Deixa eu interromper a reclamação de vocês sobre o buraco na rua em que você nunca passou e que foi consertado há dez minutos pra poder tratar de um assunto que é do interesse de muitos e que afeta demais o mercado imobiliário da cidade: a recuperação de imóveis históricos.
Nunca na história da Cidade tivemos um departamento de patrimônio – que recebeu um título pomposo de Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, ai que chique – tão atuante, positivamente, na manutenção da nossa herança cultural e ao mesmo tempo no avanço e no progresso da cidade. Outrora, só havia a briga entre o ”progresso” e as “construções anacrônicas”. Agora, em que pese a legislação infeliz e não especializada a qual às vezes o IRPH se vê obrigado a seguir, muito tem sido feito para se preservar e ao mesmo tempo dar uso inteligente a imóveis emblemáticos e mesmo a alguns que andavam esquecidos.
Quem, no mercado imobiliário, nunca teve vontade de pular pela janela ao ter um projeto fantástico negado por conta da proteção cultural a um imóvel que não passava de uma caixa de cimento sem atrativo nenhum? Se é fato que isso existe, ao mesmo tempo temos que compreender que as tais infelizes leis é que guiam o pessoal do Patrimônio, e que não é permitido a eles fugir do que é ali estabelecido.
Um projeto fantástico que resultou do que há de melhor no IRPH foi a Villa Aymoré, aquela onde realizou-se o Casa Cor 2015, na Glória, no iniciozinho daquela ladeira que vai dar na Igreja de Nossa Senhora do Outeiro. Ali, casas de vila, residenciais, parcialmente destruídas, foram completamente recuperadas, ganhando inclusive boa área nos fundos, uma mega garagem subterrânea, e um bloco comercial adicional, novo, em estilo moderno. Tudo isso com lindo paisagismo, e respeito absoluto à arquitetura original. Uma das casas chegou a ser reconstruída como o projeto original! E, o mais legal disso tudo, é que de residências de classe média, o novo condomínio passou a ser o abrigo de escritórios descolados e chiques de coworking, organizações internacionais, e outros novos inquilinos que estamos aos poucos conseguindo dirigir para um local que não tinha a mínima tradição corporativa!
E se vamos falar de Glória, como esquecer do deslumbrante, chocante e enlouquecedoramente lindo Centro Empresarial Ernesto G. Fontes, que já começa a tomar forma na Rua da Glória, esquina com Rua Taylor? Ali, a fachada Art Déco foi mantida, num projeto que teve a assessoria direta do Instituto Art Déco Brasil e que conseguiu adicionar andares a mais mantendo a harmonia da construção com muito vidro e bom gosto. A portaria fantástica nos leva a viajar no tempo, parece que chegamos na estação pra pegar o Zeppelin pra Berlim! Antes, no local, conjugados e apartamentos de quarto e sala utilizados para prostituição e moradia no estilo Barata Ribeiro 200. Uma vez mais, a Cidade ganhou.
Os exemplos são inúmeros. A revitalização da Praça Tiradentes é hoje uma realidade, e a Prefeitura ensaia algo semelhante para a Rua da Carioca, ainda uma cicatriz no Centro do Rio. Os exemplos são inúmeros e o diálogo entre os construtores de boa fé e as autoridades de patrimônio passaram a, finalmente, ter regra, roteiro, e lógica. Hoje, pela primeira vez, sabemos o que dá pra fazer e o que não dá pra fazer.
Nas gestões anteriores do Patrimônio, o que era permitido aqui, no vizinho era negado. O casuísmo fazia parecer a nós, que estamos de fora, que tinha alguma coisa que o vizinho sabia e que nós não sabíamos. Hoje, já sabemos que as mudancas feitas no imóvel histórico terão de ser negociadas e estudadas em conjunto, visando o bem da cidade e do entorno, mas ao mesmo tempo temos mais segurança em trabalhar os imóveis antigos porque, finalmente, tal qual Cabral descobriu o Brasil, descobrimos qual a lógica do negócio. E se o operador do mercado imobiliário não for completamente obtuso, percebe a lógica das exigências da autoridade e consegue realizar seu projeto, se não como pensara inicialmente, de forma comercialmente interessante e ao mesmo tempo culturalmente rica.
Não por outro motivo começamos a ver nos sobrados históricos da cidade algo além de fachadas históricas lambrecadas de qualquer jeito para parecerem reformadas (exemplos não faltam na Frei Caneca e no Saara). Estamos vendo fachadas R-E-S-T-A-U-R-A-D-A-S, de verdade! Os exemplos são muitos de união entre as modernas necessidades e a manutenção do patrimônio, coisa que não ocorria no passado.
Anos atrás, este Departamento era conhecido por instruir o proprietário que se as intervenções X, Y, Z fossem feitas pelo dono do imóvel, a isenção de IPTU seria concedida. Depois de X, Y, Z feitos, a lista ganhava então o A, B e o C. Depois destes, outras exigências, e, por fim, às vezes eles diziam: “olha, infelizmente não foi possível”. E pimba, você tinha gasto milhares de reais numa obra e não conseguia sua isenção de IPTU. Outros, sem metade da obra que você fez, conseguiam. Hoje a coerência e a segurança jurídica existem e com ela veio a segurança se se investir na compra e reforma de um prédio histórico. E num Centro da Cidade cheio destes imóveis, isso significa muito! Não por isso cada vez mais vê-se sobrados e palacetes sendo reformados e transformados em atrações turísticas.
Outra coisa bem legal é o projeto PRO-APAC, em que a própria prefeitura banca a reforma e restauro de imóveis por ela tombados, mesmo que sejam propriedade de uma pessoa comum, como eu e você. Quem um dia não sonhou com isto? Saiba mais sobre o projeto aqui.
Hoje, os imóveis históricos passaram a ser procurados por uma gama de investidores, geralmente jovens com economias, que têm adquirido-os com o intuito de reforma-los e depois revende-los ou mesmo coloca-los para locação. Temos tratado de diversos imóveis com clientes neste perfil. É lógico que os lugares mais procurados são nas proximidades do circuito do VLT, no micro-centro financeiro e na área da Praça Tiradentes, mas temos diversos clientes que com sucesso fizeram o mesmo em ruas como Conceição, Livramento e Sacadura Cabral.
Infelizmente a área do entorno da Central do Brasil ainda continua abandonada, com muitos sobrados em condições terríveis de conservação, mesmo estando tão pertinho da “parte boa” do Centro. Mas acho que o desenvolvimento vai chegar lá. Mesmo assim, já há um movimento de “comprar pra segurar” por ali, que, se acompanhado por uma intervenção real do Poder Público na região, ocasionará o desabrochar de mais uma ilha de desenvolvimento no Centro.
É lógico que o Patrimônio vai sempre ser acusado de ser chato, de ser quadrado, isso faz parte. Mas continuando a agir com lógica, com roteiro, com “lé com cré”, a Cidade ganha muito. Rezemos para que, gestão após gestão, mantenha-se esta visão coerente; afinal, se eu já sei que vou ser chateado para construir uma claraboia de ferro e vidro no meio de um imóvel histórico pra trazer luz pra dentro do imóvel, não vou tentar convencer o fiscal a colocar telhas de amianto e a eliminar o prisma de ventilação transformando meu imóvel numa das Grutas de Maquiné, não é mesmo?