Roberto Anderson: Aerotrópolis no molhado

'Atualmente, grandes aeroportos não são mais apenas locais de embarque e desembarque de passageiros. Há uma enorme gama de atividades que neles podem ser realizada'

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Para muitos, planejar o futuro é importante. Para empresas, então, é vital. Mas, os planos, por melhores que sejam, podem ser contrariados por eventos que independem da vontade de quem os planeja. Mais ainda em tempos de emergência climática, quando o futuro se torna incerto, os planos podendo ser alterados por eventos fora do domínio humano.

A construtora Technion obteve da RIOGaleão, empresa que detém a concessão do Aeroporto Tom Jobim, a cessão de uma área com 150 mil metros quadrados junto àquele aeroporto. Através da sua subsidiária, a Aldeya Life Park, ela vem há quatro anos desenvolvendo essa área nos moldes de uma “aerotrópolis”.

Aerotrópolis são áreas de atividades econômicas e culturais que se estabelecem no entorno de aeroportos. Estes funcionam como âncoras do desenvolvimento dessas atividades, tendo a facilidade logística como grande atrativo. Existem algumas condições para a formação dessas aerotrópolis. Inicialmente, é necessário haver disponibilidade de terras nas proximidades do aeroporto e boa acessibilidade por meios de transportes públicos e privados. Por outro lado, elas respondem ao aumento do número de viajantes e da sua demanda por consumo, às necessidades de aumento de receitas por parte dos aeroportos, a novas práticas de negócios e ao aumento das trocas comerciais entre países e regiões.

Atualmente, grandes aeroportos não são mais apenas locais de embarque e desembarque de passageiros. Há uma enorme gama de atividades que neles podem ser realizadas. Grupos de passageiros podem chegar, se hospedar nos hotéis vizinhos, participar de eventos, jogar, ou assistir concertos e retornar às cidades de origem, sem sequer entrar na cidade que visitam.

Há aerotrópolis formadas por plantas industriais, cujos produtos são imediatamente enviados para outros locais do planeta. Elas podem ter também cassinos, salas de concertos, hotéis e centros de convenções. No Schiphol, em Amsterdam, é possível jogar no Holland Casino ou ver exemplares da pintura flamenga na filial do Rijksmuseum ali existente. Em Heathrow, em Londres, é possível assistir a um concerto da London Philharmonic.

Alguns hotéis de aeroportos, como o Sheraton do Schiphol, o Hilton em Frankfurt e o Sofitel no Terminal 5 de Heathrow, são considerados entre os lugares mais populares para a realização de encontros de negócios em seus respectivos países. O The Squaire, o maior edifício de escritórios da Alemanha, foi aberto em 2011 no Aeroporto de Frankfurt. Com 140 mil metros quadrados, é um complexo de escritórios e hotel, com 660 m de comprimento e nove andares. O Aeroporto Internacional de Hong Kong é o mais movimentado do mundo por carga movimentada. Em sua área de 12,48 quilômetros quadrados há um centro de comércio que oferece entretenimento durante qualquer hora do dia.

A Prefeitura do Rio de Janeiro tem interesse no desenvolvimento de um projeto assim e, recentemente, no Urban 20, assinou acordo com a cidade chinesa de Zhengzhou. Lá, existe uma zona econômica aeroportuária, que é modelo de aerotrópolis para outras cidades. E a possibilidade de que um projeto assim venha a ocorrer no Rio vem se tornando mais real.

A Prefeitura se prepara para licitar o serviço de barcas ligando os aeroportos Santos Dumont e Tom Jobim, o que aumentaria bastante a conexão entre os dois e com o centro do Rio. Para a área cedida à Technion, existe a expectativa de atrair diversos investimentos, como prédios corporativos, um centro de convenções, shopping, hospital e residências. A Universidade Estácio já abriu um campus ali.

Tudo parece caminhar para que se tente constituir uma nova aerotrópolis no Galeão. Mas, catástrofes climáticas deixaram de ser uma possibilidade para se tornar uma quase certeza com o crescente aquecimento global. O Acordo de Paris tenta segurar o aumento da temperatura média global em apenas 1,5º C. Como os países não conseguem se comprometer com metas de redução de emissões dos gases do efeito estufa, que impeçam a ultrapassagem desse patamar, o mundo caminha para um aumento de 2º C ou mais.

Com esse aumento da temperatura global, os oceanos deverão avançar sobre áreas costeiras, o que inclui as áreas dos aeroportos Tom Jobim e Santos Dumont. Simulações do site Surging Seas mostram o alagamento das pistas desses aeroportos e áreas vizinhas. O alagamento se alastraria ainda mais quando o patamar de 2º C de aumento da temperatura for ultrapassado. Esse é o grande problema de não se adotar medidas que contenham a catástrofe que se avizinha: um futuro com enormes prejuízos sociais e econômicos e projetos inviabilizados. Talvez, considerando-se essas previsões, se deva pensar em algo mais apropriado, como uma hidrópolis.

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Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - Inepac, onde chegou à sua direção-geral.

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