por Victor Maia, pós-doutor em filosofia política pela UFRJ e ex-secretário de políticas sociais estratégicas de Maricá-RJ
À primeira vista, o conceito de Renda Básica de Cidadania (RBC) é simples: trata-se de uma política social que busca mitigar os efeitos da pobreza e ressignificar a dignidade humana por meio da transferência de renda. Em um contexto de acelerada automação produtiva, aumento do desemprego e precarização das relações de trabalho, garantir às pessoas o acesso ao mínimo essencial significa, de algum modo, redefinir nossos horizontes civilizatórios.
Nesse sentido, a RBC propõe uma renda mínima incondicional a todos os indivíduos, assegurando o acesso a bens e serviços fundamentais para uma existência digna. Com implicações sociais, econômicas e políticas, essa ideia vem sendo aplicada em diferentes países e territórios, como Canadá, Alasca e Brasil, embora com alcances e especificidades variadas. Essas experiências oferecem novas perspectivas para um debate público qualificado sobre a redução da precarização da vida.
A necessidade de reduzir desigualdades é, em si, evidente. O filósofo político John Rawls (1921-2002), por exemplo, argumentava que sociedades justas devem mitigar o sofrimento e as dificuldades enfrentadas pelos mais pobres. Esse princípio, no entanto, não implica que todas as pessoas devam ter a mesma riqueza, mas sim que sociedades liberais decentes devem adotar medidas para garantir direitos fundamentais e suprir as necessidades básicas de sua população. Em outras palavras, trata-se de pensar políticas de proteção social mais abrangentes, capazes de responder aos desafios contemporâneos da erradicação da pobreza estrutural.
No Brasil, têm crescido as iniciativas locais voltadas à transferência de renda para os mais pobres, à concessão de microcrédito e ao fortalecimento da economia solidária. Essas ações fomentam o cooperativismo e diversificam os arranjos produtivos nos territórios mais vulneráveis.
Um dos casos mais significativos ocorre em Maricá, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, com cerca de 200 mil habitantes. Desde 2013, o município desenvolve uma das experiências mais relevantes de RBC no cenário internacional. Uma lei municipal estruturou a política de economia solidária na cidade, garantindo que as pessoas inscritas no Cadastro Único recebam, incondicionalmente, o equivalente a 200 reais por mês, pagos na moeda social Mumbuca.
Mais do que assegurar uma quantia mínima mensal para quem vive em situação de extrema pobreza, a Renda Básica permite trazer para o centro do debate questões fundamentais sobre justiça social e equidade. Ela se configura como um instrumento transformador das dinâmicas produtivas locais e como um importante mecanismo de proteção social. Além disso, impulsiona uma discussão mais ampla sobre a responsabilidade coletiva na promoção do bem-estar e sobre a dignidade humana como princípio compartilhado por todos os membros da sociedade. Esse é o mínimo.