Sinos de igreja do século XVIII voltam a badalar e marcar as horas no Centro do Rio

A histórica Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na Rua do Ouvidor, no coração do Centro, foi construída em 1750 e, após décadas, volta a sinalizar as horas do dia em alto e bom som para os frequentadores da região, num projeto capitaneado pela iniciativa privada

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Lapa dos Mercadores

Chamado de “Igreja dos Mercadores“, o templo construído em 1750 bem na esquina da rua do Ouvidor com a travessa do Comércio (ruazinha que começa no histórico Arco do Teles) vem conquistando a atenção dos passantes naquele movimentado e boêmio ponto do Centro Histórico do Rio, apelidado de Pequena Lisboa pelos que frequentam seus concorridos bares, restaurantes, museus e centros culturais. Até pouco tempo, a igreja dedicada a Nossa Senhora da Lapa pelos mascates e comerciantes da região – que há quase 300 anos criaram a irmandade católica que é proprietária da capela – estava caindo aos pedaços, padecendo de pichações, blocos de fachada caindo nas ruas, telhado com vazamentos e até uma árvore havia nascido em seu telhado. Interditada pela defesa civil, ficou fechada ao público por cerca de 3 anos.

Como fruto de um projeto inovador da Arquidiocese do Rio de Janeiro, uma comissão de patrimônio foi criada pela Igreja Católica no Rio que vem atuando no sentido de tentar reativar e fazer renascer templos outrora vibrantes que se haviam tornado decadentes. Obras de engenharia notáveis mas que, por serem de propriedade de associações de fiéis – e não da própria Igreja sediada no Vaticano – acabaram ficando abandonadas, por diversas razões que vão desde má administração até má sorte ou falta de profissionalismo ao lidar com recursos que se tornaram escassos, com a diminuição flagrante de moradores em regiões como o Centro do Rio ou São Cristóvão. Sem moradores – a legislação municipal proibiu desde os anos 60 até o fim dos 90 que fossem construídos novos prédios de moradia na região – as ofertas e dízimos tendem a cair. No caso da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, o jogo parece ter virado, e rápido. A diferença já se nota ao caminhar-se pelo Centro e ver as placas de propaganda da igrejinha, como por exemplo na esquina da Primeiro de Março com o Largo do Paço ou bem na frente da edificação religiosa, fruto de uma parceria da nova administração do templo com a empresa de publicidade Kallas Mídia, detentora dos direitos de publicidade nas placas iluminadas de ruas do Rio.

Caminhando para o almoço, saindo das obras da futura redação do DIÁRIO DO RIO – que estão na reta final – passou a chamar a atenção o som alto, antigo e profundamente emblemático dos sinos da igrejinha, que voltaram, na data de ontem (2/5), a badalar e sinalizar as horas do dia. O templo, primeiro no Brasil a receber um carrilhão de 12 sinos que foi presenteado pelo Barão da Lagoa em 1872, se firma como uma das maiores atrações da região da Praça XV quando, após mais de 5 décadas, voltou a marcar o tempo, e a badalar o chamado “Angelus” duas vezes por dia – meio dia e 6 da tarde, trazendo alegria e grande esperança na recuperação da região. “É incrível poder saber que chegou a hora do almoço só de ouvido. É uma coisa que me traz muita nostalgia“, disse Sandra Costa, que passava pela frente do templo e olhava, maravilhada, para cima, procurando o sino com os olhos, enquanto ouvia o curioso badalar do “Angelus”: depois de bater as 12 badaladas do meio-dia, são três séries de duas badaladas.

Os sinos das igrejas nasceram de uma tradição antiga na Igreja Católica de rezar esta oração conhecida como Angelus. O nome vem da primeira palavra de uma oração em latim, Angelus Domini nuntiavit Mariæ (“O Anjo do Senhor anunciou Maria”). Ela recorda a encarnação de Jesus Cristo e invoca a intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria. As badaladas teriam origem num costume dos monastérios no sentido de tocar sinos para chamar os seus monges à oração. Por muitos séculos, homens e mulheres religiosos adotaram o costume de orar várias vezes ao dia, com base em uma prática judaica encontrada no Antigo Testamento. Para os católicos, os sinos são tão importantes que quando um novo sino é instalado em uma igreja, ele é tradicionalmente abençoado pelo bispo. A cerimônia da bênção de um novo sino é quase como um batismo, e a cerimônia ainda exige o uso da água benta. Os sinos chegam a receber até nomes, homenageando geralmente um santo padroeiro ou a Santíssima Virgem Maria.

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Mas não são só os católicos que estão animados com o badalar dos sinos da Igrejinha dos Mercadores não. “O sino anuncia que chegou a hora do almoço e a do Happy Hour. É a cara do dia de trabalho, e anima, além de ser uma coisa muito turística. Seria o máximo se aqui no Centro os sinos das igrejas tocassem todos ao mesmo tempo“, sugere Célio Barbeito, que se disse espírita kardecista e caminhava pela rua do Rosário enquanto, com a cabeça, tentava encontrar a fonte do auspicioso ruído musical. Patrocinada pela Sergio Castro Imóveis e pelo Shopping Paço do Ouvidor, a reativação dos sinos do templo católico – agora com toque automatizado por uma espécie de robô – é uma espécie de unanimidade local; a igreja, construída em estilo barroco, deve abrir as portas ao grande público com missas diárias, de segunda a sábado, a partir do mês de junho, mas já está aberta para visitação pública todos os sábados e domingos, entre 11:00 e 17:00. O DIÁRIO DO RIO é parceiro de mídia desta iniciativa, conforme anuncia o imenso e bonito cartaz colocado à entrada do templo que é tombado pelo Iphan desde 1937.

“Estamos fazendo isso tudo com recursos próprios porque a irmandade não tem recursos, e a nossa empresa Sérgio Castro está apoiando o retorno desse patrimônio ao Rio de Janeiro”, disse Claudio André de Castro ao jornal O Dia, ao qual explicou ainda que as irmandades, como a que é proprietária do templo, surgiam através de pessoas que tinham devoções comuns e investiam juntas num novo templo. Neste caso específico, os comerciantes. Para o empresário, estar à frente da revitalização da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores é honrar a trajetória desses profissionais, entre os quais se coloca, se dizendo um “mercador dos tempos modernos”. Ele foi nomeado pelo Arcebispo do Rio de Janeiro gestor da irmandade. Castro diz que a gestão do imóvel religioso também deve ser profissional, e que pretende conseguir a admissão da igreja na Aliança Centro, grupo de proprietários de imóveis no Centro do Rio que, utilizando-se de uma idéia bem sucedida que revitalizou Chicago, vem ajudando a mudar a cara do Centro.Isso pode inspirar outras irmandades, que são grandes proprietárias de imóveis na região, a participar mais ativamente dos destinos do nosso bairro, principalmente no que tange à sua zeladoria“, diz.

Essas associações religiosas católicas são mantidas com as arrecadações da igreja e de bens próprios. A Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores se mantinha com o aluguel de salas, apartamentos e lojas de um prédio comercial, na Rua Sete de Setembro, de sua propriedade. No edifício, funcionou por duas décadas o Club Gourmet, do chef José Hugo Celidônio. Com a pandemia o edifício perdeu inquilinos, o que impactou fortemente a geração de recursos da irmandade, que hoje está com vários imóveis disponíveis no seu prédio da Sete de Setembro, 63.

A histórica edificação já teve a sua iluminação externa toda reativada, o que realça a torre de sinos da igreja, suas sacadas, e o seu lanternim, que estavam há 10 anos envoltos em breu. A fachada está linda, chamando atenção de quem passa. Com a revitalização total do espaço, a Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores pretende brindar a população carioca e fluminense, com uma igreja com missas diárias e funcionamento em horário comercial, de segunda a sábado. A igreja será ainda um local para celebrações religiosas e atividades culturais, como concertos musicais e atividades educacionais tendo o Rio Antigo, arquitetura histórica e a história do Brasil como cerne.

A torre da igreja recebeu um tiro de canhão, durante a Revolta da Armada, em 1893, quando o encouraçado Aquidabã disparou contra o Centro do Rio, derrubando prédios e a torre da igreja (a torre atual foi reconstruída no final do século XIX). Por conta do incidente, a imagem de Nossa Senhora da Fé que ficava bem no alto da torre sineira despencou de uma altura de 25 metros, caindo na rua e quebrando apenas dois dedinhos da mão; o fato ficou conhecido como o Milagre da Rua do Ouvidor. Seu imponente átrio, com duas lindas escadarias em madeira trabalhada e piso em mármore português com uma linda rosa dos ventos central em mais de uma cor de pedra, guarda também a própria bala de canhão que atingiu a estátua em pedra de Lioz. Um milagre bem carioca. “A Lapa dos Mercadores renasce como o faz o Centro Histórico do Rio, ressignificando-se e colocando-se como monumento histórico de visitação obrigatória para quem ama o Rio e a história do Brasil. Não é à toa que muitos amigos estão ajudando o retorno de nossa igrejinha à ativa“, diz Castro. E vale mesmo a visita.

Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores
Sede da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores
Rua do Ouvidor, 35 – Centro do Rio de Janeiro (Esquina com a Travessa do Comércio)
Instagram: @igrejalapadosmercadores
Meios de Transporte:
VLT – Saltar na Estação das Barcas, e caminhar pelo Boulevard Alfred Agache (Olímpico) até a Rua do Ouvidor, ou atravessar o Arco do Teles e chegar até a esquina com a Ouvidor
De Carro: Saltar na esquina da Primeiro de Março com Ouvidor ou na da Rua do Mercado com a Ouvidor, ou estacionar no Terminal Menezes Côrtes, sair pela rua São José, e caminhar pela Primeiro de Março até a Ouvidor ou até a Praça XV, entrar no Arco do Teles e sair na Ouvidor

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