Por João Nonato
Quem acompanha a política carioca se surpreendeu, na última quarta-feira (25/04), com a pesquisa eleitoral divulgada pela Atlas/CNN, colocando o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) na vice-liderança da disputa pela prefeitura do Rio, com impressionantes 31,2% das intenções de voto. O resultado impressiona porque destoa de outras pesquisas recentemente divulgadas. Ainda em abril, Ramagem apareceu com 3,9% na pesquisa Prefab Future e 13% na pesquisa Real Time Big Data. Alguma variação é esperada entre diferentes pesquisas e metodologias, principalmente a essa distância das eleições. Mas o que explicaria o resultado tão fora da curva apresentado pela Atlas?
?Não parece ter havido, recentemente, nenhum fato político que possa ter catapultado Ramagem quase 20 pontos percentuais adiante nas intenções de voto dos cariocas. Se a resposta não está na política, então devemos procurá-la na própria pesquisa. De cara, chama a atenção a metodologia empregada pela pesquisa em questão, pois destoa radicalmente das metodologias tradicionais de coleta em surveys, com entrevistas presenciais em pontos de fluxo. Segundo os sites da CNN e da Atlas, trata-se do recrutamento digital aleatório (RDR, na sigla em inglês), uma metodologia proprietária desenvolvida pelo próprio instituto, baseada no envio de convites para usuários da internet que são geolocalizados a partir de qualquer dispositivo e selecionados aleatoriamente durante a navegação.
O emprego de métodos de coleta online, mais assemelhado a uma enquete, tem crescido, sobretudo em países como os Estados Unidos e a Austrália. Algumas vantagens se destacam, como o anonimato do formato virtual, sem o impacto psicológico da interação humana durante a entrevista, e a maior penetração do formato, chegando a regiões remotas e onde mais houver acesso à internet – além do menor custo do modelo.
Mas, da mesma forma que as pesquisas tradicionais têm suas inevitáveis falhas, esse novo método também levanta questões controversas. Não haverá um viés de auto-seleção mais forte com esse método? Certamente, há alguns tipos de pessoas que têm uma probabilidade desproporcionalmente maior de responder a um banner online convidando para uma pesquisa eleitoral, a depender de fatores que vão desde a qualidade de acesso e a forma de uso da internet até o grau de engajamento político de cada um. E como podem garantir que uma mesma pessoa, através de diferentes IPs, não responda múltiplas vezes ao questionário? Amigos meus usaram o link e votaram várias vezes.
E como podem saber que as respostas foram dadas de maneira orgânica e espontânea, sem que os respondentes tenham acessado a internet ou chamado terceiros em busca de informações adicionais antes de dar suas respostas?
Nenhuma pesquisa consegue controlar nada disso 100%. Faz parte. A Atlas garante que lida com algumas dessas questões em sua metodologia. Mas não me sai da cabeça que a mera possibilidade de consultar a internet antes de responder (algo que me parece impossível de controlar em uma pesquisa online anônima) pode ajudar a explicar o crescimento fora da curva de Ramagem. Explicaria também a porcentagem particularmente baixa de brancos/nulos e não sabe na mesma pesquisa.
Ainda não parece ser de conhecimento geral que o deputado do PL é pré-candidato e que seria o nome bolsonarista no pleito carioca. Mas, se os respondentes podem parar e procurar no Google o nome de Ramagem, associando-o a Bolsonaro, isso justificaria o disparo do pré-candidato.
A busca no Google e a associação com Bolsonaro só aconteceram, naquele momento, por causa da pesquisa. Ou seja, esse ganho de informação não é um fato político real, mas artificialmente criado no instante da pesquisa, e por causa dela.
Para piorar, o próprio CEO da Atlas, rebatendo críticas do jornalista Ricardo Bruno, CEO da Agenda do Poder, ao resultado da pesquisa no Rio, afirma que o crescimento de Ramagem pode ter se dado porque o instituto apresenta o nome do partido junto ao nome dos candidatos. Os respondentes teriam associado o PL de Ramagem a Bolsonaro, o que teria favorecido o deputado e indicaria uma forte transferência de votos de Bolsonaro para Ramagem.
Já não é nada óbvio que parte significativa do eleitorado, hoje, associe automaticamente Bolsonaro ao PL e o PL ao candidato bolsonarista. Mas suponhemos que, realmente, Ramagem cresceu após os respondentes verem que ele é do PL e o associarem a Bolsonaro. Nesse caso, o CEO da Atlas está dizendo que o próprio questionário deu aos respondentes uma informação nada óbvia, uma informação tão importante que, ao ser disponibilizada na cartela, fez o candidato bolsonarista disparar quase 20 pontos percentuais.
Também aqui, o ganho de informação que justificaria o crescimento de Ramagem só existe no momento da pesquisa e por causa da pesquisa. Não é um fato político de verdade no mundo real. Esse ganho de informação não aconteceu entre o eleitorado carioca nos últimos dias, mas entre os respondentes da pesquisa da Atlas.
Isso poderia explicar também a enorme distorção observada nos resultados da pesquisa Atlas/CNN em Belo Horizonte. Na pesquisa, Bruno Engler, do PL, aparece liderando com 31% das intenções de voto, seguido de Rogério Correia, do PT, com 16,4%. Novamente, o resultado destoa de outras pesquisas. Na pesquisa Datatempo de abril, Engler aparece novamente em terceiro com 10,2%, e Correia em quarto, com 8,8%. Na pesquisa da Paraná Pesquisas, também de abril, Engler está mais uma vez em terceiro, com 14,9%, e Correia em sétimo, com 5,8%.
Em Belo Horizonte, assim como no Rio, parece que o nome do PL é bastante favorecido ao ser associado ao partido de Bolsonaro. Vê-se também que o nome do PT aparentemente ganha vantagem ao ser associado ao partido de Lula. Realidade virtual.
Esses resultados podem até ser uma medida relevante do potencial de Ramagem no Rio, ou de Engler e Correia em BH. Indica que, quando as pessoas sabem que esse ou aquele é o candidato desse ou daquele partido, ele se torna mais competitivo. Cenários assim são testados rotineiramente em pesquisas qualitativas, ou através de perguntas específicas em surveys. Mas isso não nos diz exatamente quem seria eleito se as eleições fossem neste momento, como propõe uma pesquisa eleitoral. Porque, se as eleições fossem neste momento, a grande maioria dos eleitores ainda não teria procurado se informar sobre candidatos, seus partidos e respectivos padrinhos.
O próprio CEO da Atlas parece reconhecer que a decisão de voto é afetada pelo grau de conhecimento sobre os candidatos. Segundo ele, ao que tudo indica, quando as pessoas sabem qual é o partido de Ramagem, ele cresce 20 pontos percentuais. Mas se é o próprio questionário que fornece uma informação dessas (e o formato virtual da pesquisa ainda possibilita a busca de informações adicionais na internet), há o risco de os resultados serem menos uma fotografia instantânea do mundo real, e mais uma imagem gerada por inteligência artificial.
João Nonato é cientista político