Muito antes da Prefeitura do Rio de Janeiro dar início à operação urbana consorciada do Porto Maravilha, nome técnico para a intervenção urbana que lá ocorre, a cidade de São Paulo já vinha lançando mão desse instrumento. Água Espraiada, Água Branca e Faria Lima são algumas operações já em curso há algum tempo. Recentemente, o prefeito paulista lançou a operação urbana Bairros do Tamanduateí.
Nesse modelo, previsto no Estatuto das Cidades, são definidos potenciais construtivos, em geral generosos, os quais são leiloados como Certificados de Potencial Construtivo (Cepacs). Os recursos assim auferidos necessariamente precisam ser investidos em melhorias urbanas na área definida pela operação urbana consorciada, que deve ser aprovada na Câmara de Vereadores. No caso carioca, por falta de compradores, a Caixa Econômica assumiu o risco de arrematar as Cepacs, o que permitiu as obras de demolição da Perimetral, de construção do Túnel Marcelo Alencar, e da reurbanização do local. No entanto, por problemas inerentes ao projeto e devido a crises econômicas, a liquidez desses certificados permaneceu muito baixa. Em 2023 a operação do Porto Maravilha foi estendida para São Cristóvão, acrescentando 3,7 milhões de metros quadrados para a utilização dos Cepacs, o que poderá facilitar a sua venda.
Segundo matéria publicada no Jornal O Globo do dia 30 de março deste ano, as operações urbanas consorciadas paulistas têm deixado de ser interessantes para as construtoras, já que novas regulamentações trazidas pelo Plano Diretor local, de uma década atrás, criaram áreas mais vantajosas. Próximo às estações de trem e metrô e aos corredores de ônibus, o potencial construtivo passou a ser igual ou maior ao das áreas das operações urbanas consorciadas e o valor a ser pago pelo potencial construtivo, via outorga onerosa (são tantos instrumentos e definições!) é mais baixo do que o das Cepacs.
O que ocorre em São Paulo deve servir de alerta para o Rio de Janeiro. É preciso uma análise aprofundada e cuidadosa do que pode estar ocorrendo na cidade. A legislação Reviver o Centro, direcionada àquela área, vizinha à do Porto Maravilha e à de São Cristóvão, ao contrário da que se aplica nestas últimas, é baseada num sistema de prêmios. O construtor que edificar um novo prédio no Centro recebe o direito de acrescentar, em outro terreno mas em outra área da cidade, o mesmo potencial construtivo ali utilizado. Assim, o Centro, a Área Portuária e São Cristóvão são regiões com situações bem diversas entre si para o investidor.
Da mesma forma como ocorreu no Plano Diretor de São Paulo de uma década atrás, o plano que acaba de ser aprovado no Rio institui a cobrança de outorga onerosa para a maioria das áreas da cidade, ou seja, uma cobrança pelo licenciamento da metragem quadrada a ser edificada que ultrapasse a metragem quadrada do terreno (potencial construtivo igual a 1). O plano é majoritariamente construído para beneficiar o mercado imobiliário, com uma tendência à verticalização dos bairros. Novas oportunidades de verticalização estarão disponíveis, concorrendo não só com o Centro, mas também com as áreas já citadas, onde ocorre a cobrança de Cepacs.
Como se não bastasse, há um mercado consolidado, ainda com bastante demanda de construções na Barra e Recreio, regiões às quais as construtoras cariocas estão acostumadas e não parecem querer trocar por novos horizontes. Como o poder público se nega a tomar medidas mais objetivas que direcionem os investidores para áreas prioritárias, pouca coisa muda nesse cenário.
Todas essas diretrizes contraditórias são fruto de legislações que não obedecem a um plano do que seja melhor para a paisagem carioca e para os moradores da cidade, e sim a interesses do mercado imobiliário. A este são oferecidas imensas oportunidades, mesmo que ao custo da perda de qualidade da vida urbana. Um problema é que o tal mercado é reticente, e sempre irá querer mais. O outro é que o excesso de vantagens pode acabar por inviabilizar as operações urbanas pretendidas pelo poder público.