Era um fantástico lojão na Rua Visconde de Pirajá, no coração de Ipanema, que naquele momento era o orgulho do nosso departamento de imóveis comerciais. A faixa da empresa, enorme, amarela, era daquelas que chamava tanta atenção que a direção da firma achava até bom negócio demorar pra alugar o imóvel: a propaganda era fantástica.
O imóvel pertencia a um de nossos maiores clientes; empresário também do ramo de imóveis. De difícil trato, mas que naquele momento realmente necessitava fechar aquele negócio. O aluguel era alto, algo como 40 mil reais em valores de hoje. De luvas, ele pedia meio milhão – isso me lembro bem, embora já se tenham decorrido alguns bons anos.
Conseguimos, após cerca de seis meses, um pretendente firme. Era uma grande sorveteria internacional que, `a época, havia aberto uma linda loja na Avenida Atlântica e queria estender sua área de atuação para Ipanema. O representante da firma, embora estrangeira, era brasileiro. Fez questão de sentar-se frente `a frente com o cliente, que, como disse, não era uma pessoa fácil. Mas, que jeito? Teríamos mesmo que apresentá-los um dia.
Na sala de reunião da nossa Matriz na Rua da Assembléia atendemos os dois. O homem da sorveteria queria baixar os valores; sobre isso discorreu cerca de 15 minutos, sem ouvir sequer uma palavra do proprietário, que não parava de rodar sua caneta tinteiro na mesa, parecendo estar naquele momento em outra dimensão. De vez em quando mexia a cabeça para os lados…. Finalmente, para quebrar o gelo, o homem da sorveteria contou que colecionava pássaros ornamentais, e que essa era sua paixão. Saindo de seu mau-humor típico, e de seu silêncio sepulcral, o proprietário exclamou, animadamente:
“- Sempre quis ter um papagaio que falasse!”
O homem do sorvete então, disse, animado:
“- Olha, que legal! Pois eu lhe digo, se fecharmos o negócio da maneira que propus, eu te dou, pessoalmente, um papagaio.”
Para a surpresa de todos que, como eu, conheciam aquele austero senhor de longa data, ouvimos ele dizer, com esboço de sorriso nos lábios: “ Fechado”. Apertou a mão do representante da gelateria e disse: “O pessoal da imobiliária fará tudo, e no dia do pagamento das luvas, você traz o papagaio.” O outro sorriu, e confirmou.
Era hora de tirar a ficha!! Nossos honorários eram de 2 aluguéis mais 20% das luvas. Só alegria, ainda mais quando a ficha da sorveteria veio perfeita. Preparei pessoalmente a minuta do contrato de aluguel, e marcamos do rapaz trazer as luvas e o contrato assinado, para nosso difícil porém excepcionalmente animado cliente entregar as chaves e assinar seu nome.
O dia marcado chegou. Dia Feliz, prometia ser. Sentamos todos `a volta da mesa. O rapaz da sorveteria trouxe o valor das luvas, o contrato assinado, nossa Nota Fiscal com “aceite”. Tudo `as mil maravilhas. Não vi gaiola alguma – sou um cara assim, percebo tudo, mas prefiro ficar quieto no que não me compete – e achei que aquilo tinha sido resolvido de outra forma, afinal, tinham trocado cartões.
Nosso cliente, de testa franzida, fez a pergunta que eu – juro – no fundo esperava que viria: “Cadê o Papagaio falante?”
Sabem aquele silêncio que chega ferir os ouvidos?? Pois é. Foi ele que sentimos. O homem da sorveteria disse, jocosamente, brincando, sem má intenção: “Ah, doutor fulano, eu não trouxe o papagaio, mas trouxe a malinha com as luvas do senhor!”. Piscou o olho até…
Já sem aquele raro e simpático sorriso do outro dia, ele falou: “Sem papagaio, sem negócio.” Pegou o contrato e rasgou a última folha, colocando a chave no bolso. Apertou minha mão e disse: “arrumem um cliente que cumpra os combinados. Vou explicar pra minha filha que ela não vai ter o papagaio, e você explique a ele que ele não vai ter sorveteria na Visconde de Pirajá.” ;-/