MP contra os servidores. Novo capítulo da “novela” da Lei da incorporação

Antonio Sá comenta os andamentos do processo sobre a incorporação de gratificações aos Servidores Públicos do Rio de Janeiro

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Ministério Público

Informo que tivemos movimentação no processo da Representação por inconstitucionalidade n° 0018769-85.2022.8.19.0000, que declarou a inconstitucionalidade da Lei Complementar – LC n° 212/2019, que manteve, em nosso município, para alguns servidores, ocupantes de cargo em comissão, emprego de confiança ou função gratificada, a contagem de tempo para a incorporação das respectivas gratificações, mesmo após a Emenda Constitucional – EC n° 103/2019 ter determinado o fim do instituto de incorporação no serviço público de todas as esferas de governo em nosso país.

No dia 12 de agosto, tivemos a disponibilização do parecer do Ministério Público do Rio de Janeiro – MPRJ sobre os Embargos de Declaração do Partido NOVO e da Procuradoria-Geral do Município – PGM.

Veja mais abaixo a ementa desse Parecer:

“Embargos de Declaração interpostos em face do acórdão que julgou procedente a representação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 212, de 08 de outubro de 2019, do Município do Rio de Janeiro, nos termos do parecer ministerial, com efeitos prospectivos.

Alegação de omissão em virtude da falta de menção ao termo inicial dos efeitos prospectivos determinados no v. acórdão. Regra no controle de constitucionalidade pátrio consistente em atribuir efeitos retroativos à declaração de inconstitucionalidade. Vício de inconstitucionalidade que congênito, apto a macular a norma desde os seus primórdios e a contaminar todos os atos praticados sob a sua égide. Acórdão embargado que estabelece efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade sem demonstrar a existência de risco à segurança jurídica ou de excepcional interesse social apto a afastar a incidência da regra geral. Inteligência do art. 27, da Lei 9.868/1999.

Possível erro material do decisum. Hipótese em que comumente este Egrégio Órgão Especial confere efeito ex tunc com restrição apenas quanto à ressalva concernente à desnecessidade de devolução dos valores percebidos de boa-fé pelos servidores municipais em razão da norma declarada inconstitucional. Efeito ex nunc que acarretaria insuperável contrassenso, visto que preservaria as vantagens já auferidas pelos agentes públicos municipais em situação claramente irregular, em comprometimento à própria efetividade prática da declaração judicial de inconstitucionalidade.

Embargos interpostos cujas argumentações não suprem o vício do acórdão.

Parecer do Ministério Público pelo conhecimento e não provimento dos embargos, com destaque para a possível correção de ofício do decisum a fim de que conste a atribuição de efeito ex tunc à presente declaração de inconstitucionalidade, ressaltando apenas a restrição referente à desnecessidade de devolução dos valores percebidos de boa-fé pelos servidores municipais, com fulcro art. 27, da Lei n.º 9.868/1999.”

Na conclusão desse Parecer, o MPRJ esclarece que:

“Diante do exposto, oficia o MINISTÉRIO PÚBLICO pelo conhecimento e NÃO PROVIMENTO dos Embargos de Declaração de fls. 431/433 e fls. 435/437, com a correção de ofício do acórdão para que conste a atribuição de efeito ex tunc à presente declaração de inconstitucionalidade, com ressalva apenas para a restrição referente à desnecessidade de devolução dos valores percebidos de boa-fé pelos servidores municipais, com fulcro no art. 27, da Lei nº 9.868/1999.

Caso não seja este o entendimento deste Egrégio Colegiado, oficia o Parquet pelo acolhimento dos embargos de declaração do representante, delimitando os efeitos prospectivos do julgado ao não reembolso de valores já recebidos em virtude da Lei Complementar julgada inconstitucional.”

Veja a íntegra desse Parecer no seguinte sítio:  https://drive.google.com/file/d/1fz0lzsG8-Qok7jNRIn06U2LeyBNV8Ayu/view?usp=drivesdk

Infelizmente, como vimos acima, o Parecer do MPRJ foi no sentido de que a decisão pela inconstitucionalidade da Lei sob análise deve ter efeitos “ex tunc”.

Vale ressaltar, como já comentei em artigos anteriores publicados no Diário do Rio e como consta inclusive na ementa mais acima, que o Desembargador Relator do processo judicial sob comento, decidiu pela inconstitucionalidade da Lei em apreço “nos termos do parecer ministerial”, ou seja do MPRJ, tendo até reproduzido em seu relatório diversos trechos daquele Parecer anterior do MPRJ.

Será que o Desembargador Relator seguirá o mesmo caminho anterior de “corte-e-cola” de trechos do novo Parecer do MPRJ em sua nova decisão agora sobre os Embargos ?

Lembro que as decisões judiciais podem ter diferentes efeitos sobre as partes. Dois deles, representados por expressões latinas, são muito famosos no universo jurídico: os efeitos “ex tunc” e “ex nunc”.

A decisão judicial que possui efeito “ex tunc” remete à época do fato que deu origem à ação, ou seja, o efeito da decisão se aplica ao passado, ao momento exato de ocorrência daquilo que gerou o processo. Assim, a decisão tem efeitos retroativos para considerar como nulos todos os atos praticados com base na lei declarada inconstitucional.

Já uma decisão com efeito “ex nunc” não retroage, não retorna ao passado.  Ela só vale a partir do trânsito em julgado, quando não cabe mais recurso, em diante. Ou a partir da data estipulada na decisão judicial. Esse é o significado de decisão sem efeito retroativo.

Sobre os Embargos de Declaração, vale um comentário. Segundo o artigo abaixo do Código de Processo Civil:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III – corrigir erro material.”

Ou seja, os embargos de declaração visam a tornar mais clara a decisão judicial sobre uma demanda específica.

Isso quer dizer que os embargos não teriam, em princípio, como objetivo alterar, reformar ou invalidar uma decisão tomada, existindo outros recursos cabíveis para essas situações.

O propósito dos embargos é tornar uma decisão que pode estar ambígua clara; fazer com que certas matérias que foram omitidas sejam abordadas; e que algum erro material seja reparado na decisão.

No geral, os embargos de declaração não mudam a essência da decisão judicial. Eles são utilizados para esclarecer pontos que talvez tenham ficado ambíguos ou tenham sido omitidos e para corrigir erros, tornando a decisão clara. Entretanto, há a possibilidade de a decisão ser alterada após ser reavaliada.

Vale destacar que o Desembargador Relator não falou que a decisão seria “ex tunc” ou “ex nunc”. Ele disse que a Lei era inconstitucional, nos termos do parecer anterior do MPRJ, com efeitos prospectivos. E ponto. Sem fundamentar, como determina a legislação, o que se entende por “efeitos prospectivos”.

O MPRJ em seu novo Parecer destacou, então, a possível necessidade de correção da decisão e propôs o acolhimento dos embargos com a correção de ofício do acórdão para que conste a atribuição de efeito ex tunc à declaração de inconstitucionalidade, com ressalva apenas para a restrição referente à desnecessidade de devolução dos valores percebidos de boa-fé pelos servidores municipais

Veja que, além disso, o MP, como o partido Novo, também defende a possibilidade do acolhimento dos embargos de declaração, delimitando os efeitos prospectivos do julgado somente ao não reembolso de valores já recebidos em virtude da Lei Complementar julgada inconstitucional.

Assim sendo, se o Desembargador Relator e o pleno do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ seguirem o Parecer do MPRJ, a decisão judicial pela inconstitucionalidade terá efeito retroativo até a data da publicação da Lei.

Ou seja, a incorporação não poderá ser concedida para quem está com seus processos administrativos sobre o assunto sobrestados e quem já recebe a incorporação com base naquela Lei declarada inconstitucional poderá parar de a receber.

É claro que existe a restrição referente à desnecessidade de devolução dos valores indevidos percebidos de boa-fé pelos servidores municipais até a decisão final.

Portanto, vamos ter que aguardar agora os próximos capítulos dessa “novela”, pois o Desembargador Relator e o pleno do Órgão Especial do TJRJ podem ter outra visão sobre o assunto.

Podem, por exemplo, concordar com o Parecer da CMRJ, que já divulguei, no sentido de que a inconstitucionalidade só deve valer depois do trânsito em julgado da ação judicial sob sob apreço, que ainda não ocorreu.

Ou, quem sabe, podem decidir, como ocorreu no caso da Lei Complementar nº 193/2018, de autoria do ex-Prefeito Marcelo Crivella que concedeu a pensão especial para os aposentados e pensionistas que ingenuamente acreditaram no inconstitucional e eleitoreiro decreto do ex-Prefeito Cesar Maia, que dizia que a reforma constitucional da previdência de então não se aplicaria em nosso município

A Lei do ex-Prefeito Marcelo Crivella, que concedia pensão especial com o valor da diferença entre o valor dos proventos calculados segundo o decreto inconstitucional do ex-Prefeito Cesar Maia e o valor dos proventos calculados como determinado pela Constituição Federal, foi considerada inconstitucional, mas o TJRJ determinou ao final que quem estivesse recebendo a pensão inconstitucional poderia a continuar recebendo vitaliciamente.

É bom registrar em defesa dos servidores públicos que, felizmente, o valor dessa pensão especial é pago pelo Tesouro Municipal e não pelo tão combalido FUNPREVI, o fundo de previdência dos funcionários públicos do município, como ocorria com esse valor conforme determinava o Cesar Maia através daquele seu Decreto inconstitucional.

Vamos aguardar, portanto, a decisão do TJRJ sobre os embargos.

Para quem estiver tomando conhecimento sobre esta questão pela primeira vez, recomendo a leitura dos artigos abaixo publicados neste Diário do Rio:

“Foi para o MP – Novo capítulo da ‘novela’ da ação contra a Lei da Incorporação”

“CMRJ ao lado dos servidores – Novo capítulo da ‘novela’ da ação contra a Lei da Incorporação”

“Vai se prolongar um pouco mais a ‘novela’ da ação contra a Lei da Incorporação”

“MP é quem ‘decidirá’ sobre a Lei da Incorporação?”

 “A tensão entre os servidores continua. Foi adiado o julgamento da lei da incorporação”

“Servidores: toda atenção voltada para o TJRJ no dia 6 de maio”

“Fim da incorporação! Novela terminará no dia 6 de maio?”

“Novo capítulo – Lei da Incorporação é inconstitucional”

“Lei da Incorporação é inconstitucional, e agora?”

“Uma ação contra a manutenção da incorporação na PCRJ”

Não percam o próximo “capítulo” dessa importante “novela”, que está deixando muitos colegas apreensivos.

Por fim, destaco que escreverei um novo artigo quando tivermos a decisão final do TJRJ sobre os Embargos do NOVO e da PGM.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Boa tarde, Antonio de Sá! Uma dúvida. A Lei complementar nº 212/2019 foi publicada em 8/10/2019, a Emenda Constitucional 103/2019,foi publicada em 13/11/2019. Esse 1 mês, entre a publicação, em que a LC 212/19 foi publicada e a publicação da EC 103, não torna os efeitos gerados dentro deste mês válidos? Obrigado

    • Prezado Luiz, grato pelo questionamento, a resposta é não.

      Veja no seguinte sítio https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004B0A8CF970A53EC743E83547BBB552D93C51555231857&USER= a íntegra do acórdão e no sítio https://diariodorio.com/antonio-sa-lei-da-incorporacao-e-inconstitucional-e-agora/ meus comentários sobre esse acórdão. Neles, pode-se observar que a EC 103/2019 não foi o motivo da inconstitucionalidade.

      O motivo foi o seguinte: “ Emenda
      Constitucional n° 95/2016, que instituiu o novo regime fiscal, elevando a exigência da estimativa do impacto financeiro e orçamentário ao status de norma constitucional. Precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o art. 113 do ADCT tem caráter nacional e traz comando dirigido a todos os entes federativos.”

      O PL que original a LC declarada inconstitucional não apresentou a estimativa do impacto financeiro e orçamentário da proposta. Daí, sua inconstitucionalidade.

      Veja também que no acórdão temos o seguinte: “ Art. 39, §9°, incluído ao texto da Constituição Federal por força da Emenda Constitucional n° 103/2019, que não revoga a legislação impugnada, haja vista a disposição do art. 40, §9°, da mesma Emenda, e que tampouco é utilizado como parâmetro desta ação, mas que, por outro lado, reforça o propósito do legislador e o posicionamento jurisprudencial já adotado no sentido de vedar a possibilidade de incorporação de verbas de caráter transitório ou vinculadas ao exercício da função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.”

      Espero ter esclarecido a sua dúvida.

      Sempre a sua disposição.

      Um abraço. Antônio Sá

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