O Calor Recorde do Rio de Janeiro e Eu

O calor recorde em 2023 e 2024 afeta os pequenos burgueses, em futilidades como jogos de tênis; e BRT cheio neste calor deveria ser proibido, sem ar-condicionado motivo de prisão

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Foto: Daniel Martins/Diário do Rio

Não tenho a rotina cotidiana da maioria dos cariocas, felizmente. Uma mistura de trabalho, dedicação e um pouco de sorte me permite que as manhãs sejam minhas (quase, o trabalho não para). Assim, depois de grandes sustos, dedico-as à atividade física.

Pesava 140 quilos, estava obeso, quase mórbido. A reeducação alimentar, seguida de exercícios físicos com uma personal trainer, a Gabi Gibson (ela está também na academia virtual Foguete para quem quiser conferir), me fez perder mais de sessenta quilos em gordura. Bem, isso e jogar tênis às 11 horas da manhã. Comecei no verão de 2022, era difícil, mas possível. Houve momentos em que passava até três horas na quadra e só saía por falta de parceiros. E assim foi até setembro de 2023; por algum motivo, o calor começou a me incomodar, não suportava mais de 40 minutos. Parei com o tênis e os encontros com o Diego Gomes, um misto de treinador e psicólogo, que faz muita falta. Pretendo voltar no inverno.

Tentei a natação, piscina, atividades aquáticas; não achei que fosse passar mal. Ledo engano, o sol estava no auge do meio dia, nadava e ficava com dor de cabeça. Ao chegar em casa, não conseguia produzir, estava exausto.

Não possuo mais carros e, sempre que possível, prefiro caminhar. Mas como fazer isso com o sol escaldante do Rio de Janeiro? Lembre-se, meu horário disponível é pela manhã, tornando tudo mais difícil e irritante. Tenho que ir à Passarela da Freguesia; melhor pedir pelo aplicativo. Tenho que ir ao mercadinho; peço pelo WhatsApp. Só a farmácia que não dá, tem caixa de remédio que é até R$ 5 mais cara. Pensando melhor, dá sim. Está muito quente, e vou precisar de mais remédio para a enxaqueca.

Se estou em home office, prefiro trabalhar sem ar condicionado. Às vezes, com o laptop na poltrona da sala e a luz da varanda entrando. Nas outras, no escritório, mas com a janela aberta, fumando um charuto enquanto bebo café. Sou obrigado a ligar o ar condicionado e ter comprado um aparelho de nebulização, pois não há sistema respiratório que aguente.

Um dia antes deste texto, tive uma reunião no Centro do Rio. Antes dela, queria passar em uma exposição no CCBB. Desisti; estava muito quente. Mas sou carioca; não estava quente demais para um cafezinho no Coffee Five.

De lá, caminhei a duras penas para a Igreja da Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores. É próxima, e a reunião seria na Tabacaria do Ouvidor. Pretendia rezar um terço enquanto esperava, algo por volta de vinte e cinco minutos. Não aguentei a provação, rezei quatro Ave Marias, bati um papo na Folha Seca e aproveitei o ar condicionado.

No meu “escritório”, digo, na Tabacaria do Ouvidor, fiquei até às 18h e segui para mais uma reunião. Terminou por volta das 20h30min, e a cidade continuava quente, insuportável. Eu estava mais insuportável do que nunca. Não conseguia ler, me focar, escrever, só reclamar do calor.

Não uso mais o terno que me acompanhava; ficou impossível. T-shirt e jeans, juro que já estou pensando em cometer o pecado contra a elegância e usar regata. Talvez o prefeito pudesse baixar um decreto dizendo que no Rio, a regata é o que há de mais fino em vestimenta. Só sei que só queria chegar em casa e colocar um pijama fresco.

E isso é quase todo o dia. A crise climática está aí e, literalmente, sem dar um refresco. O Felipe Lucena já escreveu sobre os problemas mentais causados por ela, e muita coisa pior vai vir por aí, como as chuvas que caíram no estado.

E o meu relato é de alguém que faz parte do 1%, ou menos que isso pelo estilo de vida. Um BRT cheio neste calor deveria ser proibido, sem ar condicionado motivo de prisão. Lembro-me que quando ia para faculdade passava calor, suava, mas não ao ponto de quase desmaiar na rua.

A verdade é que, se você ainda não acredita na crise climática e que ela deve ser um tema diário de nossas conversas, até das mais fúteis, é porque ainda não entendeu o tamanho do buraco em que estamos metidos. E o buraco é quente.

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