O Rio de Janeiro possui um passado muito íntimo com as igrejas católicas. Em cada parte da cidade, e do estado, é possível encontrar estas construções antigas que parecem até museus de belas artes. Mas, ao longo dos anos, as irmandades que cuidam de algumas destas construções que são primores da arquitetura foram enfraquecendo, perdendo dinheiro, doadores, prestígio e até seus próprios integrantes. Porém, os templos perduram, e muita fé ainda mantem esses locais de pé. E para fortalecer o laço com o presente e criar um futuro, a Arquidiocese do Rio de Janeiro criou sua Comissão de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural, que vem mudando o cenário de abandono de alguns templos. O assunto foi abordado pelo jornal O Globo, neste último final de semana.
O projeto foi inaugurado em 2018, sob a presidência do Cardeal Orani João Tempesta. Parte do trabalho do grupo de abnegados, que tem o padre Silmar Alves Fernandes como curador, é dedicado a igrejas levantadas em séculos (muito) passados, muitas delas por grupos de fiéis católicos, que formavam ordens, confrarias e irmandades. Atualmente, três monumentos tombados que são testemunhos de fé e história, construídos nos séculos XVIII e XIX, passaram a estar de alguma forma aos cuidados da Arquidiocese, que chegou a criar um Vicariato – algo como um Ministério – para tratar das igrejas particulares que pertencem a estas organizações.
Pois é; muita gente confunde e pensa que toda igreja pertence à Arquidiocese, e é uma paróquia. Não funciona assim. Há igrejas que pertencem a Ordens Terceiras ou Irmandades, que são associações de fiéis leigos (ou seja, que não são padres), pessoas que numa época muito distante e longínqua se reuniram em torno de uma devoção comum (um santo, por exemplo), formaram uma associação e juntas ergueram uma igreja, com seus recursos próprios. E ao morrer, e durante suas vidas, doavam imóveis e dinheiro para estas irmandades, que floresceram e se tornaram grandes donas de imóveis na cidade, com o objetivo de aluga-los e com as rendas dos imóveis manter o templo e também fazer caridade e prestar serviços à comunidade.
Só que com o tempo muitas destas irmandades foram morrendo, envelhecendo, ou se envolveram em negócios que não deram certo, como cemitérios e hospitais, principalmente por conta da falta de administração profissional. Assim, alguns templos que são primores da arquitetura brasileira e muitas vezes têm qualidades de fazer inveja a grandes capitais europeias, foram ficando abandonados.
Mas a Arquidiocese do Rio está trabalhando pra mudar isso. Realizando intervenções e dando assessoria a diversas destas irmandades, assim como atuando no inventário e na ajuda da gestão de todo este patrimônio histórico e cultural, tem conseguido grandes e auspiciosos resultados, que vem gerando a reativação de templos antes fechados, a administração profissional de seus bens, e mesmo a formação de uma nova legião de fiéis catolicos que voltam a frequentar as missas e eventos nestas igrejas. Em alguns casos em que as irmandades não têm mais como se manter, a própria arquidiocese assume os cuidados com estes bens. Em outros casos, encontra pessoas – particulares – que aceitam o encargo de gerir estes patrimônios.
Para relembrar sua historia e pensar em um futuro mais prospero, o DIÁRIO DO RIO montou uma pequena lista com igrejas históricas do Rio de Janeiro que se vem reativando e passando por processos de recuperação arquitetônica, religiosa e conservação, voltando a se integrar ao quotidiano dos cariocas, que começam a ouvir os sinos dobrarem, novamente, pelas ruas do Centro Histórico principalmente, em igrejas antes abandonadas à própria sorte.
Há também casos incríveis como o da igreja de São Pedro Apóstolo, na Zona Norte, onde a mesma coisa está ocorrendo.
Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores
A Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores é uma joia escondida na Rua do Ouvidor, 35, no Centro do Rio. Suas portas estão fechadas desde 2020, mas, o empresário do ramo imobiliário, Cláudio André de Castro, diretor da Sergio Castro Imóveis, em planos de reabrir o local novamente e trazer ainda mais fé, turismo cultura e arte para o Centro da cidade. O empresário foi nomeado recentemente pela arquidiocese comissário administrativo da Irmandade dos Mercadores e Castro, em pouco tempo, já começou seus trabalhos e colocou importantes projetos para reabrir a igreja. Ele já levantou a interdição que havia sido decretada pela Defesa Civil, encomendou a manutenção e revisão dos sinos da Igreja, que são do século XIX — vão tocar de hora em hora — e está mantendo uma grande equipe de limpeza no local. “Já temos água e luz, e vamos ter muita cultura e fé por aqui, muito breve“, limita-se a dizer.
Além da reforma, peças que contribuem com a história do Rio, Centro, e da própria igreja, continuarão a fazer parte do local. Como uma bala de canhão disparada do encouraçado Aquidabã, durante a Revolta da Armada, que atingiu a torre da igreja em 1893. A bala está lá, em um nicho, e fará parte da programação de fé, cultura e história com que Claudio Castro planeja, a partir de maio, reabrir o endereço. A bala derrubou uma imagem de pedra de Nossa Senhora da Fé lá de cima da torre sineira, e a imagem, apesar de cair 25 metros de altura, quebrou apenas dois dedinhos. Ela ficará exposta num lindo átrio que fica na parte reservada da igreja, que conta também com uma linda sacristia com um belo arcaz do Século XVIII, e um oratório belíssimo com Nossa Senhora da Lapa.
Embora o local ainda esteja fechado, recebendo manutenção e conservação, assim como uma grande limpeza, com inventário e catalogação das peças que ainda existem no local, Cláudio conta que toda vez que as portas são abertas muitos fieis e visitantes aparecem para visitar a casa de fé. “Em um sábado, deixamos a porta entreaberta e as pessoas, curiosas, começaram a aparecer. Contei 240 visitantes”, lembra Castro. As lâmpadas estão sendo trocadas por LED (amarelas, claro), para diminuir a carga, assim como está sendo feita dedetização e revisão no sistema de incêndio. Tudo isso vem sendo realizado com recursos próprios de Castro, suas empresas e amigos que, segundo ele, o apóiam na iniciativa:
“Muitos são católicos como eu, mas outros são pessoas apaixonadas pelo patrimônio histórico e pelo Centro Histórico do Rio de Janeiro. É incrível como tem crescido esta corrente do bem. Temos o apoio inestimável do Monsenhor André Sampaio, Vigário Episcopal das Irmandades, que tem sido de grande valia na orientação de nossas atividades. Além disso, a gestão atual do IPHAN tem indicado que será de grande valia na colaboração com nossa iniciativa de cuidar, da melhor maneira, deste bem, que é um imóvel tombado nacional“, pontuou, frisando que a região conta com uma coordenação técnica dentro do IPHAN que é composta de especialistas de formação técnica. “Uma das coordenadoras que conheci reformando imóveis em que tenho investido é uma das maiores especialistas do mundo em cantarias de pedra. Acho que precisamos valorizar o apoio técnico destes profissionais, que estão à altura dos melhores do mundo”.
Para o mecenas, a Irmandade dos Mercadores simboliza a resiliência do Rio de Janeiro e do seu Centro Histórico. Bem aos moldes de um típico corretor de imóveis, faz a média: “que sou eu, se não um mercador dos tempos modernos”? Recentemente, aqui no DIÁRIO, o historiador William Bittar escreveu sobre a igrejinha erguida pelos mercadores do centro em 1750.
Irmandade Senhor do Bonfim e Nossa Senhora do Paraíso
Em 1850, Dom Pedro II – que já havia assumido o trono do Brasil – doou um terreno para a construção de uma casa de fé. Após seis anos, esse local se transformou e imagem do Senhor do Bonfim, trazida da Bahia pelo devoto Luiz Baptista Corrêa, ganhou lugar de destaque na sede da Irmandade Senhor do Bonfim e Nossa Senhora do Paraíso, em São Cristovão.
Ao passar do tempo, a igreja ainda se destaca na paisagem, mas de forma tímida. Já que com a urbanização e mudanças que acabaram transformando uma região residencial em mais industrial, ficou escondida atrás de um prédio devido ao elevado da Perimetral. O resultado dessa mudança foi o abandono e, nos últimos oito anos, até a depredação. Um sino foi salvo quando já tinha sido arrancado da torre e jogado sobre um pneu para amortecer a queda. Peças sacras da igreja haviam sido vendidas.
Em 2021, o DÍARIO DO RIO noticiou o começo da restauração da igreja tombada e há três anos, o padre Álvaro Inácio da Silva sonha com o dia em que as imagens do Senhor do Bonfim e de Nossa Senhora do Paraíso vão voltar para casa.De acordo com o padre, o “primeiro passo é restaurar a igreja, recuperar o telhado, a fachada. Depois cuidamos de trazer vida para dentro dela novamente”. O trabalho, neste caso, bem sendo conduzido pela própria Arquidiocese, que assumiu a Igreja da irmandade.
Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, localizada na Rua Uruguaiana, no Centro, foi fundada em 1735, e tem presença marcante na história do país. Foi catedral de 1737 a 1808. Dali partiu a comitiva que, em 9 de janeiro de 1822, entregou a Dom Pedro mensagem com mais de 8 mil assinaturas pedindo sua permanência no Brasil e que levou à Independência.
Reduto de abolicionistas, o endereço abriga o Museu do Negro, com peças como grilhões, que sobreviveram a incêndio devastador de 1967, além de imagens da escrava Anastácia, consagrada pela devoção popular. A irmandade dona do imóvel teve problemas jurídicos, e hoje a Arquidiocese opera o templo, com ordem da justiça.
O local ficou fechado por 2 anos e 9 meses, e foi até usada como depósito de camelôs. A igreja foi reaberta em 2021, após a retirada de 4,5 toneladas de lixo, e é comandada pelo padre Edmar Augusto Costa, que, atualmente, recebe centenas de pessoas nas animadas missas de cura e libertação, às quintas-feiras. O padre é uma espécie de pop star do Centro do Rio.
A igreja está bombando, mas ainda consta com uma “verruga” em sua fachada linda. Uma construção irregular foi edificada na parede da Igreja secular, onde funciona uma lojinha clandestina. O IPHAN já notificou a prefeitura solicitando a retirada da pústula construída por uma cartomante e que hoje virou um comércio. Até o momento, a pustulosa edificação ilegal na lateral do templo ainda serve para enfeiar e colocar em grave risco de incêndio a Igreja.
Muito gratificante ver que as igrejas centenarias do Rio estao voltando a renascer, como fica dificil depender do poder público, parabenizo a iniciativa da arquidoze e do setor privado, muito feliz ver a igreja do Senhor do Bonfim voltar a abrir em breve, era um absurdo ver esse templo abandonado, é urgente intervir a nossa maravilha Candelaria, que esta muito maltratada, principalmente a area externa, parabéns ao envolvidos!