está aguardando, desde o dia 4 de outubro, a designação do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A proposta representa um avanço na conscientização ambiental e na promoção de práticas mais sustentáveis, alinhando-se a medidas similares observadas no Reino Unido e em outras nações preocupadas com o impacto ambiental do plástico descartável.
Essas iniciativas acima praticadas no Reino Unido, que abrangem desde a preferência por pagamentos sem dinheiro em espécie e a restrição de publicidade nas estradas até a parceria entre táxis tradicionais e a Uber, refletem o compromisso do país com um ambiente urbano mais organizado, sustentável e inclusivo.
A presença significativa de brasileiros no mercado de trabalho britânico exemplifica as oportunidades que o país oferece a quem busca melhores condições de vida.
Já o incentivo ao uso de veículos elétricos e as zonas de emissões ultrabaixas reafirmam o cuidado com a qualidade do ar e a mobilidade sustentável, enquanto a prática de utilizar tampas presas nas garrafas PET demonstra uma preocupação ativa com a gestão de resíduos e a proteção ambiental.
Ao implementar políticas que equilibram modernização com sustentabilidade, o Reino Unido se estabelece como modelo para outras nações, mostrando que regulamentações inovadoras e bem planejadas podem transformar positivamente a vida urbana e inspirar mudanças globais.