Roberto Anderson: Motos e mais motos, bipbipbip

Passada a pandemia, a situação do trânsito nas grandes cidades brasileiras voltou a ficar bem complicada

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Passada a pandemia, a situação do trânsito nas grandes cidades brasileiras voltou a ficar bem complicada. Dirigir pelas suas ruas exige cada vez mais atenção, em função do grande volume de automóveis e, também, da crescente quantidade de motos. Seus condutores, em geral jovens audaciosos e imprudentes, cruzam as pistas, driblam o trânsito de forma perigosa ou avançam os sinais de trânsito. Por trafegarem em maior velocidade do que os automóveis, desconcertam seus motoristas, que se surpreendem com o repentino aparecimento de um motociclista no retrovisor. Isso sem falar na terrível cacofonia de buzinas que anunciam a passagem de comboios de motos por entre os carros.

Essa fricção entre motos e carros em ruas apertadas das cidades brasileiras causa acidentes, em que o motociclista é a parte mais vulnerável. Quando não são fatais, aumentam consideravelmente o número de pessoas em reabilitação motora. À parte os grandes acidentes, há sempre aquele pequeno esbarrão ou a quebra de um espelho retrovisor dos automóveis, que geram discussões no trânsito, não raro derrapando para contendas físicas ou até armadas.

Cano de escapamento aberto, fazendo barulho para chamar a atenção é um clássico entre motos, bem mais que nos carros. O uso do capacete, pelo menos nas grandes cidades, até que se generalizou. Mas a prosaica imprudência de condutores e passageiros de motos é algo observado diariamente nas ruas. Não raro estão sem camisa ou de chinelos, o que em caso de acidentes aumenta as escoriações. Passageiros de motos se arriscam digitando nos celulares ou carregando volumosas cargas. De vez em quando, há uma criança espremida entre o condutor e o passageiro, sem qualquer proteção.

Ciclistas também sofrem, porque o motociclista, normalmente alvo de motoristas de carros mais impacientes, por sua vez impõe sua pretensa prioridade aos ciclistas que porventura se aventurem pelo asfalto. Esquecem que o Código de trânsito diz que a rua é espaço compartilhado por veículos de carga ou de passageiros, de passeio, motos e bicicletas, devendo o mais potente respeitar a segurança do menos potente.

Também nas ciclovias os ciclistas são ameaçados por motociclistas mais apressados que as invadem. Isso, sem falar nas bicicletas elétricas que legalmente têm direito de lá estar, mas que trafegam em altas velocidades. Até nas calçadas, muitas vezes os pedestres são surpreendidos por motos que por ali cortam caminho quando o trânsito de veículos bloqueia sua passagem nas ruas. E não custa lembrar que boa parte dos assaltantes que roubam os passantes circula em motos. Muitas mulheres trabalhadoras têm verdadeiro pavor ao ver uma moto se aproximar do ponto onde aguardam seus ônibus.

Segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), já existem 27 milhões de motos circulando pelas cidades do país, um aumento considerável em relação a 2020, quando havia 23,3 milhões. É também crescente o número de motoristas habilitados a conduzir motos. Em 2023 eram 38,8 milhões, um aumento de 20,8% em relação a 2018. Mas, pelo interior do Brasil e nas áreas periféricas das grandes cidades, é sabido que há um grande número de condutores não habilitados.

Boa parte desse aumento do uso da motocicleta se deve ao aumento de trabalhadores em serviços de entrega. Segundo a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) já haveria 385.742 entregadores sobre motocicletas. Isso sem contar com os que se dedicam ao transporte de passageiros. É um exército de trabalhadores precarizados, muitos deles seduzidos pela mística do empreendedorismo. Manipulados por políticos de direita, rejeitam a regularização da atividade, o que levaria a uma contribuição previdenciária que os amparasse no futuro ou em caso de acidentes.

O aumento do uso da motocicleta se dá também por maus motivos. Como o transporte público nas grandes cidades é caro, vide o metrô do Rio que aumentou a passagem para R$ 7,50, a mais cara do país, as motos se tornam mais atraentes. Segundo matéria recentemente publicada no jornal O Globo, o usuário de uma moto de modelo popular que morasse a 10 km do seu trabalho gastaria o equivalente a meio litro de gasolina por dia para ir e vir do trabalho. Atualmente, isso corresponderia a um gasto diário de R$ 2,90, sem contar os custos de manutenção da moto. Já o trabalhador que opte pelo transporte público gasta uma média de R$ 9,00, considerando o valor médio das tarifas dessa modalidade de transporte nas capitais e Distrito Federal.

Assim, por falta de subsídios públicos significativos ao transporte público e por subsídios indiretos aos combustíveis, há um estímulo ao abandono do transporte público em favor das motos e, muito provavelmente, também em favor dos automóveis. É o colapso do planejamento, provocando o colapso da mobilidade nas cidades. O país que já viu o abandono do transporte público por parte da classe média, em favor do automóvel, agora assiste esse processo ocorrendo em classes populares, em favor da motocicleta. Uma catástrofe.

Deve haver espaço para diferentes modais de transporte nas ruas das cidades. Mas é preciso civilidade e regulamentações que impeçam a lei da selva. E, principalmente, deve haver a valorização do transporte público, esse sim o meio de locomoção adequado para grandes contingentes populacionais.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

2 COMENTÁRIOS

  1. Mais um retrato do favorecimento ao transporte privado. Enquanto for feita a opção tributária pelo ICMS sobre a venda de veículos e de combustíveis sobre automóveis e IPVA sobre a propriedade (45 milhões/país/base 2023) e motos (33 milhões/país/base 2023), sendo frotas em expansão contínua, em vez de melhorar e expandir o transporte público (ônibus são 107 mil/país/base 2023), esta frota em decréscimo ano a ano, retirando carros e motos das ruas. Sem isso, os engarrafamentos só vão aumentar, a queima de combustível inútil também gerando desperdício de horas produzidas e queda de fatores econômicos, por conta de um dinheiro que o consumidor entrega de mão beijada para governos ineficientes. Só para recordar, na internet tem várias publicações que várias metrópoles do Brasil tem os piores trânsitos “em linha reta”. O Rio é a São Paulo dos anos 2000, BH, Recife, Fortaleza vão na mesma balada. Triste retrato do Brasil parando.

  2. Bom artigo.

    A valorização do transporte público de massas jamais acontecerá caso permaneça sob a lógica do lucro privado. O Estado precisa retomar todo o sistema, todos os modais, e os empresários privados devem ficar limitados à fabricação e fornecimento de carcaças, de bancos, de motores, de roletas, e de demais insumos necessários ao funcionamento do sistema. Há interesse de um lado da disputa política em estatizar o sistema? Ou os partidos hegemônicos (os da direita) não fazem nada além de atuar sempre em prol de empresários larápios que os sustentam?

    O caos do trânsito é culpa de todos, sem exceção. Motoqueiros entregadores e de moto táxis (mas não apenas eles) não têm justificativa nenhuma para atormentar todos ao redor com o barulho das buzinas e dos escapamentos abertos. Se cometem infrações no trânsito, colocando em risco o bem estar dos outros (guiar na contra mão, avançar sinais, trafegar pelas calçadas, etc…) porque estão com pressinha para entregar rapidinho a comidinha da classe média, ou para deixar o passageiro logo no destino, então estão todos errados: a presteza dos serviços não está acima das leis e da segurança das pessoas. Que todos tenham paciência na entrega e no transporte: compradores, vendedores, passageiros e motoqueiros.

    Para que os entregadores não precisem trabalhar sob pressão e sempre apressadinhos, há que se reduzir o volume de entregas por entregador, e estes precisam ser melhor remunerados por cada entrega. Aí entra o erro dos donos dos aplicativos, que esfolam e amassam os trabalhadores, em nome do aumento selvagem dos lucros, provocando essa verdadeira guerra no ambiente urbano.

    Ciclistas também têm sua cota de bizarrices. Calçadas são prioritariamente para pedestres! Caso o ciclista precise, por falta de espaço no asfalto, usar as calçadas, deve moderar a velocidade e desviar SEMPRE dos pedestres. Em cima das calçadas é o ciclista que deve sair da frente do pedestre, e não o contrário!

    Ciclovias e ciclofaixas são para tráfego de BICICLETAS; pedestres não devem ocupá-las. Se, por ventura, for absolutamente necessário, devem ficar atentos à passagem de bicicletas, caminhar sempre ao longo das bordas, no mesmo sentido das bicicletas. Jamais no meio da via, jamais na contra mão e NUNCA fazendo “paredinha humana” (um pedestre caminhando lado a lado com outro) ocupando quase toda a via, sob risco de provocarem acidentes seríssimos.

    TODOS precisam ser melhor educados. TODOS precisam refletir sobre seu lugar no mundo. NINGUÉM é mais especial que ninguém. O caos é resultado da nossa falta de bom senso e do nosso egoísmo.

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