Tá tudo errado! Uma coisa não podemos negar: as autoridades do estado do Rio de Janeiro têm um talento nato para engambelar a população com pretensas soluções efetivas para o grave problema da segurança pública. Assim, surgiram as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), a intervenção federal e houve até governador prometendo acabar com a violência em seis meses. Agora, o governo do Rio decidiu adotar as câmeras nos uniformes dos policiais militares, uma medida boa, mas simplória diante da complexidade de combate à violência no nosso estado.
Fato é que o Rio de Janeiro tem experimentado ao longo de décadas políticas de segurança equivocadas, que conseguiram, no máximo, reduzir a criminalidade por um curto período de tempo. Foi assim, por exemplo, com as UPPs, que começaram com enorme sucesso sendo a vitrine da política de segurança pública do governo Cabral-Pezão e a esperança de um Rio mais seguro. Acabaram engolidas por escândalos de corrupção.
Para piorar, há dois anos,o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a realização de operações policiais em favelas durante a pandemia de Covid-19. A decisão do ministro Edson Fachin só permitia operações em casos ”absolutamente excepcionais” com justificativa por escrito ao Ministério Público do Rio de Janeiro. A medida absurda apenas contribuiu para acentuar a ausência do Estado nas comunidades carentes, gerar mais riscos à segurança pública de toda a sociedade, aumentar o poderio bélico e expandir o domínio territorial dos bandidos.
Atualmente, o Rio continua vivendo a sua guerra, seja no morro ou no asfalto, com o aumento da criminalidade e o fortalecimento do tráfico e a expansão das milícias. No momento em que eu escrevia esse artigo, uma criança de 4 anos era atingida na cabeça por uma bala perdida, quando voltava da escola com sua mãe na Zona Oeste do Rio. O governo Cláudio Castro tenta dar uma resposta à opinião pública e driblar a incompetência e a ausência do Estado, realizando operações nas comunidades carentes. Porém, sem um trabalho de inteligência e com a falta de capacitação dos policiais, a estratégia não tem dado o retorno pretendido com a redução dos índices de criminalidade.
Esta semana, policiais militares de alguns batalhões da cidade começaram a usar câmeras acopladas às suas fardas. O governo assegura que os equipamentos são destinados à proteção e à garantia da legalidade, a fim de comprovar o bom trabalho da PM. Entretanto, elas chegam no momento em que a polícia é crucificada pelo resultado insatisfatório das operações nas comunidades por falta de planejamento do governo. O mesmo governo que tenta encontrar um bode expiatório que justifique sua própria incompetência. Por melhor que sejam as intenções com o uso das câmeras, a nova tecnologia, sem o suporte de um procedimento operacional padrão, é insuficiente para produzir os resultados desejáveis e ainda corremos o risco de assistir a intensificação da criminalização policial.
A verdade é que não existe uma solução simples para um problema tão complexo como a segurança pública. Para piorar, o Rio tem uma característica única, pois é controlado territorialmente por traficantes e milicianos, que ora se confrontam pelo comando de uma área e ora se unem contra as autoridades de segurança. Bandidos fortemente armados e, verdade seja dita, com poderio bélico às vezes maior que as polícias. E, nesse meio, vivem milhões de cariocas e fluminenses, que se defendem como podem. Os mais ”privilegiados” contratam segurança privada, compram carros blindados ou se trancam atrás de grades por medo da violência. Os mais carentes se escondem debaixo das carteiras das salas de aula ou dormem fora de casa para fugir dos constantes tiroteios.
O Estado precisa garantir a liberdade e a segurança do cidadão, seja ele de qualquer classe social ou nível educacional. O problema da criminalidade se combate com ações de planejamento, inteligência, modernização das polícias, aprimoramento das investigações e, acima de tudo, com a valorização dos policiais, não apenas com salários compatíveis, mas também com treinamento e planos de carreiras. A proteção da população vem da qualidade de como o policial é tratado. É preciso também prender os criminosos, estejam eles no morro, no asfalto ou dentro dos gabinetes das autoridades, e seguir o rastro do dinheiro da corrupção. Necessário cortar o mal pela raiz, doa a quem doer.
O combate à criminalidade no Rio é complexo e muito urgente. Não podemos mais aceitar ações paliativas. O próximo governo precisará ter coragem e competência para enfrentar esse grande desafio, que envolve ainda realizar uma ampla transformação em diversos setores, a fim de oferecer mais educação, cultura, emprego e renda e ações capazes de afastar os jovens do crime. A melhor política de segurança pública é aquela que salva vidas e pune os verdadeiros culpados.