O dia 24 de agosto de 2024 marca os 70 anos da morte de Getúlio Vargas em pleno exercício de suas funções executivas, no palácio presidencial do Catete.
Registrando sua importância na história nacional, faremos um percurso visual, como o roteiro de um curta, por alguns cenários frequentados por ele na cidade do Rio de Janeiro, durante diversos momentos de sua carreira política.
Vargas foi o governante que mais tempo ocupou a cadeira presidencial do país e, independente das muitas controvérsias, tornou-se o mais popular presidente da história republicana.
Gaúcho de São Borja, onde nasceu em 1882, desde muito jovem ocupou cargos públicos importantes em seu estado natal, depois no Rio de Janeiro, Capital Federal, circulando por ruas e edifícios importantes da cidade.
Deputado estadual no Rio Grande do Sul, em 1923 foi indicado para concorrer a uma cadeira na Câmara Federal na vaga aberta pela morte de Rafael Cabeda. Em seguida foi eleito deputado federal em 1924, estabelecendo-se no Rio.
Na ocasião, a Câmara funcionava provisoriamente nas dependências da Biblioteca Nacional, aguardando a conclusão das obras o Palácio Tiradentes.
A Biblioteca ocupava edifício próprio, inaugurado em 1910, produto dos planos de melhorias da Capital Federal desenvolvidos pela gestão Passos. Tratava-se de imponente edifício projetado por Souza Aguiar, apresentando um repertório classicista em sua fachada principal, valorizada por um pórtico monumental arrematado por frontão triangular.
Entre 1926 e 1927, assumiu a pasta da Fazenda durante o Governo Washington Luís, que seria deposto pela Revolução de 1930 que levou Vargas ao poder.
Antes da construção de sede própria, na Esplanada do Castelo, durante o Estado Novo, o Ministério da Fazenda ocupava o antigo edifício projetado por Grandjean de Montigny para a Academia Imperial de Belas Artes, próximo à Praça Tiradentes, demolido na década de 1930, cuja portada foi remontada no Jardim Botânico.
O edifício da Academia certamente foi um dos mais importantes exemplares do neoclassicismo no Brasil, agregando valores históricos, artísticos e arquitetônicos que representavam os principais cânones da concepção clássica.
Curiosamente, o terreno onde o edifício notável estava implantado permanece vazio, abrigando um estacionamento na Avenida Passos e uma nova edificação foi construída na Esplanada do Castelo, em conjunto com outros ministérios.
A deposição de Washington Luís registrou um pitoresco episódio ocorrido no Obelisco que assinala o final da Avenida Rio Branco, junto à Av. Beira-Mar.
No dia 03 de novembro de 1930, celebrando a vitória dos insurretos, gaúchos amarraram cavalos naquele marco urbano. Iniciava-se a primeira era Vargas que, nessa mesma data, tomava posse no Palácio do Catete, onde permaneceria, incialmente, por 15 anos, retornando eleito em 1951.
Esse luxuoso solar fora construído na segunda metade do século XIX para o Barão de Nova Friburgo, com projeto do arquiteto alemão Gustav Waehneldt, também responsável por obras de ampliação da Igreja da Candelária.
Como repertório formal, a fachada adotou a linguagem neoclássica, inspirada no renascimento italiano. No entanto, seus interiores apresentavam influências variadas, incorporando o Ecletismo em plena ascensão na Europa, com ambientes de acabamentos requintados e diferenciados, principalmente nas áreas sociais.
O imóvel passou por alguns proprietários até ser incorporado à União como sede da Presidência a partir de 1897. Em suas dependências, naquele fatídico 24 de agosto de 1954, aos 72 anos, morria Getúlio Vargas com um tiro disparado no coração, em seu quarto, no terceiro piso.
Enquanto o Catete abrigava as funções administrativas, a família presidencial residia a menos de 2 km, no Palácio Guanabara, que testemunhou eventos históricos como o Levante Integralista, em 1938, que resultou em mortes e prisões dos revoltosos, sem sucesso na ação. Existem alguns relatos sobre caminhadas do Presidente entre os dois edifícios, passando pela Rua Paissandu, estreitando sua relação com a população.
A edificação que abriga a sede do Governo Estadual do Rio de Janeiro, à Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, apresenta-se muito modificada em relação ao palacete original, um elegante solar neoclássico, construído pelo comerciante português José Machado Coelho em 1853.
Em 1865, o Conde D”Eu, recém casado com a Princesa Isabel, adquiriu a chácara e contratou o arquiteto José Maria Jacinto Rabelo para promover uma ampla reforma e abrigar o casal. Surgia o Paço Isabel, uma elegante construção no final da Rua Paissandu, com acesso balizado por um renque de palmeiras desde a Praia do Flamengo.
Com a Proclamação da República, a edificação foi confiscada e integrada ao patrimônio da União. Recebeu sucessivas intervenções, inclusive para receber visitantes ilustres como o Rei de Portugal e da Bélgica, antes de tornar-se residência presidencial, principalmente durante o Estado Novo.
A principal reforma, executada por Souza Aguiar, então prefeito do Distrito Federal, incluiu dois corpos poligonais simétricos, nas extremidades da fachada original, ambos coroados por cúpulas, conferindo ao edifício uma linguagem eclética influenciada pelo classicismo francês, muito comum em edificações na primeira década do século XX. A elegante escadaria em arco duplo foi substituída por um corpo em zigue-zague até o pavimento superior.
Além desses edifícios ainda existentes, dois elementos marcaram indelevelmente a presença de Vargas no cenário carioca: a abertura da via monumental que recebeu seu nome, no coração da capital federal e o estádio de São Januário, casa do Vasco da Gama, onde eram realizadas celebrações exaltando a figura pública do presidente, num culto à sua personalidade.
Conta a tradição que o interventor do Distrito Federal durante o Estado Novo, Henrique Dodsworth, teria apresentado a proposta ao presidente, reafirmando seu desejo em concluir aquela via, a maior da América Latina. Uma obra daquela importância e dimensões só poderia receber o nome de Avenida Presidente Vargas. Apesar da crise política internacional e a iminência de uma guerra, com dificuldades econômicas consideráveis, aquele projeto foi aprovado pelo Governo Federal e inaugurado em pouco mais de seis anos, no dia 07 de setembro de 1944.
Deposto em 1945, Vargas foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul (PSD) e São Paulo (PTB), integrando a Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Pelo Partido Trabalhista Brasileiro, que ajudara a criar, também foi eleito representante à Câmara dos Deputados por seis estados e pelo Distrito Federal. Mesmo com tal demonstração de popularidade, ele se retirou para sua fazenda no Sul, pouco participando das sessões plenárias no Palácio Monroe (Senado Federal) ou Palácio Tiradentes (Câmara dos Deputados).
Em 1950, sob o som da marchinha que pedia “Bota o retrato do Velho, bota no mesmo lugar”, Vargas retornou à presidência pelo voto em 1951, ocupando o plenário do Palácio Tiradentes para a posse e retornando ao Catete, de onde “só sairia morto”, em suas próprias palavras.
No dia 24 de agosto de 1954, após pressões internas e internacionais, Getúlio Vargas morreu com um tiro no coração. O “Pai dos Pobres” foi carregado nos braços do “povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém””, conforme sua Carta Testamento, percorrendo as ruas da Capital Federal até o aeroporto, diante de uma multidão que o idolatrava, para retornar ao seu estado natal.
Ele saía da vida para entrar na História.