O Aterro Sanitário de Jardim Gramacho operou durante 34 anos, desde 1978 até o dia 03 de junho de 2012, quando oficialmente parou de receber lixo. Durante esse tempo, foi o maior depósito de lixo da América Latina e o principal da área metropolitana do Rio de Janeiro. Recebeu o lixo dos principais municípios metropolitanos: além do próprio Rio de Janeiro, acolheu detritos de Niterói, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Petrópolis, Teresópolis, São João de Meriti, Nilópolis, Queimada e Mesquita. Acumulou entre 60 e 80 milhões de toneladas de lixo.
Após quase sete anos de seu fechamento, a promessa de revitalização do bairro e a justificativa na melhoria na qualidade de vida dos ex-catadores e moradores da região, jamais saíram da teoria. O aterro fica situado no município de Duque de Caxias, terceiro PIB do Estado e 21º do Brasil, segundo o IBGE.
Mesmo com os portões do antigo aterro fechados e em seu lugar funcionando uma usina de produção de gás metano, para a Refinaria de Duque de Caxias, o lixo não está distante de seu antigo lugar. Há ainda diversos lixões funcionando e na entrada do bairro pela BR 040, um transbordo (dormitório do lixo antes de seguir para o Aterro). E se há lixo, há famílias que dependem dele, não para salvar o planeta, mais para não morrer de fome.
Crianças brincam ao lado dos cachorros com sarnas, urubus, ratos, porcos, moscas que voam em nuvem e pousam no rosto das mães que das janelas de madeira observam o dia. Segundo pesquisa da ONG TETO, a renda média per capita dos moradores de Jardim Gramacho é de R$ 331,96, cerca de R$ 11 por dia. O nível de pobreza com o aterro estava em 49,3%. Com o fim do lixão, avançou para 86,7%. Na saúde, 60% das crianças tem sarna e quase todos, doenças de pele. Não há energia elétrica, saneamento básico, água encanada e nem banheiro. As necessidades básicas são feitas em uma espécie de lago. Atualmente há 18 cooperativas de reciclagem de lixo, funcionando com aproximadamente 300 catadores. Outros quatro mil estão desempregados, vivendo na extrema pobreza e muitos não possuem sequer um documento de identidade. A falta do documento, dificultou ex-catadores por exemplo de receberem a indenização paga pela Prefeitura do Rio em 2012.
Ex-catadores e moradores do bairro, buscam criar novas perspectivas e transformar a realidade das novas gerações de filhos e netos. A Rede Educare em parceria com a Associação de Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG), por exemplo, abriu uma biblioteca com 1.200 livros para a comunidade e que ainda auxilias os jovens no debate sobre a preservação da gravidez na adolescência, auxilia mães precoces e jovens grávidas. O Fórum Comunitário de Jardim Gramacho também promove oficinas de artesanato com as mulheres participando semanalmente de feira, no centro de Caxias, aulas de cidadania e também capoeira.
Vendo tudo isso, a constatação é simples: há um problema da segregação sócio espacial, pois quando decidiram colocar o “lixão” no bairro foi porque dentro de uma escala de importância, este lugar esteve em última posição e era o mais longe para esconder o mais feio. Isso mostra que na relação entre sociedade e espaço está incluída a relação entre espaço e valor. Jamais perguntaram aos moradores daquele bairro: “Ei, vocês querem um lixão aqui?”.
Falta o principal e mais difícil: a ação dos governos. Foram eles quem criaram o passivo ambiental e social e agora ignoram a existência daquela gente. O lixo era fonte de renda para as famílias e sobrevivência. As promessas de tirarem o lixo, para dar educação, saúde, habitação, capacitação para inclusão no mercado de trabalho, não vieram. Ninguém quer saber de voltar lá e oferecer uma oportunidade e futuro para aquelas pessoas. Será que ainda lembram-se delas? Com isso, Jardim Gramacho volta a crescer em meio ao lixo e cada dia mais parecido com uma Bangladesh há apenas 14 km da capital do Rio de Janeiro. Em Jardim Gramacho você encontra de tudo, menos um belo e florido jardim.
Parabéns pelo ótimo texto! Peço licença para citá-lo em um trabalho universitário de jornalismo. Você escreve muito bem e é um ótimo jornalista.
[…] De acordo com pesquisa da TETO, o nível de pobreza do local antes da desativação do aterro era de 49,3%. Com o fim do lixão, subiu para 86,7%. https://diariodorio.com/jardim-gramacho-a-bangladesh-que-se-esconde-no-rio-de-janeiro/ […]
No parágrafo “Com isso, Jardim Gramacho volta a crescer em meio ao lixo e cada dia mais parecido com uma Bangladesh há apenas 14 km da capital do Rio de Janeiro. Em Jardim Gramacho você encontra de tudo, menos um belo e florido jardim.” a palavra “há” é incorreta. O correto é somente “a”.
Valeu professor Pasquale. Mudou sua interpretação do texto? Entao para de encher o saco. MALA