Luciano Alberto de Castro: Maria, música, prosa e poesia

Um pouco da arte de Antônio Maria, o escritor pernambucano que completaria 100 anos em 2021

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À primeira vista, o título desta crônica parece sugerir ao leitor opções religiosas e culturais que ajudem a suportar o insuportável. Se você não pensa como Alexandre Garcia e não considera normal morrerem mais de duas mil pessoas a cada 24 horas, sim, isso seria perfeitamente plausível. Urge buscar o espiritual e, na falta desse, as abstrações e outros lenitivos mundanos. Mas eu não vou falar da peste. Escolho não mirar o mal e sim o paliativo. Com isso, quero resgatar um pouco da arte de Antônio Maria, o escritor pernambucano que completaria 100 anos em 2021.

Além de justas homenagens, o centenário do bom Maria (assim Vinícius o chamava) é ensejo para descortinarmos sua produção artística vária e sua própria vida, breve e fulgurante. É fato que o companheiro do Poetinha nas peregrinações boêmias ainda é pouco conhecido. Inclusive eu, escriba displicente, vim tomar conhecimento dele apenas em 2019, ao ler uma crônica de Xico Sá. No texto, que obviamente versava sobre mesa de bar, o cearense pernambucanizado confessa que Maria era o seu cronista preferido. Aquela revelação me perturbou. Estaria o tal sujeito ombreado com Machado, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Drummond?

Depois do pejo que Xico me causou, fui ler o que Humberto Werneck escrevera sobre Antônio Maria. Veio fascínio e admiração pelo cronista nato, que carregava a máquina de escrever dentro do carro para conseguir forjar seus textos diários. Quando li “Benditas sejam as moças”, acudiu-me uma brutal identificação com aquele estilo espontâneo e singelamente poético. A propósito, “Amanhecer no Margarida´s” é uma das crônicas mais exatas e tocantes que já provei. E, respondendo à pergunta do parágrafo anterior: sim, definitivamente, Antônio Maria juntou-se ao cânone dos meus cronistas de estimação.

Quem procurar informações sobre Maria vai se surpreender como esse homem das artes foi pródigo em multiplicar-se em tantos misteres: jornalista, compositor, radialista, repórter de polícia, produtor de rádio e TV, narrador futebolístico, cronista e, principalmente, boêmio. Sua obra resulta dessa explosão de talentos lapidados numa vida desregrada, intensa e apaixonada. Que rica biografia a ser contada, pensei. Joaquim Ferreira dos Santos também o pensou e nos presenteou com “Um homem chamado Maria”, a história de vida desse anjo vadio. Mal posso esperar para saboreá-la.

Antônio Maria despediu-se do mundo em outubro de 1964. Numa madrugada, tomou o seu último bonde na estação Copacabana, aquela que poderíamos chamar de seu habitat natural. Aquela Copacabana afetuosa e profana assistiu à triste partida do seu ilustre embaixador. Alguns meses antes da viagem, ele escrevera: “Cá estou eu a escrever tolices. Com imensa facilidade — convenhamos. Vivemos dias em que é preciso escrever tolices. Há uma dor preponderante em cada coração.” Voltamos ao tema da abstração. Por isso é que escrevo essas tolices. Porquanto precisamos delas hoje assim como em 1964. Porquanto há uma dor em cada coração. Pelo menos no meu há. Feliz aniversário, Maria.

*Luciano Alberto de Castro, Professor da Universidade Federal de Goiás

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