Sou um corretor de imóveis especializado em vender o que já existe, e alguns dizem que há um cisma, mesmo um recalque, entre os que fazem isto e aqueles que vendem “sonhos”. Sonhos, neste caso, seriam os lançamentos imobiliários, os imóveis na planta, aqueles em que cabe ao corretor vender plantas, maquetes, e locais, mais que o imóvel concreto, definido, pronto.
Na verdade, entendo mesmo que vender um imóvel pronto, encontrar algo já acabado, existente, e fazer com que caiba como uma luva nas necessidades de um certo comprador, é um trabalho muito mais difícil. Fica mais difícil ainda, quando, evidentemente, o intermediador da venda de imóvel usado lida o tempo inteiro com dois interesses completamente diferentes, e fora de padrão: o dono do imóvel, e o comprador.
É lógico que o imóvel novo também tem um “dono”; mas este já está bem resolvido, quando estabeleceu condições genéricas para cada imóvel a ser vendido; a construtora já assinou algo com a imobiliária, e pronto. Além disso, no máximo, lida com uma ou duas imobiliárias, salvo casos em que há “desespero total”.
Mediador Imobiliário
Mediar – e gosto por isso do termo ‘mediador imobiliário’ – é o que mais faz o corretor de imóveis usados. Medeia na hora de fechar o preço, como qualquer corretor; mas medeia também a hora da visita ao imóvel, os documentos a serem fornecidos pelo vendedor ao comprador; os ânimos, que por vezes se acirram, as vaidades, mesmo as ‘loucuras’ alheias.
Vender um imóvel pronto é completamente diferente; adrenalina pura! Ao chegar ao local, não é incomum ver uma surpresa. Ao ver as certidões do cliente-vendedor, outra surpresa (afinal os corretores normalmente iniciam o trabalho com uma certidão do imóvel, mas não com todas as certidões necessárias para vender, até porque estas têm, ainda hoje, um altíssimo custo). O bom corretor de imóveis avulsos que trabalha com afinco, aos poucos se prepara para qualquer surpresa; evita dizer o que não sabe (a mentira vai cair logo ali, e não daqui dois anos, quando “ficar pronto”). Tem um aprendizado muito maior e muito mais rápido do que aquele que é gloriosamente sorteado para estar no stand perfeito com a maquete perfeita e o book perfeito para receber aqueles que entram porta adentro, já impressionados com o ‘look’ inicial do empreendimento.
Esse corretor não tem como decorar um discurso padrão para cada imóvel (afinal, hoje vende uma cobertura de 30 milhões e amanhã um conjugado de 600 mil, ou uma loja de 17 milhões, ou ainda uma salinha de 250 mil) e ligar a esmo para telefones fornecidos pela imobiliária. Ele tem que vender, vender, vender, e com isso ir formando uma carteira de clientes, cujos interesses absolutamente específicos deverá decorar para, sempre que algo dentro daquela descrição aparecer, informar àquele cliente que tem aquele perfil. O começo é triste, pois não há carteira de clientes formada; só um computador com milhares de imóveis completamente desconexos, cada um num estado de conservação diferente, em bairros diferentes, com preços loucamente díspares.
O Corretor de Lançamentos x O Corretor de Imóveis Avulsos Prontos
Considero, mesmo, que corretor de lançamentos e corretor de avulsos prontos são profissões completamente diferentes que vendem produtos do mesmo gênero, mas que praticamente não têm os mesmos públicos. É por isso que há tanta confusão para entender os indicadores imobiliários publicados nos jornais. Estes são na maior parte das vezes inspirados no que se passa no mercado primário (lançamentos), pois são muito mais fáceis de se coletar que os do mercado secundário.
Credito a esta diferença o fato de simplesmente não ser possível para mim verificar ABSOLUTAMENTE NADA do que os jornais dizem acerca de assuntos como bolha imobiliária, valorização/desvalorização, o “excelente mercado da Barra da Tijuca” e outros. Nada disso se reproduz no meu dia-a-dia, e trabalho com isso há 15 anos!
O crescimento imobiliário do Centro, Zona Sul e Norte
No meu dia-a-dia, trabalho com cerca de 85% de vendas à vista. Vejo um crescimento imobiliário constante, lógico, sustentável, no Centro e nas Zonas Sul e Norte do Rio, com exceção dos imóveis-troféu (um dia escreverei sobre eles, mas em resumo são aqueles que são comprados não porque valem, mas porque é chique, fino, mostrar a terceiros que se mora em dado prédio ou logradouro). Zonas que sempre foram muito nobres e caras antes da cidade ser tomada pela violência haviam se desvalorizado imensamente de 1980 até 2005, e com a melhora gradual dos índices de violência, voltaram a atingir seus valores originais (nada além!!). Imóveis comerciais vazios que pululavam pelo Centro da Cidade foram sendo ocupados até a vacância ser reduzida a menos de 10% (empresas pararam de ir para São Paulo, e de ir à falência uma atrás da outra, com o renascimento do RJ, a indústria petrolífera, de telecomunicações, e de tecnologia e a chegada de muitos atores internacionais). Não há um crescimento sem lógica; a Avenida Atlântica, por exemplo, tomada de camelôs e automóveis por toda parte em seu canteiro central (nem se conseguia cruzar para ir à praia!), voltou a ser um local nobre, por exemplo. Natural, que o preço aumente.
Quando comecei a trabalhar no Centro do Rio em 1999, os andares no prédio em que trabalho, de 200m2 cada, eram alugados a 1.400 reais. Ou melhor, NÃO eram; estavam 75% vazios. Em 2014 estão todos ocupados e locados a cerca de R$ 10.000 cada, e há procura para locar mais, se mais houvesse. O centro renasceu, porque renasceram as empresas cariocas!
“O Fantástico Mercado de Imóveis da Barra da Tijuca”
Outra teoria curiosa que durante anos me martela a cabeça, é sobre o “fantástico mercado de imóveis da Barra da Tijuca”. Fantástico, com certeza, para as construtoras, e para nós, corretores. Os imóveis são vendidos para serem pagos em trocentos anos, para proprietários satisfeitos…. Satisfeitos até terem que vender seus imóveis. A corretagem de avulsos na Barra da Tijuca e Recreio já foi a ruína de muitos corretores! Se os lançamentos vendem como água – e isto tem sido verdade, não é curioso que os imóveis antigos simplesmente demoram meses, às vezes anos, para serem vendidos?
Afinal, se algo é tão fantástico, porque depois que compramos não conseguimos revender?
Tomo por exemplo algumas coberturas que um cliente comprou nas imediações da Hermes Lima, no Recreio. Há anos tentando vender ou alugar, hoje continuam todas desocupadas. Vamos ser francos! Ao passear de carro por ali, o que vemos? Vemos simplesmente que TUDO está à venda! E, amigos, se TUDO está à venda, será que é mesmo tão sensacional comprar estes imóveis “barato” (sic) só porque são parcelados em um milhão de anos?
O que vejo são colegas corretores de imóveis avulsos da Barra da Tijuca reduzindo suas estruturas ao mínimo necessário, e recorrendo à tábua de salvação de todos os corretores do Rio: pegar imóveis pra vender no Centro e na Zona Sul. E tem um agravante! Se no Centro/Zona Sul/Zona Norte o corretor pode circular de metrô, a pé ou de ônibus facilmente, na Barra da Tijuca/Recreio, sem carro, não dá pra trabalhar.
É assim que facilmente posso concluir que, por vezes, as diferenças entre o que ocorre no mercado de imóveis novos e no de usados fazem com que dados que tomem por base o conjunto formado por estes dois mercados não façam qualquer sentido. E é esta a fonte de tanta bobagem que lemos nos jornais.