Quem passa pela rua Gonçalves Dias, célebre endereço do Centro Histórico, e atravessa a antológica rua do Ouvidor, se dá de cara com um grande edifício, de 10 andares e uma generosa frente de rua de quase 15 metros, com total aparência de abandono, não fosse pelas lojas ocupadas por um salão de beleza e pelo famoso Bar Opus, que vende o melhor sanduíche do Centro do Rio. Todo pichado e com a fachada em desalinho, trata-se do edifício que leva o nome do religioso castelhano Frei Miguel de Contreras, no número 82 da famosa rua que liga a rua da Assembleia à Praça Olavo Bilac.
O nome não é à toa: homenageia o primeiro provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, justamente porque prédio é, inteiro, de propriedade da Santa Casa do Rio de Janeiro, grande proprietária de imóveis que vem trabalhando na sua reestruturação e na auditoria de seu extenso patrimônio imobiliário. O prédio tem cerca de 2 mil metros quadrados, e a nova administração da instituição, ao visitá-lo, descobriu que todos os seus escritórios estão invadidos. “Chegou a nosso conhecimento que um ex-funcionário da instituição mudou-se pro edifício, e se declara seu administrador. Gerencia o prédio sem qualquer tipo de autoridade para tal, sem contar que está sendo processado por fraudes contra a entidade, que está buscando recuperar a posse do prédio”, explica Cláudio André de Castro, atual responsável pelo patrimônio imobiliário da Santa Casa, contactado pelo DIÁRIO. Castro, porém, diz não ter detalhes sobre o que se passa lá dentro, e diz que já notificou todos os invasores a regularizarem sua situação com a entidade. “A nova administração está atuando diariamente no reerguimento da instituição. Vamos retomar imóvel por imóvel; nosso jurídico já retomou quase 300 milhões em imóveis só em 2024. A obra de São José de Anchieta tem 442 anos. Hoje somos novamente um time que trabalha com seriedade e embasamento jurídico sob a liderança do Dr. Horta“, diz, referindo-se ao juiz Francisco Horta, provedor da entidade.
Mas a história não pára por aí. O DIÁRIO DO RIO averiguou que as salas comerciais se encontram ocupadas por dezenas de camelôs, que fazem do edifício um depósito de mercadoria falsificada, contrafeita e ilegalmente vendida nas ruas da cidade, e, estes afirmam pagar aluguéis de cerca de R$ 300,00 por sala para o suposto administrador. O prédio tem 10 andares e 4 salas por andar. A Prefeitura do Rio tem atuado contra o comércio de rua clandestino na região, tendo ajudado a desbaratar com isso uma imensa quadrilha de ladrões de celulares que vendiam os aparelhos em bancas na rua Uruguaiana. Os camelôs se tornaram uma das maiores queixas dos comerciantes formais do Centro do Rio de Janeiro, e diversas associações e Polos de comerciantes buscam junto às autoridades a diminuição da informalidade que afasta clientes, e faz concorrência desleal com quem paga seus impostos e se submete a fiscalizações de todo o tipo. Com a ação das autoridades contra os camelôs, eles passaram a buscar locais “seguros” para usar de depósito.
Um dos maiores problemas do combate à camelotagem clandestina que vem destruindo o comércio da região central é a dificuldade de saber onde os ambulantes guardam suas mercadorias. O edifício Miguel de Contreras é um destes depósitos. Um comerciante local que pediu pra não ter seu nome citado diz que a Santa Casa não consegue entrar nos imóveis por conta da gestão do ex-funcionário Raimundo Marcelo de Oliveira, que se comportaria como dono do edifício. As informações do local dão conta de que é ele o ‘padrinho dos camelôs’ da rua Uruguaiana e adjacências, alugando as salas para que eles as utilizem como depósitos de suas mercadorias. “Apenas os inquilinos das lojas pagam aos donos do prédio. O restante é bastante esquisito, ninguém paga, e todos dizem que estão sob o comando do Marcelo”, diz um funcionário de um outro comércio em frente, que pediu para permanecer em anonimato, pois diz que também há ex-policiais civis que ocupam salas no local, “dizendo que estão lá pra manter o local seguro”. “Tem um miliciano que ocupa uma sala no primeiro andar“, afirma. Dentro, o prédio é imundo e é meio apavorante entrar pela sua estreita portaria cercada por duas lojas.
Depois que a prefeitura conseguiu retirar os camelôs ilegais que sequer permitiam o trânsito livre das pessoas pela rua Uruguaiana, os ambulantes se mudaram em grande parte para a própria Gonçalves Dias e para a rua Ramalho Ortigão, que agora sofrem mais ainda com o caos urbano. E são estes os que recorrem ao Miguel de Contreras para armazenar suas tralhas, evitando uma ação mais dura do “rapa”. Os valores cobrados pela suposta “administração” de Raimundo Marcelo seriam convidativos, e como o edifício não aparenta ter qualquer tipo de limpeza ou manutenção, certamente os valores de “condomínio” são altamente benéficos para quem quer apenas jogar mercadorias lá dentro e retirá-las na hora de vender, certamente sem nenhum tipo de cuidado ou preocupação com limpeza, proteção a incêndio e cuidado com a aparência. O edifício tem uma aparência apocalíptica, e se tornou assim foco de atividades criminosas ou contraventoras. Um prostíbulo funcionava no local até pouco tempo, mas, segundo o informante do DIÁRIO, saiu por conta da “má frequência” do prédio. Um bingo clandestino também funcionou lá até recentemente.
Segundo informações de O GLOBO e do jornal EXTRA, em 2014 o MP requereu prisão preventiva do então funcionário da Santa Casa Raimundo Marcelo de Oliveira, por fraudes na administração imobiliária da entidade entre os anos de 2004 e 2014 e que hoje se encontra em processo de reestruturação, tendo anulado mais de 200 milhões em dívidas fraudulentas e recuperado quase 300 milhões de reais em propriedades imóveis. Segundo o promotor da época, a prisão foi pedida para a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal, pois havia inúmeros depoimentos de funcionários da Santa Casa que apontavam a culpabilidade de Marcelo, que foi braço direito do ex-provedor Dahas Chade Zarur – já falecido, conhecido pela administração criminosa da instituição de 442 anos. Raimundo Marcelo foi, segundo o jornal EXTRA, apontado nas investigações como peça chave no esquema da compra e venda ilegal de imóveis da Santa Casa da Misericórdia. Embora a venda de prédios da entidade tivesse que ser discutida pela diretoria, numa reunião denominada de Mesa e Junta, de acordo com o regulamento da entidade, os imóveis eram negociados sem tal autorização, muitas vezes em “papel de pão”, como explica o atual Mordomo dos Prédios, Cláudio André de Castro: “faziam instrumentos particulares fajutos, muitas vezes com assinaturas falsificadas, ou sem testemunhas, ou parcialmente ilegíveis, quase sempre declarando terem sido recebidos valores em dinheiro vivo. Estes documentos não têm valor nenhum quando a venda dos imóveis não foi autorizada pela Mesa e Junta, e menos ainda quando os imóveis já serviam de garantia de dívidas pré-existentes. A forma para a venda de um imóvel é a escritura pública, e jamais sem autorização formal”. Segundo o jornal EXTRA, aabia a Raimundo Marcelo, braço direito do ex-provedor, intermediar a venda ilegal do imóvel, “arrecadando pessoalmente as importâncias em dinheiro e em cheques relativos à venda e as repassando” para Dahas Zarur.
Que a prefeitura e outros agentes públicos se manifestem, mas não apenas neste caso, pois existem dezenas iguais a este. Sem privilégio. Deprecia o comerciante legal que tem que manter várias licenças a custo exorbitante, como não seu unem, um sabota o outro, e todos perdem.
Neste jornal, ver grafado como Cláudio André ou Sérgio Castro Imóveis, coisa extremamente comum, é algo que sempre me inquieta…?