O DIÁRIO DO RIO deu o primeiro alerta na reportagem de 5 de abril, em que mostramos duas casas no Centro invadidas por um grupo de mais de 100 sem-teto liderados por um ex-traficante de drogas. Depois, citamos diversos casos semelhantes, na Zona Sul. Não houve nenhum tipo de ação das autoridades, e os casos de invasão à propriedade privada por toda a cidade continuam a se acumular. Nem sempre o objetivo real é a moradia.
Esta semana, a invasão à antiga casa de Carmem Miranda, na Travessa do Comércio, número 13, entre a Praça XV e a Rua do Ouvidor, colocou mais gasolina nesta fogueira. O local fica no chamado “Arco do Teles”, uma das áreas de maior turismo histórico na cidade. A invasão se segue à do prédio número 3 da mesma rua, também tomado por sem-teto e camelôs que armazenam ali carrocinhas, barracas e outros ítens de comércio. Mas a coisa está piorando. Se invadir para morar o imóvel alheio já é atitude questionável, o que ocorre no número 13 é um atentado contra a cultura nacional.
“Estão vendendo madeiras, grades, portas e tudo mais, que arrancam do prédio. Diariamente são retirados materiais, que são oferecidos por qualquer preço. Afinal, são de graça né? Numa loja essas coisas são caras”, disse ao DIÁRIO Josué, morador de rua que ronda pela Praça XV há 3 anos, e que se identifica apenas pelo primeiro nome, com medo de represálias.
Todos os imóveis do Arco do Teles, ruazinha estreita que começa na Praca XV, passa por baixo do prédio que tem o arco de pedra e que tem o nome oficial de “Travessa do Comércio”, são tombados pelo patrimônio histórico nacional e pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, por serem parte do conjunto arquitetônico que presenciou a vinda de D. João VI para o Brasil, e por preservarem à perfeição a ambiência, as ruelas e a arquitetura do Brasil colonial.
O IPHAN e o IRPH são guardiães de toda a área do Arco, sendo que um dos primeiros embates do IPHAN com os grandes empresários do ramo imobiliário foi justamente a disputa pela manutenção do Arco, que seria demolido caso o IPHAN não tivesse impedido, para construção do Edifício que hoje existe por sobre a edificação original que tinha o Arco, pelo então magnata Castro Maya.
O DIÁRIO contactou o Superintendente do IPHAN no Rio de Janeiro, Manoel Vieira, que se pronunciou prontamente: “Tomamos conhecimento do fato por intermédio da reportagem do Diário do Rio e já elaboramos ofício que será enviado à Prefeitura nesta próxima segunda para formalizar a denúncia. Porém, dada a gravidade do fato, fiz contato com a Fernanda Tejada, Secretária de Urbanismo, que, por sua vez, já acionou a Ordem Pública. Infelizmente, quanto mais se prolongar a crise pandêmica, maiores as chances desse tipo de situação ocorrer. Precisamos dessa prontidão para agir de modo a repelir a ação logo no início.“
O momento deveria ser de especial cuidado, pois uma decisão do STJ – assim como uma lei aprovada pela ALERJ sobre a qual discorremos aqui – proibiram as ações de reintegração de posse, mesmo extrajudiciais, e até mesmo os mandados de reintegração, judiciais, não poderiam ser cumpridos. Ou seja, teoricamente, imóveis invadidos ficarão invadidos até o fim da pandemia. “O que sobrará deles até lá?”, diz André Toledo, da Block Imóveis, que administra propriedades de diversos clientes.
Desde que começou a pandemia e se intensificou a onda de invasões, o Arco do Teles está sob ameaça jamais vista. A área até então pujante com festas, barzinhos, comida de botequim e boates, se tornou um deserto que está sendo alvo de invasores profissionais que faturam alto com a venda de madeiras nobres que furtam dos casarões – como o pinho de riga e o ipê rosa, além do jacarandá – e grades históricas, assim como as famosas “telhas de marselha”, telhas francesas que guarnecem grande parte dos imóveis do local.
Proprietários de prédios no local que ainda não foram invadidos estão em polvorosa, mas têm medo de aparecer. “O que existe ali é quase uma milícia de invasores profissionais, que ameaçam, furtam, destróem, e colocam paus mandados pra fingir de coitados dentro dos prédios“, diz H. , proprietário de um prédio que está à venda no local, e que gasta “mais de 4 mil” por mês com segurança própria.
“Tenho visto ‘burrinhos sem rabo’ levando telhas e forro de madeira dos prédios quando tenho ido mostrar imóveis que temos pra alugar ali“, diz Wilton Alves, da Imobiliária Sergio Castro, que administra 2 prédios na Travessa do Comércio. “As autoridades já foram alertadas por nós, mas, desculpe a palavra, ligam o F…“, diz J., inquilina de um prédio, onde tem um restaurante, hoje fechado por conta da pandemia.
O IPHAN já comunicou a Prefeitura da situação de perigo em que se encontra o Arco do Teles, anteriormente, segundo averiguamos. “O conjunto de prédios do Arco é praticamente original, e merece a proteção das autoridades“, diz Claudio Castro, Presidente da Associação dos Embaixadores de Turismo do Rio de Janeiro. “Uma das funções sociais da propriedade tem que estar certamente ligada à manutenção da cultura de um povo, ao ensino da sua história, e ao respeito das suas raízes. Temos direito à nossa história e à preservação da nossa cultura tanto quanto temos à moradia. Um povo sem cultura não é nada“, atira Castro.
“Moradia que nada, isso é tudo gafanhoto, só entram pra roubar e vender os imóveis aos pedaços, e quando muito, usam os imóveis de prostíbulo barato ou depósito de mercadoria ilegal“, se revolta C., comerciante que está de portas fechadas desde o início da pandemia e que é sócio de um conhecido restaurante local. “Infelizmente a gente não pode nem chamar a Polícia, porque eles são perigosos e ameaçam a todos. O que eles têm é um comércio de invasões, ganham dinheiro com isso“, complementa.
O abandono do centro, da zona sul e da zona norte são flagrantes. As autoridades municipais, que antes mesmo da pandemia já haviam deixado que o centro se transformasse numa latrina a céu aberto, assim como noticiamos de Copacabana no dia 4/5 último, não tomam qualquer atitude. A destruição do Arco do Teles é mais uma mazela que vai ser colocada na conta do prefeito Marcelo Crivella, e por absoluto merecimento. O logradouro está tomado por lixo e mendigos desde 2018, e pelo visto será transformado em “favela colonial” pela falta de ação do governo municipal.
O DIÁRIO vai acompanhar a evolução da onda de invasões, e as ações tomadas pelas autoridades para proteger o conjunto histórico arquitetônico do Arco do Teles. Apuramos que a maioria dos prédios sequer é isenta de IPTU, e a Prefeitura, apesar de estar há anos completamente ausente do logradouro, chega a cobrar R$ 22.000,00 (mais de vinte mil reais!!) por ano de IPTU de um pequeno prédio de 200m2.
NOTA EDITORIAL
O DIÁRIO DO RIO está comprometido com o respeito à história e à cultura do Rio de Janeiro. Somos pioneiros na publicação sistemática e semanal de artigos sobre a história de cada cantinho do Rio, desde o galpão do Zeppelin em Santa Cruz, até a Fazenda São Bernardino em Nova Iguaçu; desde o Arco do Teles no Centro, até a Fábrica Bangu de Tecidos, e da Escola Barão de Macahubas em Inhaúma até o Hotel Leblon. Não iremos parar de noticiar o que está sendo feito com o patrimônio histórico do Rio de Janeiro, e não iremos aceitar facilmente sua destruição. Não queremos nos sentir culpados depois. Vamos protestar aqui, agora, e sempre que a incompetência das autoridades colocar em risco a verdadeira essência do que é ser carioca.
Da mesma forma, não podemos permitir que o discurso paternalista de certos setores nos faça achar normal passar a mão na cabeça de quem destrói, vende aos pedaços, depreda e depena os imóveis históricos e também quem utiliza comercialmente as invasões (ou ocupações, pra quem preferir), sob pretexto de “fazer valer a função social da propriedade”. Quem precisa morar não depreda. Quem procura um lar não vende as telhas da casa. Quem precisa de um teto não manda avaliar madeiras pra vender a profissionais, não retira o próprio teto para vender. Isso é balela. Ser de esquerda não é, certamente, compactuar com tais ações criminosas.
[…] maio deste ano, inclusive, o DIÁRIO DO RIO noticiou a respeito de uma onda de invasões a imóveis históricos que vinham acontecendo na região central da capital flumin…, como a antiga casa de Carmen Miranda, na região do Arco do Teles, que foi depredada por […]
[…] maio deste ano, inclusive, o DIÁRIO DO RIO noticiou a respeito de uma onda de invasões a imóveis históricos que vinham acontecendo na região central da capital flumin…, como a antiga casa de Carmen Miranda, na região do Arco do Teles, que foi depredada por […]
[…] No último sábado (09/05), você leu aqui no DIÁRIO DO RIO, com exclusividade, que a antiga casa de Carmen Miranda, no Centro da cidade, havia sofrido um arrombamento, corroborando com a onda de invasões que têm acontecido na região central do Rio de Janeiro. […]
Boa tarde, sou leitor e grande fã do Diário do Rio.
Considero o trabalho de vocês um patrimônio (especialmente o foco histórico na cidade símbolo do Brasil).
A matéria “Onda de invasões agora causa depredação de conjunto histórico tombado” é importantíssima e bato palma pra postura e protesto feito ao final da matéria.
Por favor, mesmo morando em outro país, clamo, não parem o trabalho.
O Rio e o Brasil precisam de pessoas como vocês e do trabalho que realizam.
Deixo aqui um profundo agradecimento e um grande abraço a toda equipe.
O que posso dizer! Extremamente triste com o que está acontecendo. Concordo com vocês: quem precisa de moradia, não depreda, não vende os objetos! Um patrimônio cultural se perdendo… será que sobrará alguma coisa depois da pandemia?
Este problema se dá por conta do esvaziamento do Centro do Rio que vem ocorrendo desde o início do Século XX. Muito antes da quarentena. Com a bênção da política urbana elitista e segregadora da Prefeitura para a Cidade desde esta ocasião. E com a participação decisiva dos mecanismos excludentes do mercado imobiliário. Resumo da Ópera: se tivesse gente morando (sem restrições de perfis sociais) isto não estava acontecendo…
Exatamente, estava conversando com um amigo meu a respeito disso: o centro do Rio não tem vida fora dos dias e horários comerciais, é um dos poucos casos de metrópoles no mundo que não investem em moradias no Centro. Se tu for no centro de Nova York, Londres, Paris, Toronto, você vê um movimento pujante de moradores locais e condomínios. O Rio tem que parar de estender as moradias para a Zona Oeste além Barra-Recreio e começar a investir no centro da cidade. Lançamentos de imóveis residenciais e condomínios de alto padrão ou média na região do Centro e na região do Porto Maravilha, que inclusive existe uma demanda pois quem não gostaria de morar próximo ao Boulevard Olímpico, aquela área que está super bonita, com uma sacada com vista para a Baía de Guanabara?
Desde quando o governo se preocupa com o Patrimônio Histórico e Arquitetônico da cidade do Rio de Janeiro? É só ver o que aconteceu em setembro de 2018 com o incêndio do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista. A preservação de imóveis históricos tinha que virar lei e ter uma clausula deixando claro que todo imóvel ou local histórico e que preserva a memória do Rio deveria ser reformada de 5 em 5 anos, com pintura, restaurações, etc. Ter extintores de incêndio e se tornar centros culturais ou museus sobre a própria história do local.
Parabéns pela denúncia! É sempre necessário lutar contra essas destruições do patrimônio histórico e cultural. Não sou do Rio de Janeiro, mas sou um eterno admirador da Cidade Maravilhosa e portanto aplaudo denúncias como esta. Oxalá as autoridades tomem medidas práticas imediatamente.
É sempre assim e não há novidade. Tem máfia para tudo nessa cidade, a maior parte financiada por peixe grande ou figurões, com braços armados prontos para fazer valer a vontade deles.
Realmente é muito alarmante essa notícia!
Precisamos estar atentos na defesa do nosso patrimônio histórico!
Que sejam tomadas as devidas providências pela autoridades responsáveis!
Em meio a extremos políticos e escravidão ideológica atuais que fomentam perguntas sobre a localização do Queiroz para fazê-lo de bode expiatório e assim deixar incólume e livre a recordista(!) em gatunagens do Coaf da Alerj, Elisângela Barbieri (sumida até hoje), e onde a liberdade de imprensa serve para fazer galhofa de um ex-presidente e mandar o atual Chefe de Estado ir à m… (Sim, a jornalista Bárbara Gancia usou o coloquial pelo Twitter no exercício de sua função), contrariando o próprio Código de Ética da FENAJ, só me resta bater palmas de pé para este veículo, não só pela isenção ao relatar a veracidade dos fatos, chocantes por sinal, mas também pela mensagem final quanto ao reforço da democracia também defendida pela ideologia política assinalada, além de zelo deontológico pela dignidade da profissão de jornalista e sua natureza social à ela intrínseca. Parabéns!
Uma terrível notícia denunciada por uma matéria oportuna e necessária. Estou aterrorizada! Nosso Patrimônio precisa ser protegido seja a que preço for! Ñ precisamos de leis equivocadas e permissivas a bandidos oportunistas destroem em nossa história!