O calendário litúrgico católico dedica o dia 02 de fevereiro à celebração de Nossa Senhora dos Navegantes, desde à Idade Média, quando os navegadores ibéricos atravessavam o mar Mediterrâneo em direção ao Mundo Árabe. Eram as Cruzadas para proteger ou libertar os lugares sagrados daqueles considerados infiéis.
A devoção mariana também a chamavam de Stela Maris – Estrela do Mar – guiando os barcos na melhor rota até um porto seguro, principalmente quando surgiram as grandes navegações “que da Ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados, passaram ainda além da Taprobana”, com cantou Camões.
Conta a tradição que a invocação a Nossa Senhora era gravada no casco das naus, que quase sempre carregavam uma imagem da Virgem entalhada na proa, iluminada por uma candeia, mantida sempre acesa pelos navegantes.
Daí o surgimento de outras denominações para a devoção: Nossa Senhora das Candeias, da Candelária, dos Mares, da Boa Viagem. Todas chegaram ao Brasil desde os primeiros anos da colonização, provavelmente na esquadra cabralina em 1500, se difundindo pelas vilas litorâneas de todo o litoral, surgindo capelas e igrejas em Fortaleza (CE), Penedo (AL), Porto Alegre (RS), Santos e Cananéia (SP), geralmente associadas a colônias de pescadores, como no Rio de Janeiro, no Complexo da Maré.
Curiosamente, em Salvador, primeira capital do Brasil, o dia 02 de fevereiro é praticamente dedicado à celebração de Iemanjá, orixá africana, Rainha do Mar, uma festa que integra o patrimônio imaterial nacional e a devoção mariana é substituída por Bom Jesus dos Navegantes, celebrado na última semana do ano, associada à Nossa Senhora da Conceição da Praia.
A centenária festa de Iemanjá em Salvador é considerada a maior manifestação pública do Candomblé no Brasil, muito diferente das celebrações realizadas no dia 31 de dezembro, adaptadas ao longo dos anos sem a associação direta ao orixá.
Na capital baiana, as festividades ocorrem no bairro do Rio Vermelho, organizada pela Colônia de Pescadores, promovendo a entrega das oferendas à Rainha do Mar, também chamada de Janaína e Odô Yiá, protetora dos pescadores, jangadeiros e todos aqueles que tem alguma relação com o Mar.
Durante as celebrações, há o predomínio do traje branco ou azul claro, além das contas transparentes nos colares e pulseiras, homenageando Iemanjá.
A cidade do Rio de Janeiro, ainda que litorânea desde seus primórdios, conta apenas com seis locais de culto católico, incluindo duas paróquias: uma delas no Complexo da Maré, criada em primeiro de janeiro de 1945 e outra, instalada nos primeiros anos do século XXI no bairro de Padre Miguel, na Zona Oeste.
A Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, localizada à rua Luiz Ferreira, 217, no Complexo da Maré, foi criada pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Jaime Câmara, para atender ao crescimento daquela região da cidade e uma colônia de pescadores locais. O território da nova paróquia ocupou uma área às margens da baía da Guanabara, ocupada por manguezais que pouco a pouco foram extintos com o surgimento de palafitas, no final da década de 1950, povoamento que originou o nome “Favela da Maré”, objeto de intervenção do poder público a partir do final da década de 1970.
Em 1997, as atribuições paroquiais foram assumidas pelos padres palotinos, da Sociedade do Apostolado Católico, que se estabeleceram no Brasil a partir do início do século XX, no Rio Grande do Sul, ampliando suas atividades por outros estados como Bahia, Maranhão, Paraná e São Paulo.
A modesta capela foi progressivamente ampliada, recebendo contribuições da vizinhança como a pintura de afrescos realizada em 2015 por alunos da Oficina Escola de Manguinhos, que integram o patrimônio da igreja, com destaque para “Os Pescadores do Evangelho”, pintado no arco cruzeiro.
Atendendo às várias manifestações de fé, no dia dois de fevereiro, a cidade do Rio de Janeiro celebra a devoção a Nossa Senhora dos Navegantes em seus templos católicos enquanto os terreiros destinados aos cultos de matrizes africanas rufam seus atabaques para homenagear Iemanjá.
Ave Maria, Stela Maris!
Odô Yá, Iemanjá!